São Paulo, domingo, 17 de fevereiro de 2008

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"Homens de preto" param Judiciário em protesto no Paquistão

Em greve desde o dia 9, advogados do país pedem renúncia de Pervez Musharraf, a quem acusam de dilapidar Justiça

Ditador destituiu chefe do Supremo, que está preso; para críticos, membros de associação da classe "fazem política com os mais pobres"

Mohsin Raza-14.fev.2008/Reuters
Advogados protestam em Lahore por restituição do juiz Chaudhry


IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL AO PAQUISTÃO

Eles só andam com ternos escuros, camisas brancas e gravatas pretas. Como os "homens de preto" da cinessérie homônima, fazem da roupa um manifesto de classe, são vistos como arrogantes por uns e acham que têm que salvar o mundo -ou, no caso, o Paquistão.
São os advogados do país, em greve desde o dia 9, que querem a deposição do governo militar de Pervez Musharraf e a restauração ao cargo do presidente da Suprema Corte e de seus colegas afastados no ano passado.
"A base de uma sociedade é a legalidade. Sem Judiciário, não há isso. O que queremos é a volta do Estado de Direito", diz o "homem de preto" Riasat Ali Azad, secretário-geral da Associação de Advogados de Islamabad, que passou a semana num piquete com colegas do grupo na Corte Distrital da cidade.
O movimento é polêmico. "Sabemos que é possível prejudicar algumas pessoas, mas Musharraf é um criminoso e esse sacrifício é pequeno", diz um dos líderes da greve, o vice-presidente da Associação dos Advogados da Suprema Corte do Paquistão, Mohammad Ikram Chaudhry.
Para um dos conselheiro presidenciais para assuntos constitucionais, o ex-ministro de Assuntos Parlamentares Informação Sherafghan Niazi, o movimento é "tolo e arrogante". "Estão fazendo política às custas dos mais pobres", diz. Faz coro a ele o engenheiro Liaquat Khan, que tentava descobrir o andamento de um processo civil na Corte de Islamabad na quinta passada: "Disseram que o advogado não apareceu e que terei de voltar só quando tudo acabar. Vou votar na eleição parlamentar de segunda contra Musharraf, mas o que tenho a ver com isso?", diz.

Afastamento
A queda-de-braço entre governo e Judiciário tomou proporções épicas a partir de 3 de março do ano passado, quando pela primeira no país um presidente afastou um chefe da Suprema Corte. Iftikhar Muhammad Chaudhry, que presidia casos em que a legalidade de atos do presidente do cruzamento de ditadura militar e democracia que é o Paquistão, foi afastado, mas voltou ao cargo por decisão da sua própria corte em junho daquele ano.
Em 3 de novembro, contudo, Musharraf declarou estado de emergência e suspendeu a Constituição. Chaudhry determinou que nada disso valia e que os militares deveriam parar de obedecer ao presidente -acabou preso com outros sete membros do órgão. Está sob prisão domiciliar até hoje, assim como vários advogados.
"Foi um estupro", diz o advogado Chaudhry, que não é parente direto do juiz, mas da mesma tribo originária.
Foi o clímax de uma disputa que se arrastava desde que Musharraf suspendeu direitos constitucionais ao tomar o poder, em 1999, e, no ano seguinte, determinou que os juízes obedecessem não à Carta, mas à Ordem Provisória Constitucional -espécie de medida provisória para o Judiciário.
Mohammad Chaudhry estima em 90% dos 100 mil advogados que deixaram de comparecer a cortes distritais, tribunais superiores e à Corte Suprema. Os demais? "Traidores, que estão fazendo bons negócios", diz. "Logicamente tem gente ganhando dinheiro, mas o fato é que aqui em Islamabad temos uns 10 mil processos parando. Na Corte Suprema, são 5.000", diz seu colega Azad. Para defender um caso de homicídio, um criminalista ganha no Paquistão 500 mil rúpias (cerca de R$ 14 mil) em seis meses.
"Agora, estão cobrando mais", diz o "homem de preto" Azad -que não viu os filmes sobre agentes secretos americanos que lidam com alienígenas.
Na mídia, o destaque dado ao movimento é razoável para um país em que 80% das reportagens são sobre violência policial. Os jornais do Punjab, principal Província, de modo geral apóiam o movimento.
Nas ruas, os protestos são pequenos, mas constantes, desde que a polícia reprimiu com violência vários atos dos "homens de preto" desde a prisão de Chaudhry. Na sexta, cerca de 30 ativistas levavam cartazes com fotos de detidos, mas não havia advogados entre eles.
A chamada restauração do Judiciário entrou na campanha parlamentar, e acabou se confundindo com ela. Só a Liga Muçulmana do Paquistão-Nawaz, de oposição, a fez de bandeira. O outro pólo opositor, o Partido do Povo Paquistanês, faz discurso dissimulado.
Mas os advogados trouxeram o caso para si: vão esperar as eleições para, no dia seguinte, fazer uma reunião e decidir o destino do movimento.


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