São Paulo, domingo, 17 de fevereiro de 2008

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"Turma do terninho" surge para salvar candidata de apuros

DO ENVIADO A OHIO

A primeira a chegar é Evonne Perfect. Dona de um site que vende produtos cuja renda vai parcialmente para crianças do Haiti, impossivelmente loira, ela é a típica eleitora de Hillary Clinton: branca, entre 50 e 60 anos, ativa socialmente, com atividade política reduzida, mas que na hora do aperto sai à luta por seu candidato.
E agora é a hora do aperto para sua candidata, que perde terreno para um adversário homem. Nessa tarde fria de quinta, num dos ginásios da Universidade Estadual de Ohio, em Columbus, a capital do Estado, há ela, o repórter e poucas mais. Será uma das paradas da ex-primeira-dama, que passará ainda por Cleveland, na beira do lago Erie, e Lyndhurst, em seu subúrbio, entre outros.
Aos poucos, vai chegando o que a campanha da primeira-dama chama carinhosamente de "turma do terninho" ou "irmandade" -e que os críticos apelidaram maldosamente de "turma da menopausa": mulheres que se vestem como a ex-primeira-dama, com cores escuras, se apresentam pelo primeiro nome e chamam todo mundo de "querido" e "querida". Entram no ginásio e fazem uma roda enquanto esperam.
"O desafio é grande", começa a aposentada Rochelle. "Ele fala muito bem", emenda Debbie 1, que se recupera da quimioterapia. "Mas ela também", diz Debbie 2. "Que destino, justo os dois e justo agora", diz Susan, advogada "com parentes em São Paulo". "É mais que uma eleição, são eles [os homens] de novo contra nós", resume Melissa, cujo caçula acaba de completar um ano e meio.
O sentimento da mãe recente foi traduzido em palavras por duas colunistas recentemente, com grande repercussão. Para Maureen Dowd, a mulher mais lida do "New York Times", "não estamos só na eleição mais vertiginosa de nossas vidas, mas em outro seminário nacional sobre raça e gênero que está nos mostrando quem somos enquanto decidimos o que queremos ser".
Já Elizabeth Wurtzel, autora do best-seller "Prozac Nation", escreveu no "Wall Street Journal" que essas mulheres se identificam com Hillary porque já passaram por isso: ficaram anos dando duro para, quando chega sua vez de pegar o melhor escritório da firma, "entra esse cara, esse Obamarama suingado": "As mulheres, no final, vão dizer não a isso".

Professora
E elas são maioria na tarde dessa quinta, em Columbus, como serão também na noite de sexta numa escola pública num subúrbio de Cleveland. Mas há jovens e homens, na maioria ligados a sindicatos, alguns estudantes da maior universidade do Estado, com 50 mil alunos, e negros, poucos. Um deles é Drew Carter, 24. Democrata, ele pendia para o lado de Barack Obama. Mas aí a campanha de Hillary o contratou para ser DJ -Carter é do grupo FamClick. "Estou quase trocando de lado", diz à Folha.
Enquanto decide, é o responsável por soltar as músicas-tema da pré-candidata: "Every Little Thing She Does is Magic", do Police e "Takin'Care of Business, do canadense Randy Bachman, entre outros hits.
"Estou no ramo das realizações, não dos sonhos", repetirá Hillary nesse e nos próximos comícios, cutucando a "mensagem da esperança" de Obama. O seu não é um espetáculo de som e luzes. Com a platéia variando entre 1.500 e 1.800 mil pessoas e uma hora de atraso, ela sobe ao palco. Está acompanhada do governador Ted Strickland e do astronauta e ex-senador John Glenn.
Onde Obama é messiânico, ela é professoral. Se os comícios do senador parecem concertos de rock cristão, os da ex-primeira-dama têm ares de palestras. A platéia do primeiro grita, chora, tenta chegar mais perto, enquanto o orador fala em "esperança" e "mudança". A da segunda sacode a cabeça em aprovação, a cada fato triste que ela elenca sobre saúde pública e educação.
Hillary usa frases longas e não espera pela reação do público. De vez em quando, lança mão do gesto que seu marido tornou conhecido mundialmente: ao começar a enumerar o que vai fazer, por exemplo, em relação aos financiamentos para estudantes, começa a contar com o dedão da mão esquerda, punho fechado. Mas é na essência uma tecnocrata.
Quarenta longos minutos depois, ela acaba. Os curiosos vão embora, mas a "turma do terninho" fica: não vai sair sem pegar um autógrafo, posar para uma foto, trocar uma palavra. Cercada por sua "Hillaryland" e observada pelos seis armários do serviço secreto que herdou dos oito anos de primeira-dama, ela fica. Quem pega as máquinas das fãs e faz as fotos, sempre, é sua fiel assessora, Huma Abedin.
Morena linda, de trinta e poucos anos, essa filha de indiano e paquistanesa é a assessora de viagens de Hillary. Ex-estagiária da Casa Branca, onde começou em 1996, está na comitiva da senadora há anos, o que dá margem para especulações sobre a verdadeira natureza da relação das duas, especialmente vindas da blogosfera ultraconservadora -e mais raivosa crítica dos Clinton.
Mais meia hora, e Hillary sai. No final, maquiagem dos olhos borrada, Evonne Perfect passa pelo "hall of fame" dos esportistas do ginásio, na entrada. Há fotos de quarenta homens e três mulheres -todas negras. A luta vai ser dura. (SD)


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