São Paulo, domingo, 17 de fevereiro de 2008

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Trégua de milícia sustenta calma no Iraque

Cessar-fogo ordenado por líder do Exército de Mehdi há seis meses contribuiu para queda de 50% em mortes por atentados no país

EUA admitem que melhora "real, embora frágil" se deve em parte à ordem de Sadr, cujos aliados rejeitam diálogo com americanos

PATRICE CLAUDE
DO "MONDE"

Moqtada al Sadr, o irredutível clérigo radical xiita, não gosta que o desobedeçam. No último dia 7, um de seus porta-vozes lembrou àqueles entre seus 60 mil milicianos que ainda ousam desafiar suas ordens: "Sayyed Moqtada e seu conselho declaram que todo ativista culpado de atos violentos, desafiando o cessar-fogo, será excluído do Exército de Mehdi".
Nos últimos meses, a "excomunhão" significou a morte para centenas de milicianos. Centenas de outros que teriam cometido atos criminosos sob o disfarce de pertenceram ao Exército do Mehdi foram detidos pelas forças americanas.
Foi em agosto de 2007, após confrontos sangrentos na cidade santa xiita de Kerbala entre sua milícia e a de seu grande rival xiita, Abdel Aziz al Hakim, que o "sayyed" -título dado pelos xiitas aos descendentes do profeta Mohammed- decretou "a suspensão imediata e durante seis meses de todas as atividades militares" do Exército de Mehdi.
A ordem do "guia" foi obedecida, em grande medida. Uma visita a seu reduto, o bairro de Bagdá conhecido como Sadr City, permite constatar que os milhares de ativistas vestidos de preto que controlavam tudo seis meses atrás desapareceram da paisagem. "Eles ainda estão por aqui", comentou o jovem comerciante Jafar, "mas estão adotando perfil discreto".
Os americanos reconhecem: o "cessar-fogo contribuiu significativamente" para a diminuição em mais de 50% do número de vítimas diárias no Iraque desde meados de 2007, congelando a limpeza étnica que era feita em Bagdá.
Hoje os assassinatos, os seqüestros e os atentados seguem na capital e fora dela, mas em ritmo menor. Nem a maioria xiita, nem a minoria sunita cederam de suas posições antes conquistadas ou perdidas.
A maioria dos bairros, agora homogêneos, foi encerrada atrás de altos muros, e quase não há contato entre eles. Mas, com a suspensão das atividades da milícia, o afluxo de soldados americanos nas ruas e a criação dos chamados "comitês populares", milícias sunitas ditas de "cidadãos vigilantes" pagos e às vezes armados pelos EUA, uma aparência de calmaria surgiu, "real, mesmo que frágil e reversível", de acordo com a embaixada americana.
Se, dentro desse contexto tenso, Moqtada al Sadr decidir pôr fim a seu cessar-fogo, "tudo vai recomeçar", comenta um ministro do governo que diz "não querer jogar óleo sobre o fogo que continua a arder".

Sucessão
Enquanto as diferentes facções políticas seguem tão divididas e hostis quanto antes -o Orçamento de 2008 não foi votado na Assembléia Nacional, e a nova lei da "desbaatização" só o foi porque está formulada de forma vaga-, todos aguardam para ver o que virá a seguir.
O que fará o jovem (34 anos em julho) herdeiro da grande dinastia religiosa dos Sadr?
Em seus gabinetes da Assembléia, dois deputados sadristas moderados, Kussai al Suhail, presidente da comissão parlamentar dos recursos naturais, e Nasser al Rubaie, chefe de seu grupo parlamentar (32 entre o total de 275 parlamentares), acham que Sadr vai prolongar o cessar-fogo, embora isso não seja consenso entre os fiéis.
De Najaf, onde o jovem líder estaria mergulhado em estudos para se tornar-se aiatolá (o que lhe daria o direito de interpretar o Corão), o xeque Abdul Hadi al Karbalaie, em sermão em nome do líder, denunciou "as inúmeras prisões que se multiplicam há seis meses, tendo como alvos os nossos". Teria sido um aviso?
As forças iraquianas e americanas não negam a ampliação das ações contra membros do Exército de Mehdi, mas dão a entender que estas ocorrem com o consentimento discreto de seus chefes, que, dizem, "querem limpar o grupo de criminosos sem lei nem religião".
O general Petraeus, no comando das tropas americanas, afirma que mantém contato com "quadros" do Exército de Mehdi. David Satterfield, responsável pelo Iraque no Departamento de Estado, diz que Sadr "quer abrir um diálogo".
Suhail não crê nisso. "Falar diretamente com o ocupante é uma linha vermelha intransponível", diz o deputado.


Tradução de CLARA ALLAIN


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