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EM BUSCA DO PAPA
Para especialistas, votações, que começam amanhã, poderão durar ao menos três dias; dispositivo bloqueia celulares na Sistina
Conclave é indefinido como o de 1978
Alessandro Bianchi/Reuters
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O cardeal Philippe Barbarin, arcebispo de Lyon, acena para um conhecido ao deixar a última reunião de cardeais antes do conclave |
CLÓVIS ROSSI
IGOR GIELOW
ENVIADOS ESPECIAIS A ROMA
Sábado passado, na primeira
missa fúnebre por João Paulo 2º,
após o seu enterro na véspera, o
cardeal Francesco Marchisano
pediu orações para que o novo
papa fosse feito à imagem e semelhança de seu antecessor.
Foi atendido, pelo menos no
que se refere ao modelo de eleição, a julgar pelo que escreveu ontem o principal vaticanista dos
jornais italianos, Luigi Accattoli
("Corriere della Sera"). Depois de
afirmar que a situação eleitoral é
"incerta", o especialista a compara com a do "pré-conclave que
elegeu Wojtyla, quando, para eliminar a incerteza, foram necessários três dias".
Os cardeais brasileiros, nas conversas que mantêm em Roma,
têm dito exatamente a mesma
coisa: o conclave durará dois ou
três dias. Se durar três dias, mas
nem neste último se decidir o novo papa, haverá um intervalo de
um dia, "para orações".
Na retomada das votações, muda o quorum: em vez dos dois terços exigidos até então (ou 77 dos
115 votos possíveis), passa-se à
maioria absoluta (58, portanto).
É possível, no entanto, que o cenário de incerteza comece a ser
dissolvido a partir de hoje, quando todos os cardeais passarão a ficar na Casa Santa Marta, o hotel
que João Paulo 2º mandou construir justamente para abrigar os
prelados durante o conclave.
Será a primeira vez em que todos estarão juntos e sem a obrigação de discutir assuntos paralelos,
como ocorre nas reuniões da
Congregação Geral, que funciona
como governo do Vaticano na
transição entre a morte de um papa e a escolha do sucessor.
Ontem, Joaquín Navarro-Valls,
o porta-voz do Vaticano, disse
que em nenhum momento das
reuniões diárias foi mencionado
algum nome. Tem razão em parte: nos debates, de fato ninguém
tocou em possíveis sucessores.
Mas, nas conversas paralelas, é
improvável que os cardeais tampouco falassem do assunto que os
trouxe todos a Roma. Como certamente falaram em reuniões fechadas e em pequenos grupos, almoços e jantares.
Mesmo assim, como disse ontem um cardeal à Folha, as reuniões foram úteis para confirmar
o que já se sabe: não há um nome
certo para suceder João Paulo 2º.
O que ocorreu nesta semana foi
uma espécie de tomada de posições a partir de relatos, feitos pelos inscritos para falar, sobre temas que inquietam os católicos
ou relatos de situações de países
-o Brasil foi discutido na quinta
e na sexta-feira.
Na essência, todas as discussões
apontaram para o dilema maior
da igreja de Roma: continuar a
centralização no Vaticano ou dar
mais poder aos bispos em seus
respectivos países.
Agora que os cardeais se trancam no Santa Marta, a partir de
16h e até 19h (11h e 14h em Brasília), será a hora de fazer política de
uma vez, ainda que as regras imponham certas proibições. João
Paulo 2º, na legislação que estabeleceu para o conclave e para sua
fase prévia, não proibiu "troca de
idéias a respeito da eleição", entre
a morte do papa e o conclave.
Mas proibiu "acordos, promessas e outros compromissos de
qualquer gênero" que possam
"obrigar [os cardeais] a dar ou negar o voto a um ou a alguns".
Proíbe igualmente o que, no
mundo leigo, se chama de "é dando que se recebe", ou seja, trocar
votos pela designação de um dado
cardeal para um certo posto na
Cúria, o governo da Santa Sé.
Esses limites não estão sendo
respeitados, a julgar pelas informações disponíveis. Alem disso,
houve o blecaute midiático causado pela orientação dada aos cardeais pelo decano do time, Joseph
Ratzinger -ele próprio o expoente do grupo centralizador.
O novo e o velho
O que, sim, será respeitado é o
ritual bastante antigo da igreja,
bem como os mais modernos ritos da inteligência.
Desde sexta-feira, tanto o Santa
Marta como a capela Sistina estão
sendo submetidos ao mais completo sistema de varredura, ou
"debugging", no jargão dos serviços de inteligência, encomendado
pelo Vaticano para detectar qualquer tipo de bugiganga de gravação das conversas dos cardeais.
O Vaticano deve confiar muito
no seu "debugging", porque sorteou 40 jornalistas para uma visita
à Sistina, marcada para o fim da
tarde de ontem.
Os jornalistas são, pela lógica, os
únicos de fato interessados em saber detalhes das conversas entre
os cardeais, embora os jornais italianos também especulem com o
provável interesse de serviços secretos de outros países.
Outra providência consistiu em
instalar na capela Sistina um dispositivo eletrônico para bloquear
eventuais tentativas de ligações
por meio de telefones celulares.
Navarro-Valls convidou os jornalistas que ontem à tarde visitariam o local para que tentassem
utilizar seus aparelhos. Afirmou
que, com certeza, eles não conseguiriam o sinal necessário para
completar ou receber ligações.
O que ninguém precisa espionar é o ritual de abertura do conclave. Depois de uma missa na basílica de São Pedro, para a qual,
pela primeira vez, foram convidados todos os fiéis, os cardeais se
dirigirão à capela Sistina, invocando o Espírito Santo.
Na tarde da própria segunda-feira, prevê-se a primeira votação,
mas Navarro-Valls já avisou ontem que ela pode não se realizar.
Talvez não dê tempo, levando em
conta o juramento que cada cardeal deverá fazer. Nos outros dias,
serão duas votações pela manhã e
mais duas à tarde.
Nem os mais renomados especialistas em Vaticano se atrevem a
antecipar o nome do cardeal que
sairá dessas votações. De todo
modo, os 115 cardeais-eleitores
têm um único nome mais forte,
mas nem por isso favorito seguro.
É o do alemão Joseph Ratzinger,
responsável pela Congregação pela Doutrina da Fé sob João Paulo
2º e chefe da ala conservadora e
centralizadora da Igreja.
A força de Ratzinger está longe,
no entanto, de significar que sua
eleição seja certa, não apenas por
sua avançada idade (completou
ontem 78 anos). Tanto que um
dos mais badalados vaticanistas
(Marco Politi, autor de uma biografia do papa, e jornalista de "La
Repubblica") terminou seu texto
de ontem sobre a sucessão com
uma frase que faz sentido: "Grande confusão sob o céu."
Na hora em que a "confusão" se
dissolver, pela primeira vez na
história, a escolha do 265º papa
(incluído são Pedro, que teria sido
o primeiro), será saudada com o
som festivo dos seis sinos da basílica, além da tradicional fumaça
branca que sairá da chaminé, já
instalada anteontem no telhado
da capela Sistina.
Há por enquanto pequenas revelações e providências formais.
Ontem o Vaticano anunciou que
o nome do próximo papa permaneceria em segredo até o anúncio
do esperado "habemus papam"
(temos papa, em latim).
O anúncio revela a confiança de
que o nome do pontífice escolhido não transpirará durante os
momentos -em torno de 45 minutos- em que, na capela Sistina, o eleito for objeto de homenagens dos demais cardeais.
Ainda ontem os cardeais reunidos pela última vez em pré-conclave destruíram o anel que trazia
o selo de João Paulo 2º e que era
utilizado como sua assinatura de
documentos oficiais em baixo-relevo em cera.
A partir de hoje turistas e funcionários do Vaticano não-envolvidos na infra-estrutura do conclave não poderão transitar pelos
locais que os cardeais utilizarão
no trajeto de Santa Marta à Sistina. A cúpula da basílica de São Pedro -de onde uma parte do trajeto é visível- também permanecerá fechada às visitações.
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