São Paulo, domingo, 17 de abril de 2005

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EM BUSCA DO PAPA

Para especialistas, votações, que começam amanhã, poderão durar ao menos três dias; dispositivo bloqueia celulares na Sistina

Conclave é indefinido como o de 1978

Alessandro Bianchi/Reuters
O cardeal Philippe Barbarin, arcebispo de Lyon, acena para um conhecido ao deixar a última reunião de cardeais antes do conclave


CLÓVIS ROSSI
IGOR GIELOW
ENVIADOS ESPECIAIS A ROMA

Sábado passado, na primeira missa fúnebre por João Paulo 2º, após o seu enterro na véspera, o cardeal Francesco Marchisano pediu orações para que o novo papa fosse feito à imagem e semelhança de seu antecessor.
Foi atendido, pelo menos no que se refere ao modelo de eleição, a julgar pelo que escreveu ontem o principal vaticanista dos jornais italianos, Luigi Accattoli ("Corriere della Sera"). Depois de afirmar que a situação eleitoral é "incerta", o especialista a compara com a do "pré-conclave que elegeu Wojtyla, quando, para eliminar a incerteza, foram necessários três dias".
Os cardeais brasileiros, nas conversas que mantêm em Roma, têm dito exatamente a mesma coisa: o conclave durará dois ou três dias. Se durar três dias, mas nem neste último se decidir o novo papa, haverá um intervalo de um dia, "para orações".
Na retomada das votações, muda o quorum: em vez dos dois terços exigidos até então (ou 77 dos 115 votos possíveis), passa-se à maioria absoluta (58, portanto).
É possível, no entanto, que o cenário de incerteza comece a ser dissolvido a partir de hoje, quando todos os cardeais passarão a ficar na Casa Santa Marta, o hotel que João Paulo 2º mandou construir justamente para abrigar os prelados durante o conclave.
Será a primeira vez em que todos estarão juntos e sem a obrigação de discutir assuntos paralelos, como ocorre nas reuniões da Congregação Geral, que funciona como governo do Vaticano na transição entre a morte de um papa e a escolha do sucessor.
Ontem, Joaquín Navarro-Valls, o porta-voz do Vaticano, disse que em nenhum momento das reuniões diárias foi mencionado algum nome. Tem razão em parte: nos debates, de fato ninguém tocou em possíveis sucessores. Mas, nas conversas paralelas, é improvável que os cardeais tampouco falassem do assunto que os trouxe todos a Roma. Como certamente falaram em reuniões fechadas e em pequenos grupos, almoços e jantares.
Mesmo assim, como disse ontem um cardeal à Folha, as reuniões foram úteis para confirmar o que já se sabe: não há um nome certo para suceder João Paulo 2º. O que ocorreu nesta semana foi uma espécie de tomada de posições a partir de relatos, feitos pelos inscritos para falar, sobre temas que inquietam os católicos ou relatos de situações de países -o Brasil foi discutido na quinta e na sexta-feira.
Na essência, todas as discussões apontaram para o dilema maior da igreja de Roma: continuar a centralização no Vaticano ou dar mais poder aos bispos em seus respectivos países.
Agora que os cardeais se trancam no Santa Marta, a partir de 16h e até 19h (11h e 14h em Brasília), será a hora de fazer política de uma vez, ainda que as regras imponham certas proibições. João Paulo 2º, na legislação que estabeleceu para o conclave e para sua fase prévia, não proibiu "troca de idéias a respeito da eleição", entre a morte do papa e o conclave.
Mas proibiu "acordos, promessas e outros compromissos de qualquer gênero" que possam "obrigar [os cardeais] a dar ou negar o voto a um ou a alguns". Proíbe igualmente o que, no mundo leigo, se chama de "é dando que se recebe", ou seja, trocar votos pela designação de um dado cardeal para um certo posto na Cúria, o governo da Santa Sé.
Esses limites não estão sendo respeitados, a julgar pelas informações disponíveis. Alem disso, houve o blecaute midiático causado pela orientação dada aos cardeais pelo decano do time, Joseph Ratzinger -ele próprio o expoente do grupo centralizador.

O novo e o velho
O que, sim, será respeitado é o ritual bastante antigo da igreja, bem como os mais modernos ritos da inteligência.
Desde sexta-feira, tanto o Santa Marta como a capela Sistina estão sendo submetidos ao mais completo sistema de varredura, ou "debugging", no jargão dos serviços de inteligência, encomendado pelo Vaticano para detectar qualquer tipo de bugiganga de gravação das conversas dos cardeais.
O Vaticano deve confiar muito no seu "debugging", porque sorteou 40 jornalistas para uma visita à Sistina, marcada para o fim da tarde de ontem.
Os jornalistas são, pela lógica, os únicos de fato interessados em saber detalhes das conversas entre os cardeais, embora os jornais italianos também especulem com o provável interesse de serviços secretos de outros países.
Outra providência consistiu em instalar na capela Sistina um dispositivo eletrônico para bloquear eventuais tentativas de ligações por meio de telefones celulares.
Navarro-Valls convidou os jornalistas que ontem à tarde visitariam o local para que tentassem utilizar seus aparelhos. Afirmou que, com certeza, eles não conseguiriam o sinal necessário para completar ou receber ligações.
O que ninguém precisa espionar é o ritual de abertura do conclave. Depois de uma missa na basílica de São Pedro, para a qual, pela primeira vez, foram convidados todos os fiéis, os cardeais se dirigirão à capela Sistina, invocando o Espírito Santo.
Na tarde da própria segunda-feira, prevê-se a primeira votação, mas Navarro-Valls já avisou ontem que ela pode não se realizar. Talvez não dê tempo, levando em conta o juramento que cada cardeal deverá fazer. Nos outros dias, serão duas votações pela manhã e mais duas à tarde.
Nem os mais renomados especialistas em Vaticano se atrevem a antecipar o nome do cardeal que sairá dessas votações. De todo modo, os 115 cardeais-eleitores têm um único nome mais forte, mas nem por isso favorito seguro. É o do alemão Joseph Ratzinger, responsável pela Congregação pela Doutrina da Fé sob João Paulo 2º e chefe da ala conservadora e centralizadora da Igreja.
A força de Ratzinger está longe, no entanto, de significar que sua eleição seja certa, não apenas por sua avançada idade (completou ontem 78 anos). Tanto que um dos mais badalados vaticanistas (Marco Politi, autor de uma biografia do papa, e jornalista de "La Repubblica") terminou seu texto de ontem sobre a sucessão com uma frase que faz sentido: "Grande confusão sob o céu."
Na hora em que a "confusão" se dissolver, pela primeira vez na história, a escolha do 265º papa (incluído são Pedro, que teria sido o primeiro), será saudada com o som festivo dos seis sinos da basílica, além da tradicional fumaça branca que sairá da chaminé, já instalada anteontem no telhado da capela Sistina.
Há por enquanto pequenas revelações e providências formais. Ontem o Vaticano anunciou que o nome do próximo papa permaneceria em segredo até o anúncio do esperado "habemus papam" (temos papa, em latim).
O anúncio revela a confiança de que o nome do pontífice escolhido não transpirará durante os momentos -em torno de 45 minutos- em que, na capela Sistina, o eleito for objeto de homenagens dos demais cardeais.
Ainda ontem os cardeais reunidos pela última vez em pré-conclave destruíram o anel que trazia o selo de João Paulo 2º e que era utilizado como sua assinatura de documentos oficiais em baixo-relevo em cera.
A partir de hoje turistas e funcionários do Vaticano não-envolvidos na infra-estrutura do conclave não poderão transitar pelos locais que os cardeais utilizarão no trajeto de Santa Marta à Sistina. A cúpula da basílica de São Pedro -de onde uma parte do trajeto é visível- também permanecerá fechada às visitações.

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