São Paulo, terça-feira, 17 de abril de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Conflito sectário desaloja 700 mil no Iraque

Desse contingente, 70% são mulheres e crianças, diz ONU; fluxo agrava violência sexual, consumo de drogas e trabalho infantil

Conferência do Acnur busca solução; com 26 milhões de habitantes, Iraque tem 2 milhões de refugiados fora do país e 1,9 milhão dentro

LUCIANA COELHO
EDITORA-ADJUNTA DE MUNDO

FLÁVIA MARREIRO
DA REDAÇÃO

Uma multidão de 700 mil famintos, desabrigados e excluídos da economia e do sistema de saúde se soma aos mortos e feridos de 13 meses de conflito sectário no Iraque, 70% dos quais são mulheres e crianças, apontam dados da ONU.
Segundo o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur), é esse o contingente de iraquianos que se viram obrigados a se deslocar para outras áreas dentro do próprio país desde a explosão de uma mesquita xiita em Samarra em fevereiro de 2006, quando a violência entre os diferentes grupos étnicos e religiosos do país fugiu de controle.
Um relatório do órgão ao qual a Folha teve acesso mostra que, em um país com a infra-estrutura em frangalhos após quatro anos de ocupação americana, tal movimento populacional só fez agravar problemas como distribuição de alimentos, água potável e remédios; piorou as condições de saúde e habitação e dificultou a atividade econômica.
As conclusões do documento, que serão apresentadas hoje e amanhã em uma conferência em Genebra, apontam ainda conseqüências menos óbvias desse fluxo migratório interno, como um salto nos casos de violência sexual e de abuso infantil, citados pelo Acnur como "preocupação prioritária".
O objetivo da conferência é chamar a atenção para um problema que tende a sumir do noticiário em meio a notícias diárias de atentados. "A conferência vai ser importante porque ninguém quis mexer nisso até agora", disse à Folha Philippe Lavanchy, Diretor do Departamento das Américas do Acnur. "Nesse sentido, o alto comissariado tem de assumir suas responsabilidades."
Os 700 mil deslocados internos do último ano se somam a 1,2 milhão de pessoas que já se encontravam na mesma situação antes dos atentados de Samarra -fosse por conseqüência da guerra ou da repressão empreendida por Saddam Hussein (1979-2003).
O Acnur também estima que existam 2 milhões de refugiados iraquianos fora do país, de uma população de 26 milhões. A maior parte deles se concentra nos vizinhos Síria e Jordânia, mas os números também têm aumentado em países europeus, nos EUA e mesmo no Brasil, onde somam quase 130. Na União Européia, a nacionalidade já atingiu o topo da lista de pedidos de refúgio.
O representante do Acnur, no entanto, ressalta que muitos países têm dificultado a entrada de iraquianos. "A Europa está tomando medidas restritivas e faz interpretações das Convenções de Genebra às quais não sei como chegam. Estão fazendo tudo para evitar que as pessoas cheguem à Europa."
Para Lavanchy, é incorreto comparar a situação atual com a do Iraque sob Saddam. "[Uma resposta sobre isso] seria política. Temos de olhar o quadro de hoje: temos um conflito sério, um conflito com presença estrangeira. É muito difícil definir todos os grupos presentes nesse conflito."

Mulheres e crianças
Entre os problemas mais graves, o Acnur lista o aumento do consumo de drogas por crianças e adolescentes, da prostituição (inclusive a infantil), do trabalho infantil e do abandono de escolas. "Meninas são forçadas a se casar mais cedo por causa da falta de segurança, das dificuldades econômicas e do conservadorismo cultural", aponta o documento. "Pais impedem os filhos de irem à escola devido à insegurança ou à situação econômica."
Divórcios, abandono de mulheres e violência doméstica também registraram aumento. "Por causa das diferenças religiosas, algumas mulheres em casamentos mistos relatam que seus maridos as ameaçaram de morte a menos que elas se divorciassem", diz o Acnur.
Os xiitas são 60% dos iraquianos e, com eleições diretas, passaram a dominar a política do país após duas décadas e meia de repressão pelo ditador, um sunita. Já os sunitas, privilegiados por Saddam, são cerca de 30% e passaram a engrossar a insurgência após sua queda.


Texto Anterior: Rússia: Kasparov é investigado por "incitação ao extremismo"
Próximo Texto: Príncipe da Jordânia vê crise afetar seu país
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.