São Paulo, segunda-feira, 17 de maio de 2004

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EUA são fonte de instabilidade, afirma líder sírio

JESÚS CEBERIO
e ÁNGELES ESPINOSA
DO ""EL PAÍS", EM DAMASCO

Iraque a leste e Israel a oeste. O país que Bashar el Assad herdou há quatro anos de seu pai, Hafez el Assad, fica numa encruzilhada geoestratégica que converte seu governo em um exercício de malabarismo político. ""Ensina muito", admite o presidente sírio, sem minimizar as dificuldades.
""Nossa posição se mantém invariável contra o terrorismo", diz Assad. Na semana passada, Washington impôs sanções econômicas à Síria, sob o argumento de que o país apoiaria o terrorismo. ""Pela primeira vez", diz Assad, ""os Estados Unidos se transformaram em fonte de instabilidade, não de estabilidade."

 

Pergunta - Como estão as relações da Síria com os EUA?
Assad -
Há várias correntes na administração americana. Uma delas quer cooperar com a Síria por meio do diálogo e da reciprocidade. Outra não quer esse contato, busca as pressões e, quem sabe, a guerra. Por outro lado, existe um diálogo entre instituições sírias e americanas, sobretudo na questão da luta contra o terrorismo. É uma relação flutuante.

Pergunta - Como a ocupação do Iraque afeta os países vizinhos e em particular a Síria?
Assad -
Em primeiro lugar, moralmente. Todos nós nos opomos à ocupação. Em segundo, nós enxergávamos os EUA como um país que favorecia a estabilidade, apesar de nossas divergências sobre determinados problemas. Pela primeira vez, os Estados Unidos se converteram em fonte de instabilidade, não de estabilidade. Também há o aspecto econômico. Investidores fogem das guerras e de situações instáveis. Agora vamos assistir aos efeitos sobre a segurança. No Iraque, há caos e descontrole e há contrabando de armas em direção à Síria.

Pergunta - O sr. acredita que no fim desse processo o Iraque salvará sua integridade territorial?
Assad -
Essa é a prioridade para o Iraque, a Síria e, acredito, para os outros países do mundo, porque se não se respeitar a integridade territorial do Iraque, isso criará um precedente que se converterá em elo numa longa cadeia que pode chegar até a Ásia Central e se estender à Europa e ao resto do mundo.

Pergunta - O que o sr. acha do plano dos EUA para a democratização dos regimes árabes?
Assad -
Essa democracia seria ao estilo de Abu Ghraib, e, conseqüentemente, todos nossos territórios se converteriam em grandes prisões? Esses países que propõem a democratização e as reformas não tiveram problemas, em sua história recente, para apoiar ditaduras, quando isso lhes interessava. Trata-se de uma democracia que passa por cima de nossos problemas na Palestina e em Golã [território sírio ocupado por Israel]? Essa democracia consiste em manter parte de nosso território sob ocupação?

Pergunta - Existe um problema de democracia nos países árabes?
Assad -
Sim. Os países ocidentais apoiaram ditaduras e intervieram para lhes conferir legitimidade. Não se pode separar o problema da ocupação por Israel nem o do desenvolvimento regional.

Pergunta - O sr. nos disse que sua prioridade eram as reformas econômicas. Elas não estão avançando muito lentamente?
Assad -
Não só estão avançando lentamente como, às vezes, andam em marcha a ré. Mas nossos problemas cotidianos relegam essas reformas ao segundo plano. A prioridade é a segurança.

Pergunta - O que fazer diante da globalização do terrorismo?
Assad -
É preciso tratar suas causas, especialmente no Iraque e na Palestina. É um tratamento complicado que abrange todos os métodos, o último dos quais é o uso da força, e não precisamente da força militar. O terrorismo não é um exército que se possa combater com mísseis e aviação.

Pergunta - Sob que condições o sr. aceitaria negociar com Israel?
Assad-
A Síria não postula condições, mas com Israel não se trata de diálogo, e sim de negociações, e estas têm uma estrutura e um objetivo claro: a paz. Os parâmetros consistem nas resoluções do Conselho de Segurança e os auspícios dos Estados Unidos em primeiro lugar. O processo de paz em Madri, em 1991, deslanchou assim. Se não for assim, sobre o que vamos negociar?


Tradução de Clara Allain


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