São Paulo, sexta-feira, 17 de junho de 2005

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Eleitor de Khatami reclama de timidez nas reformas

DA REDAÇÃO

O ainda presidente do Irã, Mohammad Khatami, deixará um legado de certo relaxamento das restrições às liberdades civis e de alguma abertura da sociedade iraniana ao mundo, embora parte significativa da população, sobretudo entre os jovens, considere os avanços insuficientes e esteja decepcionada com seus dois mandatos como chefe de governo.
Khatami faz parte do grupo dos chamados "reformistas moderados", cuja principal estratégia é buscar uma gradual abertura política por meio de negociações com o establishment religioso e linha-dura -comandado pelo aiatolá Ali Khamenei, o líder supremo do Irã e seu chefe de Estado.
Sua opção por uma solução negociada para os problemas sociopolíticos iranianos afastou o presidente de sua base de apoio, constituída principalmente por jovens que desejam mais liberdades. Por volta de 65% da população do país tem menos de 30 anos.
Para os milhões de iranianos que comemoraram nas ruas suas vitórias, em 1997 e em 2001, e a conquista da maioria no Majlis (Parlamento) pelos reformistas, em 2000, a retórica conciliadora de Khatami não é mais suficiente, pois faltam mudanças concretas. Prova disso foi a volta de uma maioria conservadora ao Legislativo, em 2004, por conta da apatia do eleitorado reformista.
O Irã vive, na prática, uma crise institucional desde que Khatami foi eleito presidente pela primeira vez, segundo analistas consultados pela Folha. Afinal, de acordo com a iraniana Shireen Hunter, do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais, dos EUA, "a linha dura bloqueia as iniciativas do presidente desde então e bloqueou as do Majlis liderado pelos reformistas de 2000 a 2004".
As sucessivas crises políticas que marcaram os últimos oito anos puseram Khatami numa situação delicada, pois boa parte de sua base de apoio popular não mais crê que ele tenha coragem para enfrentar os conservadores.
"O presidente perdeu credibilidade aos olhos da população. Muita gente já diz que tudo o que ele queria era permanecer no poder. Ele não tinha muita margem de manobra, contudo poderia ter impedido a realização da eleição legislativa de 2004, o que teria gerado uma crise constitucional. Mas preferiu só criticar a linha dura e autorizar seu partido a participar do pleito", apontou Olivier Roy, diretor do Laboratório Mundo Iraniano do Centro Nacional de Pesquisa Científica, da França.
"Não se pode afirmar que ele não tenha feito nada. Porém seu histórico poderia ser mais rico em conquistas ou em negociações com os clérigos", avaliou Hunter.
Em tese, ante a inflexibilidade do establishment religioso, os reformistas poderiam exortar a população a sublevar-se contra o regime islâmico. Como ressaltou Roy, entretanto, "os reformistas iranianos não são revolucionários". E, se os chamados "conservadores pragmáticos" inserirem certas reformas liberalizantes na pauta do Legislativo, o eleitorado poderá aceitar uma mudança gradual do sistema político.

Categorias de conservadores
Para Roy, há duas categorias de conservadores: "Os dogmáticos, como Khamenei, que não suportam a oposição por princípio, e os pragmáticos, como o ex-presidente Hashemi Rafsanjani [favorito para vencer o pleito presidencial, segundo consultas populares], que crêem que a reforma do regime seja necessária, mas querem introduzi-la à sua maneira".
Assim, embora imagens da cantora americana Britney Spears ou do futebolista britânico David Beckham sejam hoje comuns nas grandes cidades iranianas graças a seus oito anos no poder, Khatami deverá, segundo analistas, entrar para a história como um político que perdeu a chance de introduzir mudanças concretas no Irã.
Ou, então, quem tem razão é Saeid Zahed, professor da Universidade de Shiraz (Irã), para quem Khatami nunca foi um verdadeiro reformista. "Não creio que ele faça parte dos "radicais da segunda corrente política'", disse. Só o tempo e a historiografia revelarão a verdade no futuro. (MSM)


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