São Paulo, domingo, 17 de junho de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Liberal, capital mexicana vive dias de Amsterdã

Esquerda tem maioria na Assembléia local e aproveita pauta de costumes para se diferenciar do presidente conservador Felipe Calderón

Legisladores descriminalizam aborto e agora querem regulamentar prostituição

Dario Lopez-Mills 4.mai.2007/Associated Press
Manifestantes do movimento "400 Pueblos", de luta pelos direitos dos camponeses, marcham nus na Cidade do México


RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL

A Cidade do México vive seus dias de Amsterdã, a capital holandesa famosa pela liberalidade dos costumes. No mês passado, os hospitais públicos começaram a realizar abortos gratuitamente, sem exigir justificativa, algo que na América Latina só se fazia em Cuba.
Desde março a capital mexicana permite a casais gays ter registro civil como "sociedades de convivência". Nas próximas semanas, a Assembléia Legislativa do Distrito Federal mexicano deve aprovar a Lei do Serviço Sexual, que regulamenta a prostituição. A eutanásia, a clonagem terapêutica e a pesquisa com células-tronco também estão na pauta dos legisladores.
Apesar de críticas vindas do Vaticano e até uma ameaça de excomungar os deputados locais, um protesto contra a lei do aborto não chegou a reunir mil pessoas em frente à Basílica de Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira do país.

Esquerda se arrisca
No primeiro mês de vigência da lei, 300 abortos foram realizados nos hospitais municipais da capital -10% das mulheres eram menores de idade. Há 700 mulheres inscritas. O aborto é permitido até a 12ª semana de gravidez. A cidade já realizou 90 uniões homossexuais. Há 1.000 inscritas para futuro registro. Desde abril, presos gays da capital têm direito a receber "visitas íntimas".
Está em debate a chamada Lei de Proteção do Serviço Sexual. O projeto fala que é obrigação do Estado proteger os trabalhadores do sexo, impedindo "detenções e extorsões arbitrárias" sofridas pelas prostitutas, e incluí-las em programas de habitação e saúde.
"O que acontece agora é que muitas mulheres de outros Estados vêm à capital para praticar o aborto com segurança", diz a antropóloga Marta Lamas, professora do Instituto Tecnológico Autônomo do México.
Lamas acha que não se aprovou essa lei no passado porque o ex-prefeito Andrés Manuel López Obrador, candidato presidencial derrotado em 2006, é "puritano" e não queria brigar com a Igreja Católica.
"A esquerda sacrificou a agenda progressista porque López Obrador, então prefeito, era candidato a presidente e não queria desagradar a igreja", diz Jenaro Villamil, colunista da revista "Proceso". "Sem campanha presidencial tão cedo e até para marcar diferença com o governo nacional, os deputados de esquerda decidiram se arriscar mais", diz.
A Cidade do México é governada há dez anos pela esquerda. O atual prefeito, Marcelo Ebrard, eleito em 2006 e promotor da maior parte dessas leis polêmicas, tem maioria na Assembléia. Tanto seu partido, o PRD (Partido da Revolução Democrática), quanto o Partido Revolucionário Institucional (PRI) têm votado a favor das inovações.
O único dos três grandes partidos mexicanos a se opor às leis é o conservador Partido da Ação Nacional (PAN), do presidente Felipe Calderón.
Celebridades e grupos católicos entraram na briga. A organização católica União Nacional de Pais de Família chamou as novas leis de "aberrantes" e o ator Roberto Gómez Bolaños, que encarnou personagens populares como "Chaves" e "Chapolim", fez campanha na tevê contra a lei do aborto.
Já os atores Gael García Bernal ("Diários de Motocicleta") e Diego Luna ("E sua Mãe Também") e o cineasta Alfonso Cuarón se manifestaram a favor das uniões civis gays.
As novas leis chegam em um momento de fragilidade da Igreja Católica mexicana. O cardeal Norberto Rivera, arcebispo da capital, é acusado de proteger e esconder um padre procurado nos EUA por 26 casos de pedofilia. Seu porta-voz admite que ele deve comparecer a um tribunal de Los Angeles que julga o caso.
Já Marcial Maciel, fundador da congregação católica ultraconservadora Legionários de Cristo, muito influente na elite mexicana, foi proibido pelo papa Bento 16 de rezar missas, depois de inúmeras denúncias de assédio sexual a seminaristas.
Pesquisa do instituto BGC-Beltrán diz que 35% dos mexicanos apóiam a legalização do aborto, enquanto na capital esse apoio sobe a 60%.

Nus no Zócalo
Em maio, a Cidade do México bateu o recorde mundial de pessoas nuas em espaço público, posando para o fotógrafo americano Spencer Tunick. Quase 20 mil pessoas tiraram a roupa no Zócalo, a maior praça do país, diante da catedral. Mais uma prova da desinibição dos moradores da capital.
"A capital é um bastião liberal em um país ainda conservador", diz Marta Lamas. "Estamos recuperando o status que tínhamos nos anos 30, 40 e 50, de cidade que era asilo político e cultural no mundo."
Nessas décadas, a cidade foi refúgio do comunista Trotsky e de artistas como Eisenstein, Buñuel, William Burroughs e vários astros de Hollywood.
Muitos deles ficaram amigos do casal mais popular e menos convencional da capital, os pintores Diego Rivera e Frida Kahlo. Coincidência ou não, a maior exposição já realizada da bissexual Frida Kahlo foi aberta na quarta-feira no Palácio de Belas Artes do México. Se viva, Frida faria 100 anos.


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Com Frida e Rivera, Capital virou asilo cultural
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.