São Paulo, terça-feira, 17 de agosto de 2004

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VENEZUELA

Após a confirmação do triunfo, contestado pela oposição, presidente diz que "a Venezuela mudou para sempre"

Vitorioso, Chávez festeja e ironiza oposição

France Presse
Supostos simpatizantes do presidente Chávez atiram em manifestantes da oposição em Caracas


FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A CARACAS

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, venceu o plebiscito de anteontem, convocado pela oposição para abreviar seu mandato.
Os oposicionistas passaram o dia acusando Chávez de ter fraudado o resultado. Mas o Centro Carter e a Organização dos Estados Americanos (OEA), que atuaram como observadores internacionais do plebiscito, ratificaram a vitória.
No final do dia, a oposição começou a admitir a possibilidade de derrota. "Se contarem os papéis e o resultado for "não", respeitaremos o resultado", disse o deputado Julio Borges, um dos principais líderes da oposição.
Em Caracas, um protesto convocado pela oposição terminou com ao menos quatro feridos a tiros, num sintoma da polarização que tomou conta do país durante o processo.
"A Venezuela mudou para sempre. Não há volta", discursou Chávez de madrugada no balcão do palácio Miraflores, diante de milhares de apoiadores. "A Quarta República morreu", disse, em alusão ao período que vai de 1958 até sua eleição, em 1998, e aos partidos da oposição. "Iniciamos uma nova fase para aprofundar esse projeto [bolivariano]."
A vitória de Chávez foi anunciada às 3h47 de ontem pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), após o exaustivo processo de votação, que fez eleitores ficarem até nove horas na fila. Chávez recebeu 58,25% dos votos, contra 41,74% a favor de sua saída, apurados 94,49% dos votos válidos.
A comunicação foi feita apenas por três dos cinco reitores (juízes) do CNE, considerados chavistas. Pouco antes, os dois reitores "oposicionistas" fizeram uma declaração à imprensa em que disseram que não reconheceriam o boletim preliminar porque não havia comparação entre as atas de votação e os dados totalizados.
Após o anúncio, a oposição também recusou o resultado. De manhã, a expectativa ficou por conta da avaliação dos observadores, que finalmente se declararam a favor dos resultados após se reunirem com a oposição.
"Todos os venezuelanos deveriam aceitar os resultados do CNE, a não ser que haja evidências terríveis às quais não tivemos acesso até agora", disse o ex-presidente americano Jimmy Carter, ao lado do secretário-geral da OEA, César Gaviria.
"A votação superou os 10 milhões de eleitores, e há uma clara diferença a favor do presidente Chávez", disse Carter. A Venezuela tem 14 milhões de eleitores.
Carter disse que os observadores haviam se reunido com a oposição por mais duas horas, mas que não foram apresentadas provas de uma "megafraude".
O principal argumento da oposição são os números levantados por uma pesquisa por amostragem, feita pela organização Sumate, em que eles teriam conseguido mais votos.
O Centro Carter e a OEA, no entanto, afirmaram que os dados do CNE coincidem com as projeções feitas por eles.
Mesmo depois das declarações dos observadores internacionais, a oposição continuou insistindo em que houve fraude. Voltou a mostrar números de sua apuração paralela, na qual teria conseguido 59,4% dos votos.
"Temos sérias dúvidas de que os dados de ontem reflitam a vontade cidadã", disse Maria Corina Machado, porta-voz da Sumate.
Apesar dos protestos, recentes pesquisas de opinião -algumas patrocinadas pelos oposicionistas- já indicavam a vitória de Chávez, que enfrentou anteontem seu terceiro grande teste eleitoral. Eleito em 1998, foi reeleito em 2000 sob as regras da então recém-aprovada nova Constituição, que garante a reeleição.
Com o mandato agora garantido até janeiro de 2007, Chávez afirma que tentará se reeleger em 2006 para mais seis anos.
Chávez ironizou a oposição. "Os opositores tiveram a manhã para recobrar a razão e se reunir com os observadores, mas lamentavelmente não o fizeram."
"Uma vez mais, parece que não querem aprender. Meu chamado [ao diálogo] é sincero, não tem nada de cinismo. Desde criança, aprendi a perder com dignidade."
O presidente venezuelano pediu a renúncia dos dois reitores que se recusaram a aceitar o resultado.
A oposição promoveu pequenas manifestações diante do hotel onde está sediado o Centro Carter e, mais tarde, no bairro Altamira, seu tradicional reduto. Nesse protesto, houve os disparos supostamente dirigidos aos manifestantes no qual quatro ficaram feridas.
A reportagem da Folha esteve ontem à noite na praça Altamira, onde a situação seguia tensa. Os manifestantes oposicionistas atacaram com pedras e garrafas um carro com um grande cartaz da propaganda chavista.
Dois minutos depois, um grupo dos temidos motoqueiros chavistas chegaram à praça e começaram a provocar os manifestantes.
As dezenas de policiais no local nada fizeram para coibir a violência. Por medida de precaução, a estação de metrô próxima ao local estava fechada.

Mais eleições
Enquanto os oposicionistas contestavam o resultado, os chavistas aproveitaram a vitória anunciada ontem para dar largada às eleições para governador e prefeito, já no final de setembro.
"As patrulhas [eleitorais] continuam", anunciou Chávez, ainda no seu discurso da madrugada, em referência aos seus comitês eleitorais durante o plebiscito.
A rede de televisão pública VTV colocou candidatos a prefeito e a governador oficialistas para comentar a vitória de Chávez.
Já os canais privados, opositores ao governo, repetiram à exaustão as imagens do confronto em Altamira e não transmitiram o discurso da vitória de Chávez.


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