São Paulo, quarta-feira, 17 de setembro de 2008

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Morales e opositores assinam acordo

Governo cede e promete negociar reivindicações de governadores, que abrem mão de pedir libertação de aliado preso ontem

Documento promete adiar referendo sobre nova Carta e reconhecer autonomia das regiões; oposição ameaçava deixar diálogo após prisão

FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A LA PAZ

O governo do presidente esquerdista Evo Morales e os cinco governadores da oposição de direita anunciaram ontem à noite a assinatura de um pré-acordo que pode abrir caminho para o fim negociado de um embate que se arrasta desde que Morales e os líderes regionais foram eleitos, em 2005.
A crise chegou ao ápice nas últimas três semanas, quando bloqueios e ocupações promovidos pelos oposicionistas causaram ao menos 15 mortes e perdas milionárias à Bolívia.
Com a presença do cardeal Julio Terrazas, o governador de Tarija, Mario Cossío, representante do Conalde (Conselho Nacional Democrático, que reúne os cinco governadores), informou que três mesas de diálogo serão formadas na quinta-feira, no departamento central de Cochabamba.
O encontro, reza o documento, contará com a presença de "facilitadores" e "testemunhas". A Unasul (União de Nações Sul-Americanas), a Igreja Católica, a União Européia e a ONU são citadas. Na véspera, a Unasul decidira formar uma comissão para apoiar o diálogo.

O documento
A base das negociações na Bolívia será o documento negociado por Cossío e o vice-presidente, Álvaro García Linera, em três longas reuniões realizadas desde sábado.
Nele, o governo Morales cede a vários pontos das reivindicações dos dirigentes dos departamentos de Santa Cruz, o mais rico do país e bastião opositor, Tarija, o pólo gasífero, e dos mais pobres Pando e Beni, além do neoopositor Chuquisaca.
São eles: 1) o governo aceitou devolver às regiões a parcela do IDH (imposto sobre o gás) que havia redirecionado para pagar pensão a idosos, e compromete-se a não mexer nas porcentagens de royalties das regiões; 2) reconhece as autonomias administrativas de Santa Cruz, Pando, Beni e Tarija.
Em troca, a oposição se compromete a desocupar todos os prédios públicos ocupados nas últimas três semanas e aceita ter como base da discussão o texto constitucional aprovado por constituintes governistas no final de 2007, que contém temas delicados como reforma agrária e autonomia indígena.
La Paz aceitou, porém, suspender por um mês, prorrogável, a convocação dos referendos para promulgar a nova Carta, inicialmente marcados para dezembro, e tirar do ar as propagandas para promovê-la.

Dia tenso
O desenlace positivo veio ao fim de um dia de tensão, que começou quando a oposição suspendeu as negociações em solidariedade ao governador de Pando, Leopoldo Fernández, detido por desacato ao estado de sítio em seu departamento.
Pando, no norte boliviano, foi posto sob estado de sítio na sexta-feira, um dia depois do massacre de 15 camponeses partidários de Morales. O governo acusa Fernández de envolvimento no episódio.
Antes do anúncio do acordo, o governador tarijenho chegara a declarar o diálogo "agonizante, mas não morto". O vice García Linera convocou então entrevista para rebater os oposicionistas. Acusou-os de usar a prisão do governador pandino como pretexto para não assinar um documento já pronto.
"Massacre, mortes, não não negociados politicamente, são punidos", disse Linera.
A decisão dependia, então, do tamanho do compromisso dos oposicionistas com Fernández. Segundo o senador por Tarija Roberto Ruiz, do Podemos (direita), que participou das reuniões do diálogo, o veredicto veio depois que os governadores falaram com o detido.
"Avaliamos que era melhor ele se defender num contexto de diálogo, com a presença dos países amigos, do que num clima de nova confrontação", disse à Folha. Mais cedo, a expectativa do Conalde era a de que o anúncio da Unasul, um dia antes, de que formaria uma comissão para investigar o massacre em Pando congelaria a prisão de Fernández.
Cossío pediu ainda publicamente o fim dos bloqueios rodoviários na zona gasífera do Chaco, grande parte dela em Tarija, os únicos mantidos pelos oposicionistas ontem, após 23 dias. Os líderes dos protestos da região de Villamontes e Yacuíba, cidades próximas aos megacampos de gás operados pela Petrobras no Chaco, atenderam o apelo do governador.
Antes do acordo, os movimentos sociais que apóiam o governo ameaçavam radicalizar o cerco e bloqueios contra a cidade de Santa Cruz. À noite, prometeram suspendê-los.


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