São Paulo, sábado, 17 de outubro de 2009

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CLÓVIS ROSSI

O Brasil no vestibular para a ONU


A visita do presidente do Irã será teste para pretensões do país de ter vaga permanente no Conselho de Segurança


O PRESIDENTE Luiz Inácio Lula da Silva receberá seu colega iraniano Mahmoud Ahmadinejad [no dia 23 de novembro] como membro [eleito] do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
A frase sai quase distraídamente da boca de 1 dos 2 diplomatas norte-americanos que conversaram ontem com a Folha e o portal Terra, com a condição de que os nomes não fossem citados.
O que quer dizer a frase, que de distraída não tem nada?
Quer dizer que a diplomacia americana gostaria que Lula, ao receber o presidente iraniano, transmitisse o que é virtualmente consensual no Conselho de Segurança (entre os membros permanentes, que são apenas cinco, EUA, Rússia, China, França e Reino Unido): que o programa nuclear iraniano tem que ser apenas para fins pacíficos e o Irã tem que submeter-se às inspeções internacionais, para que haja segurança de que não está preparando a bomba atômica.
Antes da frase nada distraída, o diplomata havia observado que a entrada do Brasil para um turno de dois anos no Conselho de Segurança, o coração do sistema Nações Unidas, é uma "oportunidade de ouro" para que o país prove de fato sua nova condição de ator global.
Ou, em interpretação livre, será uma espécie de vestibular para que o Brasil demonstre ser gente grande o suficiente para fazer parte, permanentemente, do CS. Detalhe relevante: o diplomata acha que agora há reais possibilidades de uma reforma das Nações Unidas de maneira a redefinir o jogo de poder na instituição, hoje demasiadamente desequilibrado em favor dos cinco grandes com poder de veto.
Se o vestibular constasse só do quesito formulado pelos EUA, o Brasil passaria com louvor, a julgar pelo que o presidente Lula tem dito e repetido.
Lula cobrou de Ahmadinejad, no encontro do mês passado, à margem da Assembleia Geral da ONU, que faça como o Brasil, cujo programa nuclear até por imposição constitucional é para fins pacíficos. Cobrou também que se submeta às inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica.
Mas há, sempre no quesito Irã, temas que parte da comunidade internacional gostaria de ver tratados de uma maneira mais incisiva no encontro Lula/Ahmadinejad. A comunidade judaica no Brasil está se mobilizando para protestar contra a visita de um homem que nega repetidas vezes o Holocausto, o que incomoda não só os judeus.
Não parece aceitável que Lula cobre privadamente de Ahmadinejad, como diz ter feito em Nova York, mas diga publicamente que a negação do Holocausto é um problema do presidente iraniano.
Para fechar esse capítulo, há ainda as denúncias de torturas praticadas em manifestantes contra o que consideram fraude na reeleição de Ahmadinejad. Ontem, o jornal espanhol "El País" publicou chocante depoimento de Ibrahim Sharifi, que diz ter sido violado após inúmeras sessões de tortura.
Violação é um crime nefando em qualquer situação mas na cultura muçulmana é particularmente humilhante.
Tudo somado, a frase do diplomata norte-americano perde qualquer hipótese de ter sido deixada cair ao acaso.


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