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Camponês é acionista em vila chinesa
Huaxi, a mais rica comunidade rural da China, fatura US$ 5 bilhões ao ano com fábricas em regime de cooperativa
Secretário-geral do PC local diz que região avançou porque não seguiu a Revolução Cultural nem formou comunas maoístas
CLÁUDIA TREVISAN
EM HUAXI
Sun Haiyen faz parte da legião de 700 milhões de chineses que as estatísticas oficiais
classificam como camponeses,
mas vive em uma casa de estilo
europeu de 600 metros quadrados equipada com enormes
televisões de tela plana nos
quartos, três banheiras de hidromassagem e decoração que
abusa de dourados e brocados.
Há 15 anos, Sun trocou sua
cidade natal por Huaxi, a mais
rica vila rural da China, que o
governo elegeu como modelo a
ser seguido no restante do país.
Hoje, ele integra a elite de
1.500 moradores que vivem em
bairros inspirados nos subúrbios norte-americanos e que
possuem renda per capita de
US$ 10 mil, quase seis vezes a
média da China.
Apesar de ser chamada de
"vila rural", Huaxi deve sua riqueza a um conglomerado de
60 fábricas, criadas principalmente nas duas últimas décadas. Reunidas em um parque
industrial, elas dão à paisagem
local um tom que em nada lembra a bucólica vida no campo.
As fábricas empregam 25 mil
pessoas e, segundo os dirigentes locais, faturaram no ano
passado US$ 5 bilhões.
A vila é a mais rica da China,
mas não é a única na qual proliferam as fábricas. Há milhares
de outras como Huaxi e, juntas,
elas respondem por uma parcela expressiva da produção industrial, das exportações e do
emprego no país.
Chamadas de Empresas de
Cantão e de Povoado (TVEs, na
sigla em inglês), essas fábricas
não são nem estatais nem privadas e têm um sistema de propriedade que lembra o das cooperativas -em Huaxi, os camponeses são acionistas das
companhias e recebem dividendos anuais.
Em 2004, as TVEs empregavam 133 milhões de pessoas, o
equivalente a 18% da força de
trabalho da época.
Como as outras vilas que se
dedicam à produção industrial,
Huaxi se desenvolveu de maneira mais acelerada depois do
início do processo de reforma e
abertura, no fim dos anos 70.
Localizada a cerca de 200 quilômetros de Xangai, a vila se dedica à fabricação de papel, tecidos sintéticos, metalurgia e siderurgia -a produção de aço é
de 900 mil toneladas/ano.
Todos os moradores de Huaxi trabalham nas empresas,
mas a maior parte da mão-de-obra é composta por migrantes
rurais, que moram em alojamentos e ganham pouco mais
de US$ 100 por mês.
Em seu processo de expansão, Huaxi absorveu outras 20
vilas rurais e hoje tem uma população de 50 mil pessoas, a
maioria das quais com um padrão de vida bastante inferior
ao dos 1.500 morados da chamada "pequena Huaxi".
O cacique político local é Wu
Rengbao, 80, venerado como
herói e apontado como responsável pela prosperidade dos
camponeses. Secretário-geral
do Partido Comunista em Huaxi desde os anos 50, há quatro
anos ele transferiu o posto ao
filho mais novo, Wu Xieen.
O culto à personalidade de
Wu Rengbao é evidente. Fotos
de diferentes fases de sua vida
ilustram as paredes do museu
que conta a trajetória de Huaxi
-o turismo é outra fonte de
renda da vila, que recebe 2 milhões de visitantes por ano (ver
texto na página ao lado). Todos
se referem a ele com reverência
e suas atividades oficiais são registradas pelo departamento de
propaganda de Huaxi.
Salto hetedoxo
"O nosso maior desejo é o povo enriquecer e levar uma vida
cada vez melhor", disse Wu
Rengbao à Folha. Segundo ele,
Huaxi prosperou por ter evitado os dois erros históricos do
Partido Comunista da China: o
Grande Salto Adiante (1958-1960), que matou 30 milhões
de pessoas de fome, e a Revolução Cultural (1966-1976).
Wu afirma que Huaxi não se
organizou como uma comuna
durante o Grande Salto Adiante, contrariando a orientação
oficial. E, enquanto qualquer
vestígio de capitalismo era
combatido na Revolução Cultural, a vila criava uma fábricas
clandestina de parafusos.
Quando Deng Xiaoping propôs a adoção de leis de mercado, em 1978, Huaxi saiu na
frente, diz Wu. No ano passado,
a vila começou a treinar 50 mil
dirigentes de outras localidades com o objetivo de melhorar
suas habilidades de liderança.
Na avaliação de Wu, uma das
vantagens do modelo de Huaxi
é a mescla entre coletividade e
individualismo. "Se as empresas fossem estatais, não haveria
competitividade e os empregados ficariam preguiçosos." No
sistema de propriedade coletiva, os camponeses são ao mesmo tempo empregados e acionistas, observa.
Apesar de formalmente aposentado, Wu continua a ser a
autoridade máxima em Huaxi e
fala da vila como seu próprio
negócio. "Sou conservador",
diz, em referência à origem do
capital que viabilizou os investimentos nas fábricas. Segundo
ele, os recursos vieram dos próprios camponeses e não de empréstimos bancários.
A expansão do capital foi impulsionada por um sistema que
obriga os camponeses a reinvestirem 80% de tudo o que ganham a título de salários, bônus e dividendos.
Wu afirma que os habitantes
de Huaxi possuem tudo o que
um homem pode desejar: dinheiro, carro, casa, filho e respeito -a vila distribuiu 800
carros para os moradores nos
últimos dois anos e as novas casas foram concluídas em 2005.
O elogio da riqueza é acompanhado de juras de fidelidade
ao Partido Comunista, refletidas no hino de Huaxi, composto por Wu Rengbao: "O céu de
Huaxi é o céu do Partido Comunista; a terra de Huaxi é a
terra do socialismo".
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