São Paulo, domingo, 18 de março de 2007

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Camponês é acionista em vila chinesa

Huaxi, a mais rica comunidade rural da China, fatura US$ 5 bilhões ao ano com fábricas em regime de cooperativa

Secretário-geral do PC local diz que região avançou porque não seguiu a Revolução Cultural nem formou comunas maoístas

CLÁUDIA TREVISAN
EM HUAXI

Sun Haiyen faz parte da legião de 700 milhões de chineses que as estatísticas oficiais classificam como camponeses, mas vive em uma casa de estilo europeu de 600 metros quadrados equipada com enormes televisões de tela plana nos quartos, três banheiras de hidromassagem e decoração que abusa de dourados e brocados.
Há 15 anos, Sun trocou sua cidade natal por Huaxi, a mais rica vila rural da China, que o governo elegeu como modelo a ser seguido no restante do país.
Hoje, ele integra a elite de 1.500 moradores que vivem em bairros inspirados nos subúrbios norte-americanos e que possuem renda per capita de US$ 10 mil, quase seis vezes a média da China.
Apesar de ser chamada de "vila rural", Huaxi deve sua riqueza a um conglomerado de 60 fábricas, criadas principalmente nas duas últimas décadas. Reunidas em um parque industrial, elas dão à paisagem local um tom que em nada lembra a bucólica vida no campo. As fábricas empregam 25 mil pessoas e, segundo os dirigentes locais, faturaram no ano passado US$ 5 bilhões.
A vila é a mais rica da China, mas não é a única na qual proliferam as fábricas. Há milhares de outras como Huaxi e, juntas, elas respondem por uma parcela expressiva da produção industrial, das exportações e do emprego no país.
Chamadas de Empresas de Cantão e de Povoado (TVEs, na sigla em inglês), essas fábricas não são nem estatais nem privadas e têm um sistema de propriedade que lembra o das cooperativas -em Huaxi, os camponeses são acionistas das companhias e recebem dividendos anuais.
Em 2004, as TVEs empregavam 133 milhões de pessoas, o equivalente a 18% da força de trabalho da época.
Como as outras vilas que se dedicam à produção industrial, Huaxi se desenvolveu de maneira mais acelerada depois do início do processo de reforma e abertura, no fim dos anos 70. Localizada a cerca de 200 quilômetros de Xangai, a vila se dedica à fabricação de papel, tecidos sintéticos, metalurgia e siderurgia -a produção de aço é de 900 mil toneladas/ano.
Todos os moradores de Huaxi trabalham nas empresas, mas a maior parte da mão-de-obra é composta por migrantes rurais, que moram em alojamentos e ganham pouco mais de US$ 100 por mês.
Em seu processo de expansão, Huaxi absorveu outras 20 vilas rurais e hoje tem uma população de 50 mil pessoas, a maioria das quais com um padrão de vida bastante inferior ao dos 1.500 morados da chamada "pequena Huaxi".
O cacique político local é Wu Rengbao, 80, venerado como herói e apontado como responsável pela prosperidade dos camponeses. Secretário-geral do Partido Comunista em Huaxi desde os anos 50, há quatro anos ele transferiu o posto ao filho mais novo, Wu Xieen.
O culto à personalidade de Wu Rengbao é evidente. Fotos de diferentes fases de sua vida ilustram as paredes do museu que conta a trajetória de Huaxi -o turismo é outra fonte de renda da vila, que recebe 2 milhões de visitantes por ano (ver texto na página ao lado). Todos se referem a ele com reverência e suas atividades oficiais são registradas pelo departamento de propaganda de Huaxi.

Salto hetedoxo
"O nosso maior desejo é o povo enriquecer e levar uma vida cada vez melhor", disse Wu Rengbao à Folha. Segundo ele, Huaxi prosperou por ter evitado os dois erros históricos do Partido Comunista da China: o Grande Salto Adiante (1958-1960), que matou 30 milhões de pessoas de fome, e a Revolução Cultural (1966-1976).
Wu afirma que Huaxi não se organizou como uma comuna durante o Grande Salto Adiante, contrariando a orientação oficial. E, enquanto qualquer vestígio de capitalismo era combatido na Revolução Cultural, a vila criava uma fábricas clandestina de parafusos.
Quando Deng Xiaoping propôs a adoção de leis de mercado, em 1978, Huaxi saiu na frente, diz Wu. No ano passado, a vila começou a treinar 50 mil dirigentes de outras localidades com o objetivo de melhorar suas habilidades de liderança.
Na avaliação de Wu, uma das vantagens do modelo de Huaxi é a mescla entre coletividade e individualismo. "Se as empresas fossem estatais, não haveria competitividade e os empregados ficariam preguiçosos." No sistema de propriedade coletiva, os camponeses são ao mesmo tempo empregados e acionistas, observa.
Apesar de formalmente aposentado, Wu continua a ser a autoridade máxima em Huaxi e fala da vila como seu próprio negócio. "Sou conservador", diz, em referência à origem do capital que viabilizou os investimentos nas fábricas. Segundo ele, os recursos vieram dos próprios camponeses e não de empréstimos bancários.
A expansão do capital foi impulsionada por um sistema que obriga os camponeses a reinvestirem 80% de tudo o que ganham a título de salários, bônus e dividendos.
Wu afirma que os habitantes de Huaxi possuem tudo o que um homem pode desejar: dinheiro, carro, casa, filho e respeito -a vila distribuiu 800 carros para os moradores nos últimos dois anos e as novas casas foram concluídas em 2005.
O elogio da riqueza é acompanhado de juras de fidelidade ao Partido Comunista, refletidas no hino de Huaxi, composto por Wu Rengbao: "O céu de Huaxi é o céu do Partido Comunista; a terra de Huaxi é a terra do socialismo".


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