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Pequim e Seul fortalecem ditador, diz dissidente
Norte-coreano que passou dez anos preso critica acordo com regime de Kim Jong-il
Kang Chol-hwan relata fome e execuções em campo de trabalho forçado; para ele, só isolamento total muda a Coréia do Norte
DO ENVIADO A SEUL
Kang Chol-hwan tinha nove
anos quando foi levado junto
com sua família para um campo
de prisioneiros na Coréia do
Norte. Nos dez anos em que ficou preso, passou fome, testemunhou execuções e espancamentos e jurou que, se sobrevivesse, dedicaria a vida a denunciar os abusos cometidos pelo
regime comunista.
Kang foi libertado em 1987 e,
quatro anos depois, conseguiu
escapar subornando guardas
na fronteira com a China, onde
ficou escondido seis meses antes de seguir para Seul. Contada
no livro "Aquariums of Pyongyang" (aquários de Pyongyang),
sua experiência no campo de
concentração de Yodok chamou a atenção do presidente
dos EUA, George W. Bush, que
o recebeu em 2005.
Hoje Kang vive com a mulher
e o filho de um ano em Seul, onde trabalha como repórter no
jornal "Chosun Ilbo". Leia a seguir trechos de sua conversa
com a Folha, em um hotel no
centro de Seul.
(MN)
FOLHA - Por que o sr. foi preso?
KANG CHOL-HWAN - Fui levado
para o campo de prisioneiros
de Yodok quando tinha nove
anos, em agosto de 1977. Meu
avô era um alto burocrata do
governo e foi acusado de colaborar com o governo japonês.
FOLHA - Como eram as condições
no campo de Yodok?
KANG - Havia soldados por todos os lados, que nos xingavam
o tempo todo. Muita gente era
espancada. Era como um campo de concentração nazista,
com uma diferença: os prisioneiros não eram mandados para as câmaras de gás, mas morriam de fome ou de tanto trabalhar na lavoura, nas minas de
ouro e no corte de lenha. A fome era a pior tortura. Meu cálculo é de que um terço dos prisioneiros morreu de fome. Execuções públicas eram comuns.
FOLHA - Se só o seu avô foi acusado, por que sua família foi presa?
KANG - O critério para as prisões era a relação familiar.
Quando alguém era acusado,
três gerações de sua família
eram presas junto com ele. O
avô, seus filhos e seus netos, para evitar rebeliões.
FOLHA - No seu livro, o sr. diz que
passou a acreditar que Deus era
bom quando o presidente Bush o
convidou a ir à Casa Branca e permitiu que o mundo conhecesse sua história. Agora que EUA e Coréia do
Norte chegaram a um acordo, o sr.
sente que foi usado?
KANG - Entendo que na política
nem sempre é possível fazer o
que se quer, mas acredito que
uma pressão internacional seria suficiente para dobrar a Coréia do Norte. Infelizmente,
não há coerência. O mundo parece não ver que o regime norte-coreano é comparável aos de
Hitler e de Stálin e muito pior
que o de Saddam Hussein.
Estou muito desapontado
com as negociações entre os
seis países que levou ao acordo
de fevereiro. Em vez de cooperação, deveria haver pressão
para derrubar o regime.
FOLHA - O que o sr. acha dos projetos conjuntos entre as duas Coréias?
KANG - Está claro que eles ajudam o regime norte-coreano. O
salário mensal dos trabalhadores norte-coreanos nesses projetos é de US$ 60, mas eles só
recebem US$ 2. O restante vai
para os líderes de suas comunas. O dinheiro acaba sendo
usado para fortalecer o regime.
FOLHA - Como a situação no Norte
mudou desde que o sr. escapou?
KANG - Após a morte de Kim
Il-sung, em 1994, o sistema de
distribuição de alimentos entrou em colapso. Era através
dele que o regime controlava o
povo. Para não perder o controle, o regime entregou ao Exército a função de controlar a população. Isso criou uma elite de
privilegiados: os militares recebem todos os benefícios e o resto da população é abandonada à
própria sorte. Foi isso também
que levou o regime a querer a
bomba atômica. O enfraquecimento da economia atingiu o
Exército e, para se defender das
ameaças internas e externas,
restou desenvolver a bomba.
FOLHA - Há algum foco de oposição na Coréia do Norte?
KANG - Sim, nas universidades
e no Exército há pessoas que
gostariam de mudar o regime.
Para ter sucesso, elas precisam
de apoio externo. Mas a Coréia
do Sul e a China fortalecem o
regime ao enviar alimentos e
combustível.
FOLHA - O ex-presidente sul-coreano Kim Dae-jung crê que a reunificação pode ocorrer em dez anos. Qual
a sua previsão?
KANG - A política de reconciliação do ex-presidente atrasou
o processo de reunificação, pois
fortaleceu o regime e evitou o
seu colapso. Kim Dae-jung diz
que [o ditador norte-coreano]
Kim Jong-il é um líder de visão.
Alguém diria o mesmo hoje sobre Hitler?
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