São Paulo, quinta-feira, 18 de março de 2010

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Crise Israel-EUA pode ser "mágica", diz Lula

Na Cisjordânia, presidente afirma que divergência entre aliados devido a assentamentos pode ser o que faltava para impulsionar paz

Brasileiro volta a criticar colônias judaicas em áreas reivindicadas por palestinos, mas diz deixar região mais otimista do que na chegada


Mohamad Torokman/Reuters
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é apoiado pelo líder a Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, com quem se reuniu ontem em Ramallah (Cisjordânia)

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A RAMALLAH

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vê na crise entre Israel e os EUA, o principal respaldo internacional do Estado judaico, uma divergência "que parecia impossível de ocorrer", mas que "quem sabe", seja a "coisa mágica que faltava para chegar ao acordo [de paz] entre israelenses e palestinos".
Pode parecer uma adaptação do lugar comum segundo o qual toda crise é também uma oportunidade. Mas a frase, pronunciada em entrevista coletiva concedida ontem em Ramallah, a capital provisória dos palestinos, reflete uma análise geopolítica mais abrangente da diplomacia brasileira.
Análise que tem como eixo central o crescente avanço do Irã no Oriente Médio. Hoje, o país tem penetração no Líbano, por intermédio do Hizbollah, misto de movimento político, social e militar, e na faixa de Gaza, usando o Hamas.
É eloquente que o presidente palestino, Mahmoud Abbas, ao lado do qual Lula falou aos jornalistas, tenha dito há uma semana que o Hamas "deveria livrar-se da tutela iraniana". É uma raríssima coincidência de ponto de vista entre um líder palestino e um israelense, no caso o presidente Shimon Peres, que disse ao jornal espanhol "El País", no domingo:
"Gaza está sob domínio do Irã. É um organismo iraniano. Eles é que põem o dinheiro".
Na análise da diplomacia brasileira, o avanço iraniano é alimentado pelo conflito israelo-palestino. Não é uma opinião isolada: no jornal "Haaretz" de ontem, o colunista Eidad Yaniv escreveu que "é bom para eles [os radicais palestinos e o Irã] que Israel esteja se tornando uma versão atualizada de um Estado de apartheid".
Chega-se, assim, à "coisa mágica" desejada por Lula: só a pressão americana seria de fato capaz de forçar Israel a fazer as concessões indispensáveis para a criação de um Estado palestino "viável", o que tiraria do Irã a arma principal para conquistar adeptos no Oriente Médio.
Se a análise estiver correta, vem a pergunta seguinte inevitável: os EUA exercerão pressão suficiente para convencer o governo Binyamin Netanyahu? Claro que não há uma resposta científica, mas Reuven Rivlin, presidente da Knesset, o Parlamento de Israel, e do mesmo partido de Netanyahu, disse ontem ao "Haaretz": "Se não fosse presidente da Knesset, diria que os americanos não derramarão uma lágrima se Netanyahu e seu governo caírem".
Enquanto não acontece a "coisa mágica", Lula cravou ante as autoridades palestinas demandas que não foram apresentadas a Israel, ao menos não de público, e que, claro, soaram como música:
1 - "O muro da separação deve vir abaixo. O mundo não suporta mais muros". É uma alusão ao muro de 350 quilômetros que Israel está construindo para separar seu território das áreas palestinas. As chances de que Israel concorde tendem a zero;
2 - "A ampliação dos assentamentos também deve parar sob pena de apagar definitivamente a chama da esperança". A frase é bonita, mas passa por cima do fato de que, na presença do próprio Lula, Netanyahu dissera, na segunda, que Israel não pretende parar as construções em Jerusalém Oriental.
Lula reconhece que é difícil a tarefa de negociar a paz, mas afirmou que seu governo "está mais disposto do que nunca" a ajudar nas negociações.
Tão disposto que aceita conversar até com o Hamas, considerado organização terrorista pelos EUA e pela União Europeia e em choque aberto com Abbas, o anfitrião de Lula.
"Converso com quem quer que tenha importância na mesa de negociação e faça o processo andar. Não existe força política, de direita ou de esquerda, com quem o Brasil não tenha disposição de conversar."
Para materializar qualquer conversa com o Hamas, no entanto, há um problema: Lula pede que "o povo palestino seja coeso e fale com uma só voz", ao mesmo tempo em que cobra que essa voz seja "de equilíbrio e moderação e respeite os direitos de Israel".
Não é uma descrição que se aplique usualmente ao Hamas, mas, ainda assim, Lula encerrou sua visita a Ramallah com a afirmação de que saía mais otimista do que chegara. Ainda ontem, ele viajou à Jordânia, escala final de sua turnê pela região, onde foi recebido pelo rei Abdullah 2º.


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