São Paulo, domingo, 18 de abril de 2004

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COMPORTAMENTO

Pesquisador britânico adverte que correio eletrônico não deve substituir o face a face no ambiente de trabalho

E-mail de chefe faz mal à saúde, diz estudo

OTÁVIO DIAS
DA REDAÇÃO

O uso inadequado de e-mails no trabalho pode ser uma fonte adicional de estresse para os funcionários, prejudicar as relações entre colegas ou entre o chefe e seus subordinados e comprometer o trabalho em grupo, fundamental dentro de uma empresa.
As ponderações acima têm sido, cada vez mais, motivo de debate e, recentemente, têm motivado pesquisas em universidades e experimentos em companhias privadas ou públicas. No Reino Unido, recentemente foi feito um estudo, ainda não conclusivo, sobre os efeitos que e-mails podem ter na saúde de funcionários.
Especialistas da Buckinghamshire Chilterns University College, situada a oeste de Londres, colocaram monitores para medir a pressão arterial de voluntários antes de eles abrirem suas caixas de correio no trabalho.
Identificaram uma elevação da pressão arterial quando os funcionários recebiam e-mails de seus superiores, especialmente quando a mensagem estava escrita num tom de crítica ou de cobrança.
"E-mails nunca devem ser usados para criticar a atitude profissional de um funcionário, fazer cobranças e dar ordens ou transmitir más notícias", diz Cary Cooper, professor de saúde e psicologia organizacional da Escola de Administração da Universidade Lancaster (Reino Unido).
O estudo acima citado, realizado com 48 voluntários, foi apresentado na conferência anual da Sociedade Psicológica Britânica, no início deste ano. "Observamos uma elevação da pressão mais acentuada entre aqueles que receberam um e-mail ao mesmo tempo ameaçador e de um colega de nível mais elevado", diz Howard Taylor, um dos coordenadores da pesquisa.
"Você nunca deve contratar ou despedir alguém por e-mail, ou mesmo escolher esse meio para punir", afirma o professor Cooper. "Chefes fazem isso porque não têm coragem de dar notícias desagradáveis olho no olho."
Cooper é autor de diversos livros sobre saúde e psicologia no trabalho, entre eles "Shut Up and Listen!: The Truth About How to Communicate at Work" (cale a boca e ouça: a verdade sobre como se comunicar no trabalho), publicado em 2004 pela editora Kogan Page, no qual há um capítulo sobre como usar o recurso do correio eletrônico.
Segundo Cooper, se colocássemos na balança os benefícios e os malefícios provocados pelo uso de e-mails no trabalho, o resultado, neste momento, seria equilibrado.
"Quando o e-mail surgiu, diria que era 70% a favor, 30% contra. Mas, agora, devido ao abuso, acho que é 50% a 50%", disse.

Uso inadequado
São vários os exemplos de uso inadequado de e-mails no trabalho, segundo especialistas e profissionais ouvidos pela Folha.
O primeiro deles é a dificuldade de priorizar diante da grande quantidade de mensagens recebidas, muitas delas inúteis ou pouco importantes.
O funcionário precisa desenvolver a capacidade de identificar as realmente importantes e dar preferência a elas.
"Quando recebíamos cartas pelo correio, era mais fácil priorizá-las por ordem de importância. Atualmente, somos compelidos a ler e responder tudo -ou quase tudo- que recebemos, sem avaliar adequadamente sua importância. Perdemos muito tempo com isso", afirma Cooper.
"A quantidade de e-mails que uma pessoa recebe no início de cada dia ou durante um período de férias virou símbolo de status, como se fosse um indício de como ela é importante", diz.
O segundo erro é incluir na lista de destinatários pessoas que não precisam necessariamente receber a mensagem. Além de contribuir para a overdose de e-mails recebidos a cada dia, essa prática, muitas vezes, revela uma tentativa de se livrar de responsabilidades.
"Às vezes, um funcionário encaminha um e-mail para diversos colegas com a intenção de dividir a responsabilidade. É como se pensasse: "Fiz minha parte, se o outro não fez, não é culpa minha'", afirma Patricia Molino, diretora de assessoria e gestão de recursos humanos da multinacional KPMG no Brasil.
Segundo Molino, é preciso selecionar cuidadosamente para quem enviar um e-mail. E não se devem mandar mensagens para destinatários ocultos (cujos endereços eletrônicos não apareçam claramente no cabeçalho), pois isso pode prejudicar a confiança entre colegas de trabalho. "Enviar um e-mail para uma terceira pessoa sem que o destinatário principal saiba não é ético", diz.
Um terceiro erro muito comum é privilegiar as mensagens eletrônicas em detrimento dos contatos pessoais com colegas que trabalham perto, às vezes a apenas algumas mesas de distância.
"Isso empobrece as relações entre colegas e nos torna mais sedentários ainda", diz o consultor Simon Franco, da Simon Franco Recursos Humanos, umas das empresas da área mais tradicionais do país.
O professor Cooper lembra que um dos motivos para as pessoas irem ao escritório é justamente a necessidade de socializar e de trabalhar em grupo.
"Não é bom enviar e-mails para pessoas que estão perto de você. Por que não falar com elas pessoalmente? O contato direto ajuda a construir as relações pessoais, melhora o trabalho em grupo e estimula a criatividade ", diz.
Algumas organizações públicas e privadas britânicas têm realizado experiências para combater esse fenômeno como, por exemplo, o estabelecimento de "dias livres de e-mails" entre funcionários (leia texto nesta página).
As mensagens eletrônicas -por serem muito rápidas e parecerem "descartáveis"- também podem ser fonte de mal-entendidos.
É comum, por exemplo, alguém ler um e-mail rapidamente ou de forma até incompleta, tirar conclusões equivocadas e responder apressadamente, às vezes num tom inadequado, dando início a uma cadeia de desentendimentos.
"Já presenciei brigas incríveis em grupos de discussão", diz Rosa Maria Farah, do Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática da PUC (Pontifícia Universidade Católica), em São Paulo. "As pessoas não estavam se entendendo e continuavam reagindo impulsivamente."
O antídoto para isso é "dar um tempo antes de responder", afirma Patricia Molino. "Não há obrigação de responder imediatamente nem mesmo num prazo de 24 horas. Você pode se dar um prazo maior para responder de forma adequada", afirma.
"A rapidez na comunicação facilita a ambigüidade das mensagens", alerta Franco. Para Cooper, a melhor coisa que uma pessoa pode fazer ao receber um e-mail que, por algum motivo, considera desagradável é ligar para o colega de trabalho ou procurá-lo para conversar pessoalmente.
"Às vezes, você acha que alguém está fazendo uma crítica quando não está. Um telefonema ou um bate-papo pode solucionar mal-entendidos antes que seja tarde", diz.
Também é importante refletir sobre a forma e a linguagem utilizadas. Embora e-mails sejam naturalmente mais informais do que outras ferramentas de comunicação, eles devem ser claros, concisos, bem escritos e educados.
"Informalidade não significa escrever com displicência", diz Farah. "Nos e-mails, a correção no emprego da língua muitas vezes vai para o brejo", afirma Franco.

Critério
Segundo os entrevistados, também é importante definir "para o que o e-mail é bom e para o que não é bom".
"O e-mail é bom para manter contato com os colegas ou com clientes, para fazer circular informações que possam ser úteis ao trabalho das pessoas e para acompanhar o progresso de um determinado trabalho", diz Cooper.
"Mas não é bom para buscar soluções criativas, dar ordens, definir diretrizes e analisar ou criticar a atuação de alguém", afirma.
Segundo Cooper, a substituição das relações individuais pelo excesso de comunicação eletrônica tem como conseqüência o desenvolvimento de uma "baixa moral" no trabalho.
"As pessoas passam a se sentir apenas uma peça dentro da empresa, tão desimportantes que nem merecem um tratamento face a face", diz.
"O e-mail é um brinquedo relativamente novo. Ainda estamos aprendendo a fazer bom uso dele", diz Farah.


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