São Paulo, sábado, 18 de abril de 2009

Próximo Texto | Índice

Obama propõe "novo começo" a Cuba

Na abertura da Cúpula das Américas, presidente americano prossegue xadrez de reaproximação com inimigo da Guerra Fria

Como Raúl Castro, ele diz querer diálogo direto, mas não "falar por falar"; aos vizinhos, diz que EUA não podem ser culpados de tudo


Kevin Lamarque/Reuters
No discurso à cúpula regional, Obama disse que EUA mudaram

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A PORT OF SPAIN

O animado xadrez político-diplomático que virou a distensão das relações entre EUA e Cuba, congeladas por quase meio século, ganhou lances decisivos nas últimas horas e dominou a abertura da 5ª Cúpula das Américas, ontem em Trinidad e Tobago. Em discurso na abertura da cerimônia, Barack Obama disse que os Estados Unidos buscavam "um novo começo" com Cuba.
"Eu sei que há uma longa jornada que precisa ser percorrida para ultrapassar décadas de desconfiança, mas há passos críticos que nós podemos tomar em direção a um novo dia", afirmou. "Eu já mudei políticas em relação a Cuba que fracassaram em avançar a liberdade do povo cubano", continuou, referindo-se à recente decisão de liberar viagens, remessa de dinheiro e comunicações entre cubano-americanos e seus parentes na ilha caribenha.
Em resposta à declaração da véspera de Raúl Castro, que se disse disposto a conversar sobre "tudo" com os EUA, ele afirmou: "Deixe-me ser claro: não estou interessado em falar apenas por falar. Mas eu acredito que nós podemos levar a relação entre EUA e Cuba para uma nova direção."

Sênior e júnior
Antes, repetiu o que havia dito dois dias antes sobre a relação entre EUA e Brasil, dessa vez se referindo a todo o continente. "Não há parceiro sênior e parceiro júnior em nossas relações; há simplesmente engajamento baseado em respeito mútuo, interesses comuns e valores compartilhados", disse.
Em tom conciliatório, Obama pediu que os países olhassem adiante e deixassem de ser "prisioneiros de desacordos passados": "Muito frequentemente, a oportunidade para construir uma nova parceria nas Américas tem sido minada por debates falsos".
São falsos argumentos, disse o democrata. "Eles nos levaram a fazer a falsa escolha entre uma economia rígida e estatal e um capitalismo sem regras nem limites; entre culpar os paramilitares de direita e os insurgentes de esquerda; entre insistir em políticas inflexíveis em relação a Cuba e negar os direitos humanos completos que são devidos ao povo cubano."
Obama foi o quarto líder a discursar, depois de Cristina Kirchner (Argentina), Daniel Ortega (Nicarágua) e Dean Barrow (Belize). Em sua apresentação aos 33 líderes da região, ele se desviou do discurso previamente preparado para rebater críticas do nicaraguense, que atacou as "políticas colonialistas" dos EUA.
Primeiro, brincou: "Agradeço o presidente Ortega, que não me culpou de coisas que aconteceram quando eu tinha três meses", disse, referindo-se à invasão da baía dos Porcos, em Cuba, em 1961.
Depois, emendou: "Os Estados Unidos mudaram, como minha presença aqui indica. Não foi sempre fácil, mas mudaram. Mas não são só os EUA que têm de mudar. Todos temos responsabilidade de olhar para o futuro. A política dos EUA não deveria ser se meter nos assuntos dos outros países. Mas não podemos culpar os EUA por tudo de ruim que acontece na região".
A fala de Obama segue a cartilha da política externa pragmática que ele tenta implantar em relação a países como Irã e Rússia. Além disso, ao jogar o olhar para adiante, o democrata se distancia de uma decisão que já havia sido tomada quando nasceu -ele é de 1961; o congelamento das relações EUA-Cuba começou em 1960.
O momento é historicamente bom. Pela primeira vez, o secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), José Miguel Insulza, cogita acabar com a suspensão de Cuba da entidade, em vigor há 47 anos. Também o bloco econômico-político Caricom, que congrega os países do Caribe, se propôs a mediar negociações entre EUA e Cuba.
Segundo disseram assessores obamistas à Folha, nada está fora da mesa dos EUA, nem um alívio progressivo do embargo, nem a designação de um "enviado especial" para negociar com o regime dos Castro, nos moldes dos que atuam hoje no Oriente Médio.


Próximo Texto: Chávez divulga primeiro foto "histórica"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.