São Paulo, domingo, 18 de maio de 2008

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Nem pacto nem armas põem fim à crise política no Líbano

Hizbollah, fortalecido, busca ampliar seu poder e faz ferver as divisões entre os libaneses

Empurrado à beira da guerra civil e na espera tensa por um rearranjo sectário, país vive paralisia no governo e "trégua armada" nas ruas


Patrick Baz-15.mai.08/France Presse
Observados por simpatizantes da oposição, soldados libaneses guardam rua em Beirute após confrontos da última semana


MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A BEIRUTE

Uma trégua armada até os dentes. Assim pode ser definido o acordo intermediado nesta semana pela Liga Árabe, que afastou o risco iminente de uma guerra civil no Líbano, mas não calou as tensões sectárias que alguns dias antes levaram aos piores confrontos desde a guerra civil (1975-1990).
A mais nova crise deixou pelo menos 80 mortos e mostrou que a violência no Líbano, apesar de continuar sendo uma opção, não é suficiente para romper o impasse político no país. Em resposta às medidas do governo que desafiaram seu poder, o grupo xiita Hizbollah deu uma inegável demonstração de força tomando parte de Beirute, mas revelou suas limitações ao esbarrar na resistência dos drusos nas montanhas próximas da capital.
"Se o Hizbollah tentou usar suas armas para mudar o equilíbrio de poder interno e impor sua vontade, esse plano fracassou", observou o influente site político Now Lebanon, notando que outras facções começaram a se armar em resposta ao avanço dos xiitas. "Não há solução militar para o impasse libanês, e o Hizbollah não tem os instrumentos para apresentar nem sequer uma sombra de solução política."
A violência que se espalhou rapidamente pelo país pegou o mundo de surpresa, mas parecia uma crônica com desfecho anunciado para quem vive o impasse que paralisa o país desde 2006.

Hizbollah fortalecido
Há quase dois anos, quando os bombardeios israelenses ainda estavam no auge, muitos no Líbano já temiam as conseqüências da guerra sobre o frágil equilíbrio interno do país.
O medo era o de que, após resistir por mais de um mês aos ataques do Exército mais poderoso da região, o Hizbollah se sentiria credenciado a converter sua capacidade militar em uma fatia maior do apimentado bolo político libanês -sob o risco de despertar as divisões sectárias que levaram à devastadora guerra civil.
Em 2006, Amin Younes acompanhava do balcão de seu pequeno café, no centro de Beirute, as dificuldades do Exército israelense em impor uma derrota decisiva ao grupo xiita. Chegou a criar um blog para relatar suas impressões pessoais e políticas daqueles dias intensos. Como a maioria dos libaneses não-xiitas, seus sentimentos variavam entre o orgulho e a preocupação. "Por um lado, é bom ver a resistência à agressão de Israel", disse Amin à Folha na época. "Por outro, dá medo pensar no que virá depois da guerra com um Hizbollah ainda mais forte."
O que veio foi o que Amin e outros previam: o líder do Hizbollah, o xeque Hassan Nasrallah, se tornou um ídolo no mundo islâmico, e seu grupo -misto de partido político, entidade beneficente e milícia- começou a exigir voz mais ativa nas decisões sobre os rumos do país. Em novembro de 2006, três meses após o fim da guerra com Israel, cinco ministros xiitas se retiraram do governo, alegando que estavam subrepresentados.
Desde então as tensões só aumentaram, paralisando boa parte do governo e impedindo a escolha de um sucessor para o presidente Emile Lahoud, um ex-comandante das Forças Armadas, cristão, que tinha o apoio da Síria.

Telefones e armas
O fortalecimento do Hizbollah abalou até a divisão de poder sacramentada na Constituição, que prevê um cristão como presidente, um sunita como primeiro-ministro e um xiita como presidente do Parlamento. Hoje já há xiitas que reivindicam um cargo com mais poder.
"Uma alteração no equilíbrio de poder entre os três principais grupos religiosos do país significa que cristãos e sunitas teriam que abrir mão de poder em favor do Hizbollah e de seus aliados", diz o analista político Rami Khouri, do jornal "Daily Star", de Beirute. "Mas eles não irão fazer isso sem garantias sobre o status e o uso das armas do Hizbollah."
As armas do grupo xiita estão há anos no centro do debate político libanês. Com a retirada de Israel do sul do país, em 2000, muitos no Líbano acham que o grupo deveria transferir as atribuições militares ao Exército. Mas os xiitas se recusam a abrir mão de seu arsenal.
Um dos estopins da crise que estourou na semana passada foi a decisão do governo de proibir a rede de telecomunicações do Hizbollah, um sistema de telefonia fixa que foi de grande ajuda nas operações contra os israelenses, em 2006.
"Se um decreto sobre telefones já quase levou a uma guerra civil, imagine se tentarem tirar as armas do Hizbollah", diz o farmacêutico Amir Chaem, que de seu balcão acompanhou os combates travados na semana passada nas ruas de Hamra, bairro de população mista da capital.
Assim como a guerra de 2006, a crise atual interrompe um bom momento econômico no Líbano, que cresceu 4% no ano passado, apesar da instabilidade política, e em março teve o grau de investimento elevado de "negativo" para "estável" pela agência de classificação de risco Moody's.
A prosperidade rendeu frutos a Amin Younes, que há três meses abriu ao lado de seu modesto café uma versão "gourmet", onde os clientes navegam pela internet com seus laptops enquanto saboreiam sofisticadas misturas de grãos do mundo todo. Para Younes, se carecem de afinidades ideológicas, os líderes em conflito comungam interesses econômicos.
"Minha esperança é que eles percebam que todos perdem quando há uma crise como essa. A economia é só o exemplo mais palpável", diz.


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