São Paulo, domingo, 18 de maio de 2008

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Crise no campo acirra guerra entre Casa Rosada e imprensa

Presidente argentina e marido intensificam ataques e criam órgão observador da mídia

"Brigadas" ligadas aos Kirchner fazem campanha contra o grupo Clarín, o maior do país; SIP reclama do clima de confrontação


ADRIANA KÜCHLER
DE BUENOS AIRES

Se o governo argentino já não tinha uma relação amigável com a imprensa, o pouco de paz que restava foi rompido com o conflito com o setor agropecuário, que já dura dois meses. Hoje, a mídia, mais do que os ruralistas a quem dá voz, virou o inimigo da presidente Cristina Fernández de Kirchner.
O embate tomou os discursos recentes de Cristina e as ruas de Buenos Aires. Tido até então como aliado tácito do governo, o Clarín -maior grupo de comunicação do país, dono do jornal de mesmo nome, de TVs, rádios e TV a cabo- virou o principal alvo, com cartazes que o atacam espalhados pela cidade.
Os confrontos começaram com críticas da imprensa ao modo como foram anunciados os aumentos de impostos sobre as exportações, origem do locaute agrícola que durou três semanas e da crise que se estende até hoje.
Cristina contra-atacou com discursos-bomba. O mais forte foi em 1º de abril, quando, falando a uma multidão na praça de Maio, ela chamou uma caricatura sua, feita pelo premiado artista Hermenegildo Sábat, de "mensagem quase mafiosa". O desenho mostra Cristina com um x na boca, e todos os meios de comunicação saíram em defesa do cartunista, que publica no "Clarín".
Recém-empossado no comando do Partido Peronista, o antecessor e marido da presidente, Néstor Kirchner, prometeu fazer da legenda um veículo "para os soldados da causa nacional que apóiam Cristina".
Cristina e Kirchner colocaram, então, seu exército na frente de batalha. Além de espalhar os cartazes contra o grupo de mídia pela cidade, jovens militantes de "brigadas" peronistas empunharam pôsteres em atos do governo com frases como "Clarín mente".

Ameaças
Um desses batalhões, o La Cámpora, seria liderado pelo primeiro-filho, Máximo Kirchner. Teriam vindo da grupo os e-mails com ameaças a diretores do "Clarín" que chegaram ao jornal na semana passada.
Para ganhar mais força, Cristina lançou um órgão de monitoramento da imprensa, o Observatório de Discriminação nos Meios, e convocou todas as faculdades de ciências sociais do país a se unirem ao projeto.
O objetivo seria evitar que a imprensa divulgue apenas notícias ruins."Para eles, o importante é sempre mostrar que as coisas estão mal e dar uma visão quase terrível da Argentina", disse a presidente em um discurso na última terça-feira.
A estratégia da Casa Rosada levou a Sociedade Interamericana de Imprensa a falar duas vezes em dois meses sobre essa guerra declarada. "Lamentamos a posição de confrontação assumida pelo governo contra meios e jornalistas independentes, restringindo a liberdade de imprensa", disse Earl Maucker, presidente da SIP.
Nessa batalha entre discurso e notícia, os dois lados do confronto apresentam suas armas. Para o militante do grupo Juventude Peronista Evita e funcionário do governo Kirchner Pablo "Mono" Lombardi, 27, o "Clarín" controla a informação e teme que mexam em seu lucro. Para o editor-geral do "Clarín", Ricardo Kirschbaum, os jovens militantes que atacam o jornal pararam nos anos 70.


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