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Ásia é hoje último refúgio do maoísmo
Em via de extinção, ideologia que inspirou parte da geração de 68 ressurge revista com vitória eleitoral de ex-guerrilheiros no Nepal
Versão ortodoxa persiste na Índia e nas Filipinas, mas movimento que surgiu na China e suas siglas fenecem na Europa e América Latina
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
Dentro de dez dias se instalará a Assembléia Constituinte
do Nepal, em que a ex-guerrilha
maoísta será majoritária -ela
venceu as eleições de 10 de
abril- e instituirá o regime republicano. Pushpa Kamal Dahal, cognominado "Prachanda", líder do grupo comunista e
futuro primeiro-ministro, disse terça-feira que enviou carta
ao rei Gyanendra, pedindo para
que ele desocupe de imediato o
palácio de Narayanhity.
Partidários de Prachanda, segundo a mídia indiana, ameaçam processar o monarca virtualmente deposto por "ocupação não autorizada de um imóvel de propriedade oficial".
Esse bom-mocismo jurídico
tem pouco a ver com a última
vez em que um grupo maoísta
assumiu o poder. Foi em 1975,
no Camboja, quando Pol Pot
matou de 750 mil a 1,7 milhão
de compatriotas, antes de ser
deposto, em 1979, em intervenção do Exército vietnamita.
O maoísmo é uma espécie
política praticamente em extinção. Há pequenas exceções.
A maior delas está na Índia. O
Grupo Guerra do Povo, também conhecido por Naxalita, é
qualificado pelo primeiro-ministro Manmohan Singh como
"a única ameaça atual à nossa
segurança interna". Segundo o
"Financial Times", há dele militância clandestina em um
quarto dos 600 distritos.
Mas o grupo, relativamente
expressivo nas regiões de Orissa e Andhra Pradesh, segue a
ortodoxia chinesa do final dos
anos 40: guerra revolucionária
a partir da mobilização camponesa e nenhum compromisso
com proprietários. Os naxalitas
não tomam como exemplo os
maoístas nepaleses, que prometem a preservação e o estímulo da economia de mercado.
Outra exceção está nas Filipinas, onde o Novo Exército do
Povo, criado nos anos 60, declinou dos 25 mil clandestinos
que já possuiu no início dos
anos 80 e hoje, a exemplo das
Farc colombianas, arrecada dinheiro por extorsão ou seqüestros. Há ainda grupúsculos
maoístas desarmados na Ásia,
Bélgica e Alemanha.
A China e o Maio de 68
Mao Tsé-tung (1893-1976)
tem sido indiretamente evocado pelos 40 anos do Maio de
1968. Parte dos dirigentes do
movimento estudantil francês
era na época maoísta. Mas havia diferenças importantes entre a China de Mao e a percepção do maoísmo no Ocidente.
Em 1968 a China estava em
plena Revolução Cultural, desencadeada por Mao e por Lin
Piao para neutralizar os dirigentes que os criticavam pelo
desastre humanitário e econômico da política do Grande Salto Adiante (1958-1961), quando
até 20 milhões de chineses podem ter morrido de fome, em
razão da desorganização econômica provocada pela industrialização forçada e pela implantação de milhares de pequenas siderurgias no campo.
A Revolução Cultural trazia o
apelo de Mao para que os Guardas Vermelhos (jovens estudantes e camponeses) derrubassem a hierarquia tradicional do Partido Comunista e interviessem nas universidades,
estatais e unidades agrícolas.
Novo desastre. Foram mortos 38 mil dissidentes (o número é oficial), e o caos na produção agrícola matou por desnutrição outros 3 milhões, segundo estimativas conservadoras.
A versão edulcorada da Revolução Cultural nos movimentos
estudantis europeus e latino-americanos insistia na destruição das velhas estruturas burocráticas para a construção, sobre seus escombros, de uma espécie de socialismo libertário,
afastado do amarradíssimo e
opressivo modelo soviético.
É claro que não era bem essa
a história. Os partidos maoístas
da esquerda que partiram para
a luta armada (caso do PC do B,
no Brasil) foram ao menos mais
coerentes. Lutavam por uma
versão chinesa da ditadura do
proletariado, modelo essencialmente liberticida e oposto
ao romantismo da "imaginação
no poder" ou do "sejamos realistas: peçamos o impossível",
slogans charmosos dos estudantes da França.
No início dos anos 60 Mao se
afastou da União Soviética,
qualificada de "revisionista"
(volta sutil ao capitalismo). A
China desencadeou discussões
que provocaram a cisão de dezenas de partidos comunistas.
Mas os maoístas passaram a se
organizar como grupos bem
minoritários. As exceções à regra foram, na Europa, apenas a
Bélgica e a Albânia e, na Ásia, os
partidos do Japão, Indonésia,
Índia, Malásia, Tailândia, Birmânia e até Nova Zelândia.
Com a morte de Mao, a China
-já aliada dos americanos para
neutralizar o peso de Moscou-
inicia o primeiro ciclo de reformas econômicas sob a direção
de Deng Xiaoping. Abandona a
ortodoxia e deixa os maoístas
estrangeiros na orfandade. Por
uns tempos eles recorreram à
pequena Albânia, até que o ditador Enver Hoxha morresse,
em 1985, e se iniciasse o processo que terminou em 1991 com a
adoção da democracia.
A rigor, o maoísmo é hoje é
hoje um extenso cemitério de
siglas partidárias. Só na França,
a partir da Esquerda Proletária,
dos anos 60, proliferaram e depois morreram 15 pequenas organizações, a última delas em
1985. Subsistiu uma entidade
chamada Institut d'Études Levinassiennes (a partir do nome
de Benny Lévy, que morreu em
2003). Outros partidos comunistas, como o belga de língua
flamenga, têm no maoísmo
apenas uma referência histórica, mas não mais um modelo de
organização da sociedade ou de
tomada do poder.
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