São Paulo, domingo, 18 de maio de 2008

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Ásia é hoje último refúgio do maoísmo

Em via de extinção, ideologia que inspirou parte da geração de 68 ressurge revista com vitória eleitoral de ex-guerrilheiros no Nepal

Versão ortodoxa persiste na Índia e nas Filipinas, mas movimento que surgiu na China e suas siglas fenecem na Europa e América Latina


JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Dentro de dez dias se instalará a Assembléia Constituinte do Nepal, em que a ex-guerrilha maoísta será majoritária -ela venceu as eleições de 10 de abril- e instituirá o regime republicano. Pushpa Kamal Dahal, cognominado "Prachanda", líder do grupo comunista e futuro primeiro-ministro, disse terça-feira que enviou carta ao rei Gyanendra, pedindo para que ele desocupe de imediato o palácio de Narayanhity.
Partidários de Prachanda, segundo a mídia indiana, ameaçam processar o monarca virtualmente deposto por "ocupação não autorizada de um imóvel de propriedade oficial".
Esse bom-mocismo jurídico tem pouco a ver com a última vez em que um grupo maoísta assumiu o poder. Foi em 1975, no Camboja, quando Pol Pot matou de 750 mil a 1,7 milhão de compatriotas, antes de ser deposto, em 1979, em intervenção do Exército vietnamita.
O maoísmo é uma espécie política praticamente em extinção. Há pequenas exceções. A maior delas está na Índia. O Grupo Guerra do Povo, também conhecido por Naxalita, é qualificado pelo primeiro-ministro Manmohan Singh como "a única ameaça atual à nossa segurança interna". Segundo o "Financial Times", há dele militância clandestina em um quarto dos 600 distritos.
Mas o grupo, relativamente expressivo nas regiões de Orissa e Andhra Pradesh, segue a ortodoxia chinesa do final dos anos 40: guerra revolucionária a partir da mobilização camponesa e nenhum compromisso com proprietários. Os naxalitas não tomam como exemplo os maoístas nepaleses, que prometem a preservação e o estímulo da economia de mercado.
Outra exceção está nas Filipinas, onde o Novo Exército do Povo, criado nos anos 60, declinou dos 25 mil clandestinos que já possuiu no início dos anos 80 e hoje, a exemplo das Farc colombianas, arrecada dinheiro por extorsão ou seqüestros. Há ainda grupúsculos maoístas desarmados na Ásia, Bélgica e Alemanha.

A China e o Maio de 68
Mao Tsé-tung (1893-1976) tem sido indiretamente evocado pelos 40 anos do Maio de 1968. Parte dos dirigentes do movimento estudantil francês era na época maoísta. Mas havia diferenças importantes entre a China de Mao e a percepção do maoísmo no Ocidente.
Em 1968 a China estava em plena Revolução Cultural, desencadeada por Mao e por Lin Piao para neutralizar os dirigentes que os criticavam pelo desastre humanitário e econômico da política do Grande Salto Adiante (1958-1961), quando até 20 milhões de chineses podem ter morrido de fome, em razão da desorganização econômica provocada pela industrialização forçada e pela implantação de milhares de pequenas siderurgias no campo.
A Revolução Cultural trazia o apelo de Mao para que os Guardas Vermelhos (jovens estudantes e camponeses) derrubassem a hierarquia tradicional do Partido Comunista e interviessem nas universidades, estatais e unidades agrícolas.
Novo desastre. Foram mortos 38 mil dissidentes (o número é oficial), e o caos na produção agrícola matou por desnutrição outros 3 milhões, segundo estimativas conservadoras.
A versão edulcorada da Revolução Cultural nos movimentos estudantis europeus e latino-americanos insistia na destruição das velhas estruturas burocráticas para a construção, sobre seus escombros, de uma espécie de socialismo libertário, afastado do amarradíssimo e opressivo modelo soviético.
É claro que não era bem essa a história. Os partidos maoístas da esquerda que partiram para a luta armada (caso do PC do B, no Brasil) foram ao menos mais coerentes. Lutavam por uma versão chinesa da ditadura do proletariado, modelo essencialmente liberticida e oposto ao romantismo da "imaginação no poder" ou do "sejamos realistas: peçamos o impossível", slogans charmosos dos estudantes da França.
No início dos anos 60 Mao se afastou da União Soviética, qualificada de "revisionista" (volta sutil ao capitalismo). A China desencadeou discussões que provocaram a cisão de dezenas de partidos comunistas. Mas os maoístas passaram a se organizar como grupos bem minoritários. As exceções à regra foram, na Europa, apenas a Bélgica e a Albânia e, na Ásia, os partidos do Japão, Indonésia, Índia, Malásia, Tailândia, Birmânia e até Nova Zelândia.
Com a morte de Mao, a China -já aliada dos americanos para neutralizar o peso de Moscou- inicia o primeiro ciclo de reformas econômicas sob a direção de Deng Xiaoping. Abandona a ortodoxia e deixa os maoístas estrangeiros na orfandade. Por uns tempos eles recorreram à pequena Albânia, até que o ditador Enver Hoxha morresse, em 1985, e se iniciasse o processo que terminou em 1991 com a adoção da democracia.
A rigor, o maoísmo é hoje é hoje um extenso cemitério de siglas partidárias. Só na França, a partir da Esquerda Proletária, dos anos 60, proliferaram e depois morreram 15 pequenas organizações, a última delas em 1985. Subsistiu uma entidade chamada Institut d'Études Levinassiennes (a partir do nome de Benny Lévy, que morreu em 2003). Outros partidos comunistas, como o belga de língua flamenga, têm no maoísmo apenas uma referência histórica, mas não mais um modelo de organização da sociedade ou de tomada do poder.


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