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ARTIGO
Junta de Mianmar persevera no ostracismo
RENAUD EGRETEAU
DO "MONDE"
Nem a resposta nacionalista
da junta militar à catástrofe
que Mianmar acaba de sofrer
nem sua vontade de seguir uma
agenda política própria, ilustrada pelo não adiamento do referendo constitucional de 10 de
maio, deveriam surpreender.
Para muitos, essas atitudes parecem suicidas. Mas, pelo contrário, o regime militar dispõe
hoje de numerosas cartas que
permitirão que perdure e conduza como deseja a instauração
de uma democracia civil "disciplinada e próspera".
As duas grandes crises que a
junta militar que governa
Mianmar desde 1962 sofreu recentemente serviram para reforçar sua posição ante o mundo exterior. Nem os protestos
dos monges budistas em 2007
nem o desastre humanitário recente causado pelo ciclone
Nargis permitiram à comunidade internacional conquistar
vantagens ante a atitude xenófoba e inflexível dos generais.
Explorando com perfeição o
ostracismo, especialmente o
ocidental, do qual são vítimas
há duas décadas, os líderes se
protegem em uma máscara isolacionista cômoda, sempre que
a pressão externa se agrava.
Em segundo lugar, a prisão
domiciliar a que a líder da Liga
Nacional pela Democracia
(LND), Aung San Suu Kyi, está
submetida desde 2003 decapitou a oposição democrática.
Aprisionada entre o mutismo
forçado de sua única liderança
carismática, a retórica exagerada de ativistas exilados e radicais e uma repressão eficaz, a
oposição sofre de uma cruel ausência de renovação.
Minorias
Em terceiro lugar, a marginalização das minorias étnicas
-um terço da população de
Mianmar- assegura à junta
uma estabilidade que, embora
frágil, é necessária para manter
a forte centralização em torno
da etnia majoritária, os bamas.
Divididas em grupos rebeldes que lutam até o fim movidos pela honra (como os karen,
shan e naga) e grupos partidários de acordos de cessar-fogo
com a junta (kachin, mon, was),
as minorias estão afastadas dos
monges revoltosos, cuja base
de apoio é o coração étnico do
país, e isso sublinha a persistência de uma questão étnica
que solapa a situação de Mianmar desde a independência.
Em quarto lugar, um certo
equilíbrio de forças se mantém
no seio do Exército e da junta.
As rivalidades internas causaram fortes divisões nas últimas
duas décadas, mas não ameaçaram a unidade do regime. A
possibilidade de uma "revolução dos capitães" parece por
enquanto longe de factível e,
desde a chegada ao poder, a
junta conseguiu fazer prontamente seus expurgos.
Apoio chinês
Por fim, o regime atual dispõe, na China, de um apoio político essencial para o programa de transição proposto. Pequim está pronta a endossá-lo.
Frustrados com a atitude intransigente da junta, ao contrário do que pode supor o Ocidente, os chineses aconselharam aos generais que promovessem reformas econômicas,
que facilitariam ainda mais aos
chineses a penetração no país.
Com isso, o regime se vê em
posição favorável para aplicar
seu plano de transição política
gradual, sob controle do Exército. Os militares compreenderam que é de seu interesse promovê-la, antes que ela lhe seja
imposta do exterior.
O referendo de 10 de maio
marca uma nova etapa do processo, depois que o regime
criou uma convenção para propor os princípios de uma nova
Constituição, que o país espera
desde 1988, e cujo texto foi redigido por uma comissão indicada pelo regime.
O resultado deve colocar em
curso de adoção uma Carta que
instaurará um regime presidencialista "civil" no qual as
Forças Armadas continuarão
predominantes. Um quarto dos
assentos nos Legislativos nacional e estaduais serão de militares (e o resto será disputado
em eleições, em 2010).
O chefe de Estado deve ter 15
anos de experiência militar (o
que descarta Aung San Suu Kyi,
mas não os demais nomes da
LND), e os eleitos não poderão
estar "ligados" ao exterior por
casamento ou aliança nacional.
O texto conserva para o Exército o direito de retomar o poder em caso de ameaça à unidade ou integridade e de bloquear
emendas constitucionais.
A nova Constituição de
Mianmar, assim, parece imperfeita e pouco democrática, mas
é a única carta política disponível no momento. O país se dirige, dessa maneira, a uma "democracia disciplinada", nos
termos que a junta mesma define, que talvez venha a ser a primeira etapa de um longo percurso para a democracia real.
É necessário que o impulso
provenha do interior do regime, que a oposição repense sua
estratégia e que a comunidade
internacional aproveite essa
oportunidade e renuncie ao
isolamento do país, porque é
ela que paga o preço quando vê
fechadas as portas mesmo nos
casos em que deseja prestar assistência, como agora.
RENAUD EGRETEAU é pesquisador do Centro de
Estudos e de Pesquisas Internacionais, em Paris
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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