São Paulo, quarta-feira, 18 de junho de 2008

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Cristina cede e manda imposto ao Congresso

Aumento da taxação de exportações agrícolas fora decretado em março; debate no Legislativo era uma exigência de ruralistas

Produtores só decidem hoje se suspendem locaute; Néstor Kirchner afirma que movimento é extorsão e confirma ato pró-governo

ADRIANA KÜCHLER
DE BUENOS AIRES

A presidente da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, anunciou ontem, em pronunciamento pela TV, que irá enviar ao Congresso projeto de lei que regula o aumento de impostos sobre a exportação de grãos. O aumento, decretado em março, é o eixo da crise entre o governo e o setor agropecuário, que completa cem dias amanhã.
Cristina afirmou que, apesar de ter autoridade para estabelecer a regra, encaminhará o projeto ao Congresso para dar "maior institucionalidade" à medida. Até agora, o aumento das retenções era visto como assunto intocável pelo governo.
O governo tem maioria no Congresso -139 de 256 deputados e 42 dos 72 senadores-, mas o setor agropecuário acredita que poderá ganhar apoio de parte da base aliada e mudar ao menos alguns pontos da regulação diante do desgaste do governo nesta crise.
A medida continua em vigor até que o Congresso a analise. Representantes da oposição afirmaram irão pedir a suspensão da medida enquanto estiver em discussão pelas duas Casas.
Em nome dos legisladores de oposição, Ernesto Sanz, da União Cívica Radical, afirmou que esse é um triunfo de todos os cidadãos. "Mesmo que tarde, o projeto é bem-vindo e estamos dispostos a tratá-lo."
O envio do projeto ao Congresso era um pedido do setor agropecuário e da oposição desde 11 de março, quando o governo anunciou a medida como forma de garantir o preço e o abastecimento de produtos no mercado interno e de repartir os lucros do setor ruralista.

Reunião ruralista
A medida gerou, em pouco mais de três meses, quatro locautes agropecuários -o último deles iniciado no domingo e ainda ativo-, com bloqueios de estradas que levaram a desabastecimento de alimentos e combustíveis. Após o pronunciamento de Cristina, os líderes ruralistas anunciaram que manteriam o locaute até a noite de hoje e que às 15h anunciarão como segue o protesto.
O presidente da Federação Agrária de Entre Ríos, Alfredo de Angeli, lamentou a demora na decisão de enviar o projeto ao Congresso, que disse que agora "há esperança de uma resolução democrática" para o conflito. Afirmou que a discussão deve ser "urgente" e que acatará a lei quando aprovada.
Ainda ontem, o ex-presidente e atual dirigente máximo do Partido Justicialista (peronista), Néstor Kirchner, discursou em favor das retenções -sem as quais, segundo ele, voltariam o desemprego e os preços altos. "Se as retenções forem suspensas, perderemos tudo o que recuperamos nos últimos seis anos", afirmou.
As retenções representam 13% da arrecadação fiscal do governo argentino.
O ex-presidente, que quebrou ontem o jejum de entrevistas coletivas que durou todo o seu mandato (2003-2007), acusou o setor ruralista de extorsão e disse que não existe nenhum "poder bicéfalo", desqualificando as acusações de que ele governaria o país junto com Cristina.

Ato mantido
Kirchner, assim como Cristina, convocou um ato hoje, na praça de Maio, em Buenos Aires, em defesa do governo. O ato se opõe ao dia de protestos convocado pelo setor ruralista em todo o país. O governo recebeu vários pedidos de governadores e deputados aliados para que o evento fosse cancelado, para evitar polarização.
Cristina afirmou, no entanto, que o ato de hoje "não é dos peronistas, mas de todos os argentinos". Disse também estar aberta ao diálogo, desde que não se bloqueiem estradas e não haja desabastecimento.
Após o anúncio do envio do projeto ao Congresso, disse que pretende assim estimular a democracia e que, se há grupos que querem mudar o modelo econômico do país, "que criem um partido político e ganhem as próximas eleições".
A crise com o campo continuava ontem a provocar desabastecimento de combustíveis e falta de alimentos, como laticínios, azeite e farinhas, em mercados de todo o país.


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