São Paulo, sábado, 18 de junho de 2011

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CLÓVIS ROSSI

O exemplo que vem do frio


Islândia deu o calote e volta aos mercados; o mesmo remédio na Grécia pode ser até menos amargo do que a austeridade hoje em vigor

DEU ONTEM no "Financial Times", que não é exatamente um jornal de esquerda: "Islândia, o default não significa a morte". Default, como você sabe, significa calote em linguagem mais técnica.
O título refere-se ao lançamento de papéis, no valor de US$ 1 bilhão, pela Islândia, aquele país gelado que "foi colocado de joelhos em 2008 quando seus bancos entraram em colapso".
A Islândia deu o calote, mas nem por isso os mercados lhe dão as costas agora: o seguro contra calote que os papéis islandeses estão pagando é "várias vezes mais barato do que o equivalente para a dívida grega, irlandesa ou portuguesa".
A comparação não é acidental: Grécia, Irlanda e Portugal são os países cujo calote se tenta evitar à custa de maciças injeções de dinheiro por União Europeia, Banco Central Europeu e FMI (Fundo Monetário Internacional), ao mesmo tempo em que são forçados a engolir duros programas de ajuste, com todo o cortejo de retração econômica, desemprego, dor.
A receita não está funcionando, como constata até um homem de mercado, um desses gurus de investimento, chamado Mohamed El-Erian, em artigo também publicado no Financial Times: "Todos os indicadores econômicos, financeiros e sociais da economia da Grécia se deterioraram" desde a adoção desse receituário.
É bom lembrar que, ao contrário da Grécia, todos os indicadores econômicos, financeiros e sociais da Argentina melhoraram depois do calote de 2001. Não se trata de dizer que calote é um santo remédio. Não é. Também tem custos, mas é essencial deixar claro que "não significa a morte", como diz o jornal "Financial Times".
A resistência em aceitar alguma modalidade de reestruturação da dívida está pondo em risco a democracia, não necessariamente de morte, mas, no mínimo, de deslegitimação. Há uma nítida fratura entre governantes e governados, do que dá prova o fato de que 81% dos gregos acham que o país está adotando a direção errada, enquanto o primeiro-ministro George Papandreou insiste que é não apenas o caminho correto como o único.
Ontem, Papandreou convocou um homem, Evangelos Venizelos, tido como encantador de multidões, para assumir o Ministério de Finanças e, a partir desse púlpito, tentar convencer o público de que ele está errado e o governo está certo.
Antes, Venizelos tem que seduzir o próprio partido no governo, o Pasok, Partido Socialista Pan-Helênico: 35 de seus 155 deputados ameaçam juntar-se ao coro dos "aganaktismenoi", os indignados gregos, que se reúnem na praça Syntagma, o marco zero de Atenas, faz três semanas. Sem o voto desses 35, não será aprovado o novo pacote de austeridade, que tem que ir a votação até dia 29.
Rejeitado o pacote, tornar-se-á inescapável provar o amargo remédio do calote, eventualmente menos amargo do que a austeridade que vem sendo ministrada há mais de um ano.
Mesmo que venha a ser aprovado, ele não significa necessariamente o fim da crise. Afinal, como diz o "Financial Times", "um default agora parece inevitável, e procrastinação adicional só o tornará mais doloroso".

crossi@uol.com.br


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