São Paulo, terça-feira, 18 de julho de 2006

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Premiê libanês quer troca de prisioneiros com Israel

Fouad Siniora, que completa um ano no cargo, acusa Israel de "terrorismo duro"

Em entrevista ao francês "Le Monde", primeiro-ministro diz que EUA têm "amizade maior" com Israel e que negociará com Hizbollah

MOUNA NAIM
DO "MONDE"

O primeiro-ministro libanês, Fouad Siniora, completa amanhã um ano no cargo, em meio aos combates entre Israel e Hizbollah. Amigo e braço-direito do ex-premiê Rafik Hariri -morto em fevereiro deste ano em um atentado freqüentemente atribuído à Síria, que nega envolvimento-, Siniora, 63, foi também ministro da Economia (1992-1998 e 2000-2004). Em entrevista ao jornal "Le Monde", o premiê defende a troca de prisioneiros como uma demanda libanesa, e não restrita apenas ao grupo radical Hizbollah, que iniciou a atual crise ao seqüestrar dois soldados israelenses e matar oito. "Por que atribuí-la unicamente ao Hizbollah? Como eu poderia deixar de me preocupar com os libaneses detidos em prisões israelenses?", questiona. Também acusa Israel de terrorismo e diz que o Líbano não endossa as ações do Hizbollah, mas que "haverá contatos" com o grupo para um cessar-fogo.
 

PERGUNTA - No sexto dia da guerra que tem o Líbano como palco, o que o sr. pretende fazer?
FOUAD SINIORA
- Estamos procurando uma maneira de sair dessa situação pesada de destruição e tragédias. Buscamos um cessar-fogo imediato e total, para tratar as causas e conseqüências da captura de dois soldados israelenses (pelo Hizbollah, em 12 de julho) e resolver a situação dos libaneses detidos em Israel há 30 anos. Além disso, o Estado está determinado a estender sua autoridade para o território libanês em sua totalidade, com a ajuda da ONU e de todos os países irmãos e amigos, e, paralelamente, a buscar uma solução para todos os problemas que Israel se nega a solucionar e que são a origem das crises e das tensões.

PERGUNTA - Isso quer dizer que o sr. ratifica a exigência de troca de prisioneiros feita pelo Hizbollah?
SINIORA
- A libertação de detidos libaneses é uma reivindicação libanesa legítima. Por que atribuí-la unicamente ao Hizbollah? Como eu poderia deixar de me preocupar com os libaneses detidos em prisões israelenses? Quando exijo o fim das violações do espaço aéreo por Israel, isso significa que estou adotando o ponto de vista do Hizbollah? Israel diz que quer acabar com as armas do Hizbollah. Eu respondo a Israel: há uma maneira simples de conseguir isso -é achar uma solução para os problemas. Israel acusa os outros de terrorismo, sendo que pratica o terrorismo sob as formas mais duras. Israel cria problemas que conserva como chagas abertas, para fazer uso delas como meios de pressão. Quero falar dos libaneses que Israel mantém presos, das minas que plantou no sul do Líbano e cuja localização se nega a nos fornecer, apesar de dezenas de pessoas morrerem todos os anos e outras dezenas serem desfiguradas devido à explosão desses artefatos. Israel viola sistematicamente nosso espaço aéreo e nossas águas territoriais e continua a ocupar as Fazendas de Shebaa, um território libanês de 45 km2 que sabe que pertence ao Líbano. Como explicar tal comportamento, senão pelo desejo de manter um estado de tensão e de fazer pressão sobre o Líbano? A ausência de solução definitiva para esses problemas endêmicos favorece o extremismo. As soluções superficiais e rápidas apenas envenenam a situação ainda mais. Nós já dissemos e repetimos que não fomos avisados de antemão sobre a captura dos dois soldados israelenses, que não assumimos a responsabilidade por esse ato nem o endossamos. As mortes e a destruição que Israel vem cometendo em nome dos dois soldados capturados são aceitáveis? Hoje houve um massacre no povoado de Aitaroun e na cidade de Tiro. Ontem, o mesmo aconteceu nas localidades de Bayada e Mirouahine. Será que as vidas libanesas valem tão pouco?

PERGUNTA - O sr. poderia convencer o Hizbollah de sua posição? O sr. mantém contato com o grupo?
SINIORA
- Haverá contatos. Os contatos nunca foram interrompidos, e vamos continuar a trabalhar sem descanso, sobre a base de uma posição clara e transparente, mantendo em mente os interesses dos libaneses e dos árabes. Somos os responsáveis pela população libanesa e vamos nos esforçar para alcançar um cessar-fogo, a suspensão dos massacres e a interrupção da ação da máquina infernal israelense. Temos idéias claras, nossa determinação é incansável e defendemos uma causa justa.

PERGUNTA - Como o sr. avalia a responsabilidade dos capacetes azuis da Força Interina das Nações Unidas para o Líbano (Finul), que no sábado, 15 de julho, se negaram a receber em suas instalações os moradores do povoado de Mirouahine que, em sua fuga, foram mortos por um bombardeio israelense?
SINIORA
- Estamos investigando esse caso. Mas os representantes da ONU me disseram que o grupo de cidadãos assassinados pelos israelenses não foi aquele ao qual os capacetes azuis negaram abrigo, por falta de informações suficientes. Seja como for, não devemos nos enganar quanto aos culpados: a culpa é de Israel, que foi quem cometeu esse crime.

PERGUNTA - O Conselho de Segurança da ONU não conseguiu chegar a um acordo sobre um apelo por um cessar-fogo, devido em grande medida à atitude dos EUA, que, entretanto, dizem ser amigos do Líbano.
SINIORA
- Eles são nossos amigos, mas sua amizade por outros (Israel) é maior.

PERGUNTA - O que o sr. pensa da atitude da França?
SINIORA
- Falei com o primeiro-ministro (Dominique de Villepin) e com o ministro das Relações Exteriores (Philippe Douste-Blazy) e expus a eles nossas reivindicações legítimas. Apreciamos muito o apoio que a França nunca deixou de dar ao Líbano e a amizade da administração e do povo francês pelo povo do Líbano. Temos consciência dos esforços do presidente Chirac para ajudar o Líbano, que ele traz em sua mente ao lado da França. Estamos convencidos de que ele não vai poupar meios e oportunidades para dar apoio a nossas reivindicações.

PERGUNTA - Como ficou uma proposta israelense que teria sido transmitida ao sr. por seu colega italiano, Romano Prodi, e que preveria um cessar-fogo sob a condição de o Exército libanês deslocar homens para o sul do Líbano e de o Hizbollah retroceder seu contingente?
SINIORA
- Sejamos claros: Prodi, que é amigo de longa data do Líbano, simplesmente me transmitiu o teor de uma conversa que teve com Ehud Olmert. Não se tratou de uma proposta oficial.


Tradução de CLARA ALLAIN


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