São Paulo, domingo, 18 de julho de 2010

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MINHA HISTÓRIA ANTONIO VILLARREAL ACOSTA, 59

Sozinho e sem luz

(...)Um dia entraram na minha casa e me levaram (...) Não bebo nem rum, e agora faço tratamento psiquiátrico. Surtei (...) Cuba não vai mudar

RESUMO
Um dos sete presos políticos cubanos libertos e enviados à Espanha nesta semana, o economista e professor universitário Antonio Villarreal Acosta, 59, tem estado de saúde delicado. Preso em 2003, passou um ano e meio na solitária, período em que começou a sofrer transtornos psiquiátricos. Quando soube que seria solto, ficou tão emocionado que por quatro dias não se levantou da cama.

LUISA BELCHIOR
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE MADRI

Antes de qualquer atividade, sempre começávamos com uma canção que diz: "América imortal, fonte de luz, farol de liberdade. Suas fronteiras são traços de amor, de glória sem igual. Sempre serás a salvação, América imortal!".
Essa era nossa apresentação na Frente Democrática Independente (FDI), a organização que eu presidia, com mais de 2.000 membros. Todos clandestinos. Isso antes de ir preso. Me prenderam sem dizer nada e me separaram da minha mulher [Silvia Aguada Alfonso, 45] e da minha filha [Diana Villarreal, 13]. Enlouqueci, pode ver o atestado médico [do Hospital Nacional de Presidiários de Cuba com um diagnóstico de "transtornos psicológicos", como depressão e ansiedade, "com alto risco suicida"].
Na FDI, nós atendíamos as crianças [filhos de presos políticos], dávamos assistência. Não aceitávamos membros que não fossem casados, porque acreditamos muito em Deus, não importa como o chamem. Quando alguém [preso] adoecia, buscávamos os medicamentos. Quando alguém fazia aniversário, sobretudo as Damas [de Branco, grupo de mulheres familiares dos dissidentes], comprávamos flores e as levávamos para passear no parque.
E a nossa aspiração era a aprovação [por Cuba] dos 30 artigos que a Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovou em 30 de dezembro de 1948, em Genebra, Suíça.
Minha mãe dizia que se eu tivesse seguido a carreira eclesiástica, teria chegado a bispo ou arcebispo, e meu pai, que poderia chegar a coronel ou a general. Mas eu escolhi ser defensor dos direitos humanos. Como slogan, tenho o de que, quando minhas feridas estiverem cicatrizadas, alguém pagará por ter me ferido. Sim, porque pode-se esquecer com quem se riu, mas é muito difícil esquecer com quem se chorou.

PRIVAÇÃO
Um dia [23 de abril de 2003], vários carros com muitas pessoas pararam na porta de casa. Não me deram nenhuma explicação e me levaram. No Departamento de Segurança do Estado, queriam que eu reconhecesse que havia potências como os EUA por trás do meu trabalho, o que não era verdade. Por isso me condenaram a 15 anos de privação de liberdade.
Me puseram numa cela de castigo, uma cela solitária e sem nenhuma iluminação. Sem luz, e eu sozinho. Era um breu. Passei um ano e meio lá. Chamava-se assim: Regime Especial Boniatico, em Santiago de Cuba. As visitas eram a cada três meses, por duas horas. Depois, me levaram para um presídio em Santa Clara. Não sei o porquê, nunca me explicaram nada. Aí era o contrário: era muita gente, muitos bandidos. Passei cinco anos lá.

NEM RUM
Antes de entrar na prisão, não tomava nem aspirina. Não bebo nada de álcool. Nem rum. E, agora, faço tratamento psiquiátrico. Acho que fiquei assim pela agonia de estar longe da família e rodeado de pessoas que cometeram vários delitos. Eu surtei, e até hoje tomo muitos medicamentos.
Mas comecei a ficar mal em Santiago, acho que por estar sozinho o dia todo e sem luz. Tive muitas crises, e várias vezes fui transferido para o sanatório. Lá era um lugar mais digno, mais humano. Eu podia tomar banho todos os dias, usar pijama, ver TV, tinha cama individual. Ficava lá duas, três semanas e me mandavam de volta, o que era terrível. Voltava para a realidade.

ENAMORADO
O pessoal da igreja já tinha me comunicado da possibilidade de vir à Espanha. Fiquei tão emocionado que passei quatro dias sem sair da cama. No caminho para o aeroporto, nos deixaram separados, não via ninguém. Quando entrei no avião, vi minha mulher e me senti enamorado dela. E da minha filha.
Aqui em Madri está bem, mas é tudo muito diferente. E não temos nada certo, não sabemos de nada. Vou tentar continuar a luta daqui. Sei que é difícil, mas já estou em contato com organizações aqui da Espanha. E seguirei.
Não acho que vai haver nenhuma mudança em Cuba. Isso [a libertação] foi só por uma pressão internacional. Cuba não vai mudar.


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