São Paulo, sábado, 18 de agosto de 2007

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Demora na ajuda revolta vítimas de tremor

Desabrigados e com fome, peruanos afetados por terremoto saqueiam mercados em Pisco; cadáveres são velados na rua

Cidade ao sul de Lima, que parece ter sofrido bombardeio, foi abalada por novo tremor ontem, de 6 graus na escala Richter

RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL A PISCO (PERU)

Famílias inteiras velam corpos de parentes à beira da estrada que vai de Chincha a Pisco, no departamento de Ica, a região mais afetada pelo terremoto de 8 graus na escala Richter que, na noite de quarta-feira, devastou o sul do Peru. De crianças recém-nascidas a idosos, eles passam a madrugada ao relento.
Só os cadáveres, parte do total de 510 mortos estimados pelo Corpo de Bombeiros peruano, são acompanhados por velas. Os feridos são cerca de 1.500, 400 dos quais já haviam sido levados ontem para a capital, Lima, a fim de serem mais bem atendidos.
Ninguém consegue dormir, sob temperatura de 9º C e sensação térmica ainda mais fria por causa dos ventos que chegam do oceano Pacífico, a apenas 4 km de distância. Há pouquíssimas barracas ou cobertores para os desabrigados. Faltam alimentos e toda a região está sem luz e água desde a noite de quarta-feira.
O repórter da Folha é cercado por diversos grupos, que pedem água e que imploram por comida. "O senhor é a primeira pessoa a surgir aqui em 36 horas. É a segunda noite que passamos no frio; não vimos nenhum médico, bombeiro ou policial, ninguém do governo", diz aos prantos Javier Guzmán, que é agricultor temporário em chácaras da região. Ele vela seu filho Francisco, 17, que morreu na escola em que estudava, quando uma viga o atingiu por causa do tremor.
A dona de casa Marianela Rodríguez faz parte do mesmo grupo. Preparava o jantar da quarta-feira quando o tremor fez as paredes da casa racharem. Os móveis e a televisão foram ao chão, tudo se mexeu.

Tremores secundários
"Na hora não dá para correr, você fica paralisado. Só ao final desse minuto, o mais longo da minha vida, corri com meus filhos para fora e não voltei mais", diz Marianela. Sua casa em Pisco foi destruída.
E o medo a persegue, na forma de "réplicas", os tremores de menor duração e intensidade que se repetem após o grande terremoto de 8 graus. Foram seis réplicas durante a madrugada. Por causa delas, nenhum ginásio em Pisco serve de grande abrigo -um modesto estádio municipal é rejeitado pelos moradores, que temem que ele também desabe.
A reportagem da Folha experimentou um desses tremores, de magnitude 6, às 8h15, pouco depois da chegada a Pisco. Durou poucos segundos, mas o chão - no caso, o asfalto - parece se abrir. Uma multidão corre para qualquer lado, atropelando-se durante esses segundos, com medo de que o pouco que ainda ficou em pé na cidade soterre a todos.
Os poucos armazéns que não foram completamente destruídos na cidade são invadidos por famílias inteiras. Caminhões que chegam com donativos são brecados por dezenas de pessoas, que tentam roubar primeiramente garrafas de água. O instinto de sobrevivência transforma até donas-de-casa em saqueadoras.
No fim da tarde, policiais começaram a vir de fora da cidade para combater os saques.
Cerca de 400 presidiários fugiram da cadeia municipal por uma parede rachada e houve um tiroteio com a polícia. Vizinhos dizem que eles começaram os saques. Os presidiários também estão famintos.
Mais de 80% de Pisco, com 130 mil habitantes, foi arrasada pelo terremoto. Três igrejas desmoronaram durante o terremoto -uma delas no momento em que se celebrava uma missa de um mês de falecimento de uma personalidade local. As quase 300 pessoas presentes foram soterradas. Há reproduções da Santa Ceia e do Coração de Jesus, dessas comuns nas casas mais humildes, por todos os lados. As casas parecem de papelão; só algumas fachadas estão em pé. Pisco parece ter sido bombardeada.

"Ninguém morrerá"
No coração da cidade, na histórica Praça de Armas, um caminhão do Exército distribui garrafões de água e uma fila de centenas de pessoas se forma.
O presidente do Peru, Alan García, que instalou-se desde anteontem em Pisco, afirmou que "ninguém morrerá de sede e fome, isso nós garantimos".
No meio da praça, acontece o reconhecimento de mais cadáveres. Médicos levantam os sacos pretos que cobrem os corpos na altura do rosto para familiares que gritam e choram de desespero. Os mortos, assim como os vivos, estão completamente cobertos de pó. Os bombeiros e os soldados parecem tão atônitos quanto os desesperados moradores de Pisco.
Água potável, comida e remédios têm sido as principais solicitações de ajuda do governo peruano à comunidade internacional. Além da ajuda mandada por diversos países e entidades internacionais, a ONU começou a desbloquear cerca de US$ 150 milhões em fundos para assistência ao Peru.


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