|
Próximo Texto | Índice
Demora na ajuda revolta vítimas de tremor
Desabrigados e com fome, peruanos afetados por terremoto saqueiam mercados em Pisco; cadáveres são velados na rua
Cidade ao sul de Lima,
que parece ter sofrido bombardeio, foi abalada por novo tremor ontem, de 6 graus na escala Richter
RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL A PISCO (PERU)
Famílias inteiras velam corpos de parentes à beira da estrada que vai de Chincha a Pisco, no departamento de Ica, a
região mais afetada pelo terremoto de 8 graus na escala Richter que, na noite de quarta-feira, devastou o sul do Peru. De
crianças recém-nascidas a idosos, eles passam a madrugada
ao relento.
Só os cadáveres, parte do total de 510 mortos estimados pelo Corpo de Bombeiros peruano, são acompanhados por velas. Os feridos são cerca de
1.500, 400 dos quais já haviam
sido levados ontem para a capital, Lima, a fim de serem mais
bem atendidos.
Ninguém consegue dormir,
sob temperatura de 9º C e sensação térmica ainda mais fria
por causa dos ventos que chegam do oceano Pacífico, a apenas 4 km de distância. Há pouquíssimas barracas ou cobertores para os desabrigados. Faltam alimentos e toda a região
está sem luz e água desde a noite de quarta-feira.
O repórter da Folha é cercado por diversos grupos, que pedem água e que imploram por
comida. "O senhor é a primeira
pessoa a surgir aqui em 36 horas. É a segunda noite que passamos no frio; não vimos nenhum médico, bombeiro ou
policial, ninguém do governo",
diz aos prantos Javier Guzmán,
que é agricultor temporário em
chácaras da região. Ele vela seu
filho Francisco, 17, que morreu
na escola em que estudava,
quando uma viga o atingiu por
causa do tremor.
A dona de casa Marianela
Rodríguez faz parte do mesmo
grupo. Preparava o jantar da
quarta-feira quando o tremor
fez as paredes da casa racharem. Os móveis e a televisão foram ao chão, tudo se mexeu.
Tremores secundários
"Na hora não dá para correr,
você fica paralisado. Só ao final
desse minuto, o mais longo da
minha vida, corri com meus filhos para fora e não voltei
mais", diz Marianela. Sua casa
em Pisco foi destruída.
E o medo a persegue, na forma de "réplicas", os tremores
de menor duração e intensidade que se repetem após o grande terremoto de 8 graus. Foram
seis réplicas durante a madrugada. Por causa delas, nenhum
ginásio em Pisco serve de grande abrigo -um modesto estádio municipal é rejeitado pelos
moradores, que temem que ele
também desabe.
A reportagem da Folha experimentou um desses tremores,
de magnitude 6, às 8h15, pouco
depois da chegada a Pisco. Durou poucos segundos, mas o
chão - no caso, o asfalto - parece se abrir. Uma multidão
corre para qualquer lado, atropelando-se durante esses segundos, com medo de que o
pouco que ainda ficou em pé na
cidade soterre a todos.
Os poucos armazéns que não
foram completamente destruídos na cidade são invadidos por
famílias inteiras. Caminhões
que chegam com donativos são
brecados por dezenas de pessoas, que tentam roubar primeiramente garrafas de água.
O instinto de sobrevivência
transforma até donas-de-casa
em saqueadoras.
No fim da tarde, policiais começaram a vir de fora da cidade
para combater os saques.
Cerca de 400 presidiários fugiram da cadeia municipal por
uma parede rachada e houve
um tiroteio com a polícia. Vizinhos dizem que eles começaram os saques. Os presidiários
também estão famintos.
Mais de 80% de Pisco, com
130 mil habitantes, foi arrasada
pelo terremoto. Três igrejas
desmoronaram durante o terremoto -uma delas no momento em que se celebrava
uma missa de um mês de falecimento de uma personalidade
local. As quase 300 pessoas
presentes foram soterradas. Há
reproduções da Santa Ceia e do
Coração de Jesus, dessas comuns nas casas mais humildes,
por todos os lados. As casas parecem de papelão; só algumas
fachadas estão em pé. Pisco parece ter sido bombardeada.
"Ninguém morrerá"
No coração da cidade, na histórica Praça de Armas, um caminhão do Exército distribui
garrafões de água e uma fila de
centenas de pessoas se forma.
O presidente do Peru, Alan
García, que instalou-se desde
anteontem em Pisco, afirmou
que "ninguém morrerá de sede
e fome, isso nós garantimos".
No meio da praça, acontece o
reconhecimento de mais cadáveres. Médicos levantam os sacos pretos que cobrem os corpos na altura do rosto para familiares que gritam e choram
de desespero. Os mortos, assim
como os vivos, estão completamente cobertos de pó. Os bombeiros e os soldados parecem
tão atônitos quanto os desesperados moradores de Pisco.
Água potável, comida e remédios têm sido as principais solicitações de ajuda do governo
peruano à comunidade internacional. Além da ajuda mandada por diversos países e entidades internacionais, a ONU
começou a desbloquear cerca
de US$ 150 milhões em fundos
para assistência ao Peru.
Próximo Texto: Frases Índice
|