São Paulo, terça-feira, 18 de agosto de 2009

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Presidente afegão repatria senhor da guerra

Medida era exigida por aliados de general, que em troca prometem votar em Karzai na eleição de quinta; apoio pode ser crucial

No comício de encerramento da campanha, principal candidato da oposição ameaça com protestos caso não haja segundo turno


Igor Gielow/Folha Imagem
Afegãos assistem a comício de encerramento de campanha de Abdullah Abdullah, principal adversário do presidente Hamid Karzai na eleição de quinta-feira

IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A CABUL

A campanha eleitoral no Afeganistão, que vai às urnas depois de amanhã, acabou ontem de forma polêmica: para atrair votos da minoria uzbeque, o presidente Hamid Karzai permitiu a volta ao país do acusado de crimes de guerra Abdul Rashid Dostum. Enquanto isso, seu principal adversário, Abdullah Abdullah, fez um grande comício e ameaçou com protestos ao estilo iraniano caso "não seja feita a vontade do povo".
O general Dostum, que serviu a soviéticos e a anticomunistas desde 1978, estava no exílio na Turquia desde o ano passado. Na condição mais cerimonial de comandante em chefe do Exército afegão, ele mandou que seus homens sequestrassem um rival uzbeque em fevereiro de 2008.
Esse é o menor dos crimes atribuídos a Dostum, acusado por entidades pró-direitos humanos de comandar massacres de centenas de militantes presos do Taleban em Mazar-e-Sharif em 2001.
Mas realpolitik à afegã é isso. Karzai tem hoje, segundo pesquisas americanas, pouco menos do que o que precisa para vencer a eleição no primeiro turno, na quinta-feira. Para isso, o apoio que Dostum já declarou ontem pode ser decisivo.
Os uzbeques são aproximadamente 10% da população afegã, e, segundo a Comissão Eleitoral Independente, esse foi o percentual que Dostum obteve na eleição presidencial de 2004, vencida por Karzai.
Há duas semanas, líderes uzbeques afirmaram que boicotariam o pleito se Dostum não voltasse. Com o chefe de volta, votariam em Karzai. Dito e feito, e está realizada a transposição do feudalismo dos senhores da guerra ao palanque eleitoral do século 21.
Já Abdullah, que tem cerca de 25% segundo duas pesquisas americanas feitas na semana passada, fez um comício para cerca de 20 mil pessoas no estádio de Cabul ontem.
"O povo afegão não vai aceitar se algo for feito para deter essa enxurrada, algo ficar na frente da vontade do povo."
Em tradução livre, ameaçou com protestos pós-eleitorais como os que aconteceram no Irã após a reeleição de Mahmoud Ahmadinejad, em junho -deixando de lado a ironia de que ele é o candidato apoiado por Teerã. A Inteligência afegã já disse preparar-se para esse cenário.
O problema é que Abdullah acredita que qualquer resultado que não seja o segundo turno implica fraude, e haverá poucos meios de se dizer se ele está certo ou errado, já que a maioria dos 250 mil observadores do pleito afegão são ligados a candidatos. Resta saber se Karzai irá tentar compor também nesse caso, o que Abdullah rejeita oficialmente.
O comício em si, acompanhado pela Folha, foi apoteótico. Por volta das 7h30, o antigo palco de execuções rituais do Taleban já tinha uma boa ocupação. Às 9h, os portões das arquibancadas foram abertos, e o gramado, invadido.
A estimativa de presença, naturalmente, não é científica e tem por base testemunho de eventos semelhantes. Os organizadores falaram em 50 mil pessoas, claro exagero.
Na plateia, tão presentes quanto imagens de Abdullah estavam fotos do seu mentor espiritual, Ahmad Shah Massoud. Esse mujahid foi o último comandante a resistir ao Taleban, sendo morto antes do 11 de Setembro e convenientemente levado à condição de ícone nacional por Karzai.
Abdullah era próximo dele e cuidava das relações exteriores de seu grupo, a Aliança do Norte. Seu outdoor está no estádio, assim como um de Karzai, que foi parcialmente rasgado pelos apoiadores de Abdullah.
O candidato falou das 10h05 às 10h35. Houve muita confusão na tribuna de honra que ocupou, com seguranças armados até os dentes tentando afastar jornalistas e abrir uma rota de evacuação. Uma porta de vidro se quebrou, mas ninguém se feriu.
Depois de um pouco de pop afegão nos alto-falantes, um grupo de cantores folclóricos e a tradicional oração muçulmana, Abdullah chamou Karzai de amigo de traficantes, matadores e mafiosos.
Não falou uma palavra sobre Taleban ou EUA, mas a plateia quase histérica parece não ter notado. No final, pães e refrigerante esperavam os que haviam sido trazidos por ônibus.
Mulheres, em número que não chegava a 50, ficaram sentadas em um pedaço coberto da arquibancada. A área reservada quase foi invadida pelos apoiadores que estavam no campo, mas a segurança armada com rifles Kalashnikov segurou os grupos. A saída parecia a de um jogo confuso, com a diferença que aqui e ali havia gente armada. Parece um milagre logístico ninguém ter se ferido.


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