|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Ex-ministro é 3º em pesquisa com campanha mambembe
QG da campanha de Ramazan Bashardost é loja em ruínas com "gato" de eletricidade
Dono de doutorado em direito, candidato, que vive numa tenda desde 2002, usa US$ 100 do salário de deputado e distribui o resto
DO ENVIADO A CABUL
Numa loja em ruínas, três celulares com carregadores espetados num "gato" que vem de
fora do prédio não param de tocar. O ajudante espanta as moscas e pede ajuda ao operador de
um computador coberto de
poeira para atendê-los.
Essa é a rotina dos assistentes de Ramazan Bashardost, 44,
o grande outsider da eleição
presidencial afegã.
"Desde que saiu a pesquisa
que o põe em terceiro [com 9%
das intenções de voto], todos os
ocidentais querem conhecê-lo", diz um dos assistentes.
"Para mim, essa pesquisa é
uma mentira. Paga pelo Instituto Republicano Internacional? Karzai não é líder, Abdullah não tem todos os votos tadjiques. Isso é interferência estrangeira. Eu vou ganhar", declara o candidato à Folha ao receber a reportagem em sua
tenda ontem.
Pois é, tenda. Desde que voltou ao Afeganistão em 2002,
após 19 anos de exílio na França, Bashardost vive em uma
tenda anexa à ruína que lhe
serve de QG de campanha na
capital Cabul. O local funciona
também como seu escritório
particular, que ontem à tarde
foi visitado por mais de 20 jornalistas estrangeiros.
Ele nega que o franciscanismo seja só populismo. "Eu não
preciso de nada para servir
meu país", diz ele, que tem
doutorado em direito.
Entre 2004 e 2005, ele foi
ministro do Planejamento do
governo de Hamid Karzai. Ganhava US$ 2.000, e todo mês
distribuía todo o dinheiro, exceto o equivalente a US$ 100, a
seus funcionários.
Hoje diz fazer o mesmo com
o salário de deputado, de valor
semelhante.
Bashardost saiu do governo
criticando a corrupção e principalmente o papel das ONGs
estrangeiras no país. "São drenos de dinheiro", afirma.
Ele faz campanha em um táxi caindo aos pedaços. As doações são basicamente de comerciantes locais e estão detalhadas na internet.
Como o personagem mítico
da literatura persa mulá Nassreddin, que encarna a sabedoria popular com um toque de
utopia visionária e malandragem, Bashardost é encarado
nos mercados de Cabul como
uma espécie de "voz do povo".
"Ele diz o que ninguém mais
tem coragem", afirma o motorista Hanif.
Parte dessa empatia decorre
do fato de Bashardost ser hazara, a minoria étnica afegã que é
considerada o estrato social
mais baixo do país.
No debate de anteontem
com Karzai e o ocidentalizado
Ashraf Ghani, Bashardost soltou o verbo.
"Perguntei se não é uso da
máquina ter mil seguranças
num comício em Herat. Eu dispensei os 20 guardas que a lei
me dá direito e nunca me senti
intimidado", afirmou.
Bashardost nega que sua origem étnica seja fator positivo
ou negativo. "Eu fui o terceiro
deputado mais votado de Cabul
em 2006. Tive votos de todos,
talvez menos dos hazaras. Até
há uns três anos, ninguém falaria que um negro estaria na Casa Branca, era impossível."
Sobre os EUA, Bashardost é
ácido: "Os funcionários do serviço diplomático são ou corruptos, ligados às empresas
que lucram aqui, ou ignorantes, que acreditam efetivamente que o Afeganistão está no
mesmo estágio em que estava
há 30 anos", afirma.
E quanto ao futuro, se for
eleito? "Se as tropas estrangeiras fizerem o bem, nos ajudarem a construir o país, podem
ficar à vontade. Se não, devem
sair. Mas o maior problema do
país é a insegurança, e é preciso
uma corte de Justiça para todos os criminosos de guerra, os
que estão no Taleban, os que
estão no governo e os que estão
na oposição."
Não por acaso, o símbolo de
sua candidatura é uma pomba
-no Afeganistão, como no Paquistão, os candidatos e partidos têm símbolos fáceis para
atingir o eleitorado iletrado.
Poderia ser um burro, companheiro inseparável do mulá
Nassereddin em suas andanças.
(IGOR GIELOW)
Texto Anterior: Taleban: Grupo nega em nota ter aceitado trégua eleitoral com Cabul Próximo Texto: Irã: Teerã fecha jornal e reprime manifestantes Índice
|