São Paulo, terça-feira, 18 de agosto de 2009

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Ex-ministro é 3º em pesquisa com campanha mambembe

QG da campanha de Ramazan Bashardost é loja em ruínas com "gato" de eletricidade

Dono de doutorado em direito, candidato, que vive numa tenda desde 2002, usa US$ 100 do salário de deputado e distribui o resto


DO ENVIADO A CABUL

Numa loja em ruínas, três celulares com carregadores espetados num "gato" que vem de fora do prédio não param de tocar. O ajudante espanta as moscas e pede ajuda ao operador de um computador coberto de poeira para atendê-los.
Essa é a rotina dos assistentes de Ramazan Bashardost, 44, o grande outsider da eleição presidencial afegã.
"Desde que saiu a pesquisa que o põe em terceiro [com 9% das intenções de voto], todos os ocidentais querem conhecê-lo", diz um dos assistentes.
"Para mim, essa pesquisa é uma mentira. Paga pelo Instituto Republicano Internacional? Karzai não é líder, Abdullah não tem todos os votos tadjiques. Isso é interferência estrangeira. Eu vou ganhar", declara o candidato à Folha ao receber a reportagem em sua tenda ontem.
Pois é, tenda. Desde que voltou ao Afeganistão em 2002, após 19 anos de exílio na França, Bashardost vive em uma tenda anexa à ruína que lhe serve de QG de campanha na capital Cabul. O local funciona também como seu escritório particular, que ontem à tarde foi visitado por mais de 20 jornalistas estrangeiros.
Ele nega que o franciscanismo seja só populismo. "Eu não preciso de nada para servir meu país", diz ele, que tem doutorado em direito.
Entre 2004 e 2005, ele foi ministro do Planejamento do governo de Hamid Karzai. Ganhava US$ 2.000, e todo mês distribuía todo o dinheiro, exceto o equivalente a US$ 100, a seus funcionários.
Hoje diz fazer o mesmo com o salário de deputado, de valor semelhante.
Bashardost saiu do governo criticando a corrupção e principalmente o papel das ONGs estrangeiras no país. "São drenos de dinheiro", afirma.
Ele faz campanha em um táxi caindo aos pedaços. As doações são basicamente de comerciantes locais e estão detalhadas na internet.
Como o personagem mítico da literatura persa mulá Nassreddin, que encarna a sabedoria popular com um toque de utopia visionária e malandragem, Bashardost é encarado nos mercados de Cabul como uma espécie de "voz do povo". "Ele diz o que ninguém mais tem coragem", afirma o motorista Hanif.
Parte dessa empatia decorre do fato de Bashardost ser hazara, a minoria étnica afegã que é considerada o estrato social mais baixo do país.
No debate de anteontem com Karzai e o ocidentalizado Ashraf Ghani, Bashardost soltou o verbo.
"Perguntei se não é uso da máquina ter mil seguranças num comício em Herat. Eu dispensei os 20 guardas que a lei me dá direito e nunca me senti intimidado", afirmou.
Bashardost nega que sua origem étnica seja fator positivo ou negativo. "Eu fui o terceiro deputado mais votado de Cabul em 2006. Tive votos de todos, talvez menos dos hazaras. Até há uns três anos, ninguém falaria que um negro estaria na Casa Branca, era impossível."
Sobre os EUA, Bashardost é ácido: "Os funcionários do serviço diplomático são ou corruptos, ligados às empresas que lucram aqui, ou ignorantes, que acreditam efetivamente que o Afeganistão está no mesmo estágio em que estava há 30 anos", afirma.
E quanto ao futuro, se for eleito? "Se as tropas estrangeiras fizerem o bem, nos ajudarem a construir o país, podem ficar à vontade. Se não, devem sair. Mas o maior problema do país é a insegurança, e é preciso uma corte de Justiça para todos os criminosos de guerra, os que estão no Taleban, os que estão no governo e os que estão na oposição."
Não por acaso, o símbolo de sua candidatura é uma pomba -no Afeganistão, como no Paquistão, os candidatos e partidos têm símbolos fáceis para atingir o eleitorado iletrado.
Poderia ser um burro, companheiro inseparável do mulá Nassereddin em suas andanças. (IGOR GIELOW)


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