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Calderón vê Brasil como alternativa a dependência dos EUA
Em entrevista à Folha, presidente mexicano culpa relação estreita com vizinho por queda expressiva no PIB de seu país
Mandatário diz que não aceitaria presença militar americana no México e vê como "razoável" receio
com bases na Colômbia
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA
Ao apontar a excessiva dependência dos EUA como causa número um para a crise que
pode levar o México a uma queda de 7% a 8% do PIB neste ano,
o presidente mexicano, Felipe
Calderón, deu algumas estocadas no país vizinho e defendeu
a "diversificação" política, comercial e diplomática do México em direção à América do Sul.
Segundo disse à Folha, setores americanos acusam o México injustificadamente na área
de direitos humanos, não controlam o consumo interno de
drogas e extrapolam os níveis
mexicanos reais de violência.
Numa comparação direta
com a Colômbia, disse: "Nunca
admitimos nem admitiremos
atividades militares, de nenhum tipo, dos americanos em
nosso território".
Seguem os principais trechos
da entrevista de Calderón, que
completa 47 anos hoje:
FOLHA - O sr. citou a dependência
dos EUA como o principal motivo
para a gravidade da crise econômica
no México. Que lições ficam para o
México e para os países da América
Latina?
FELIPE CALDERÓN - Para nós, o
que houve referendou o que já
sabíamos fazia tempo, que precisávamos diminuir a dependência excessiva de uma só economia. Por isso, buscamos diversificar os investimentos e as
exportações mexicanas, como
já vínhamos fazendo desde os
dois primeiros anos do meu governo. Pela primeira vez em décadas, os investimentos estrangeiros provenientes de outras
fontes que não os EUA foram
maiores do que os investimentos americanos. Só conseguimos, porém, reduzir as exportações de 91% para 83%, o que é
evidentemente insuficiente.
Temos de buscar outros mercados e outras vinculações econômicas muito mais ativas fora da
região dos EUA.
FOLHA - Isso significa também
uma diversificação política e estratégica com a América do Sul e com o
Brasil, particularmente?
CALDERÓN - Evidentemente.
Um dos objetivos centrais desta minha visita é estreitar as relações com o Brasil. Se fizermos
uma aliança sólida no econômico, no político, no diplomático,
vamos gerar enormes benefícios às nossas populações e
também maior possibilidade de
ação positiva na região.
FOLHA - Setores no Congresso dos
EUA querem condicionar o repasse
de ajuda ao México para a luta contra o narcotráfico ao cumprimento
de certas condições em matéria de
direitos humanos pelos militares
mexicanos -tema de denúncias de
várias ONGs dentro e fora do país. O
sr. está disposto a cumpri-las?
CALDERÓN - É muito curioso como os americanos não decidem
se um detido pela CIA, levado
quase ao ponto da asfixia, foi
submetido a tortura ou não...
Enquanto discutem isso, ficam
procurando a quem acusar de
violação de direitos humanos.
Nós aceitamos todos os parâmetros de respeito aos direitos
humanos do mundo, todos. Enquanto nossos policiais são decapitados, têm de bater na porta cada vez que vão prender alguém. Quando acontece uma
violação, e ela pode acontecer
em uma luta tão dura, a orientação é que se investigue e se
castigue.
FOLHA - São possíveis operações
conjuntas dos EUA com o México
contra o narcotráfico, como acontece na Colômbia?
CALDERÓN - Nunca admitimos
nem admitiremos atividades
militares, de nenhum tipo, dos
americanos em nosso território. Não podemos esquecer que
o México é a fronteira dos EUA
com América Latina, uma fronteira que estamos defendendo
com dignidade há séculos.
Respeito a decisão da Colômbia, mas não creio que seja um
modelo, pelo menos para o México. O que exigimos dos americanos é parar o tráfico de armas
e reduzir o consumo de drogas
lá com políticas ativas. De dois
anos para cá, a cocaína lá custa
mais que o dobro, com 40%
menos de qualidade, de pureza.
Mas isso não foi acompanhado
por uma queda de consumo lá
ou por políticas de prevenção
adequadas.
FOLHA - O sr. concorda então com
a preocupação do Brasil e de outros
países da região com o uso de bases
colombianas por militares dos EUA?
CALDERÓN - Parece-me uma
preocupação razoável, e creio
que a Colômbia deveria estabelecer mecanismos que garantam que sua política de segurança democrática, incluindo a
cooperação que tem dos EUA,
não represente perigo nem
ameaça para nenhum dos países vizinhos.
FOLHA - O governo brasileiro considerou "inquietante" o fato de o
avião que sequestrou o presidente
Manuel Zelaya ter feito um pouso
numa base americana antes de sair
de Honduras. E o sr., o que acha?
CALDERÓN - Falei várias vezes
com o presidente Zelaya, no dia
do golpe, inclusive, e ele nunca
mencionou isso. Mas evidentemente há uma preocupação legítima com o estabelecimento
de bases americanas como tais
para qualquer país, e nós não as
aceitamos.
FOLHA - E o outro lado? Como o sr.
vê a aproximação da Venezuela
com o Irã e a Rússia?
CALDERÓN - Temos de ter parâmetros homogêneos de defesa
regional. Tão ruins quanto operações militares dos EUA nos
nossos territórios são operações navais russas ou operações iranianas nos nossos territórios. Creio que é preciso evitar uma miniescalada armamentista na região que só vai
empobrecer ainda mais nossos
países, só vai tencionar mais as
relações entre nós.
FOLHA - Obama dá a devida atenção à América Latina?
CALDERÓN - Há uma mudança
muito refrescante na política
exterior americana, e me parece que Obama tem uma firme
intenção de estar mais próximo
e de assumir mais corresponsabilidades em relação à América
Latina.
FOLHA - O México apoia o Brasil na
busca por um assento no Conselho
de Segurança da ONU?
CALDERÓN - Nós integramos um
grupo de amigos pela reforma
da ONU. Conhecemos o ponto
defendido pelo o Brasil, que
respeitamos, mas nos parece
que o sentido da reforma do CS
deve ir num sentido muito mais
democratizador do que o que se
propõe a aumentar o número
de membros permanentes.
FOLHA - Bem diplomático para dizer que não apoia o Brasil...
CALDERÓN - Muito diplomático
para dizer que apoiamos a reforma na ONU, mas acreditamos que é preciso discutir várias posições.
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