São Paulo, domingo, 18 de setembro de 2005

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Candidata defende auto-imolação para exigir direitos

DO ENVIADO ESPECIAL A CABUL

"Para mulheres que vivem em condições precárias, defendo a auto-imolação. Se se queimarem em praça pública, as mulheres mostrarão claramente que têm o direito de escolher seu futuro."
A afirmação é de Adela Mohseni, 33, candidata independente pela Província de Cabul a um posto na Wolesi Jirga, a Câmara Baixa do Parlamento afegão, que não veste a burca e só usa o hijab (véu) "em países de maioria muçulmana". Ela concedeu entrevista à Folha ao lado de Nasiba Amiri, 38, também candidata independente, mas pela Província de Ghazni, que diz que, na única vez em que usou burca, se sentiu "presa".
Leia a seguir trechos das entrevistas das duas candidatas. (MSM)

 

Folha - O que motivou sua candidatura a um posto no Legislativo?
Nasiba Amiri -
Sempre tive a esperança de poder ajudar as pessoas de minha Província. Como deputada, terei mais influência e mais possibilidades de resolver os problemas delas.

Adela Mohseni - Trata-se da primeira eleição em que as mulheres podem ser candidatas. Muitas não têm boa formação porque não puderam estudar. Como tenho uma pós-graduação em direito obtida no Irã, decidi apresentar minha candidatura, pois pretendo trabalhar para melhorar as leis sobre a família e a mulher.

Folha - Qual é sua opinião sobre os partidos políticos, visto que são candidatas independentes?
Amiri -
Embora não tenha experiência em um deles, sei que são cruciais para o processo político e que podem ajudar a formar os mecanismos necessários para consolidar a democracia.

Mohseni - A democracia requer instituições, e os partidos são parte importante do processo político. Sem partidos, falta algo. Não faço parte de nenhum partido porque estamos num período de transição. Esperarei a consolidação dos partidos políticos e, em alguns anos, entrarei num deles.
Há duas idéias sobre os partidos no Afeganistão. O público em geral pensa que seus integrantes são desonestos. Mas os partidos são relevantes para o jogo político.

Folha - Qual é sua análise da situação atual das afegãs?
Amiri -
Após o colapso do regime do Taleban [2001], houve diversos avanços, como a criação do Ministério de Assuntos das Mulheres e o excelente trabalho das organizações não-governamentais. Entretanto as condições em que as mulheres estão inseridas ainda estão muito distantes do ideal. Por exemplo, as candidatas afegãs têm muita dificuldade, sua segurança não é assegurada, e, por conta das tradições, elas não têm liberdade de ir aonde querem. Ademais, nas Províncias, enfrentam problemas econômicos.
Mohseni - Três fatores estão por trás das violações aos direitos das mulheres no interior do país: a política, a tradição e a religião. Após a queda do Taleban, houve avanços na esfera política, e, nas áreas mais liberais, as mulheres gozam hoje de muitos direitos políticos. A luta contra os costumes e as tradições é dura, e mesmo defensoras dos direitos humanos são obrigadas a usar a burca em algumas regiões. E as estritas regras religiosas impostas pelo Taleban ainda são defendidas por muitos líderes religiosos.
As tradições permitem a perpetuação das violações aos direitos das mulheres. Isso me revolta. Afinal, numa democracia, homens e mulheres deveriam ser iguais perante a lei.
Para mulheres que vivem em condições precárias, defendo a auto-imolação. Se se queimarem em praça pública, as mulheres mostrarão claramente que têm o direito de escolher seu futuro.

Folha - Como avaliam a burca?
Mohseni -
Se for eleita, darei início a uma campanha de coleta de burcas para poder queimá-las em praça pública. Nessa área, não me interessa o que diz a tradição.

Amiri - Cabe a cada mulher decidir. Só não concordo com a imposição por autoridades. Tentei pôr uma burca uma vez, mas me senti presa. Ainda bem que vivi no Paquistão no tempo do Taleban.


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