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Candidata defende auto-imolação para exigir direitos
DO ENVIADO ESPECIAL A CABUL
"Para mulheres que vivem em
condições precárias, defendo a
auto-imolação. Se se queimarem
em praça pública, as mulheres
mostrarão claramente que têm o
direito de escolher seu futuro."
A afirmação é de Adela Mohseni, 33, candidata independente
pela Província de Cabul a um posto na Wolesi Jirga, a Câmara Baixa do Parlamento afegão, que não
veste a burca e só usa o hijab (véu)
"em países de maioria muçulmana". Ela concedeu entrevista à Folha ao lado de Nasiba Amiri, 38,
também candidata independente,
mas pela Província de Ghazni,
que diz que, na única vez em que
usou burca, se sentiu "presa".
Leia a seguir trechos das entrevistas das duas candidatas.
(MSM)
Folha - O que motivou sua candidatura a um posto no Legislativo?
Nasiba Amiri - Sempre tive a esperança de poder ajudar as pessoas de minha Província. Como
deputada, terei mais influência e
mais possibilidades de resolver os
problemas delas.
Adela Mohseni - Trata-se da primeira eleição em que as mulheres
podem ser candidatas. Muitas
não têm boa formação porque
não puderam estudar. Como tenho uma pós-graduação em direito obtida no Irã, decidi apresentar minha candidatura, pois
pretendo trabalhar para melhorar
as leis sobre a família e a mulher.
Folha - Qual é sua opinião sobre
os partidos políticos, visto que são
candidatas independentes?
Amiri - Embora não tenha experiência em um deles, sei que são
cruciais para o processo político e
que podem ajudar a formar os
mecanismos necessários para
consolidar a democracia.
Mohseni - A democracia requer
instituições, e os partidos são parte importante do processo político. Sem partidos, falta algo. Não
faço parte de nenhum partido
porque estamos num período de
transição. Esperarei a consolidação dos partidos políticos e, em
alguns anos, entrarei num deles.
Há duas idéias sobre os partidos
no Afeganistão. O público em geral pensa que seus integrantes são
desonestos. Mas os partidos são
relevantes para o jogo político.
Folha - Qual é sua análise da situação atual das afegãs?
Amiri - Após o colapso do regime do Taleban [2001], houve diversos avanços, como a criação do
Ministério de Assuntos das Mulheres e o excelente trabalho das
organizações não-governamentais. Entretanto as condições em
que as mulheres estão inseridas
ainda estão muito distantes do
ideal. Por exemplo, as candidatas
afegãs têm muita dificuldade, sua
segurança não é assegurada, e,
por conta das tradições, elas não
têm liberdade de ir aonde querem. Ademais, nas Províncias, enfrentam problemas econômicos.
Mohseni - Três fatores estão
por trás das violações aos direitos
das mulheres no interior do país:
a política, a tradição e a religião.
Após a queda do Taleban, houve
avanços na esfera política, e, nas
áreas mais liberais, as mulheres
gozam hoje de muitos direitos políticos. A luta contra os costumes e
as tradições é dura, e mesmo defensoras dos direitos humanos
são obrigadas a usar a burca em
algumas regiões. E as estritas regras religiosas impostas pelo Taleban ainda são defendidas por
muitos líderes religiosos.
As tradições permitem a perpetuação das violações aos direitos
das mulheres. Isso me revolta.
Afinal, numa democracia, homens e mulheres deveriam ser
iguais perante a lei.
Para mulheres que vivem em
condições precárias, defendo a
auto-imolação. Se se queimarem
em praça pública, as mulheres
mostrarão claramente que têm o
direito de escolher seu futuro.
Folha - Como avaliam a burca?
Mohseni - Se for eleita, darei início a uma campanha de coleta de
burcas para poder queimá-las em
praça pública. Nessa área, não me
interessa o que diz a tradição.
Amiri - Cabe a cada mulher decidir. Só não concordo com a imposição por autoridades. Tentei pôr
uma burca uma vez, mas me senti
presa. Ainda bem que vivi no Paquistão no tempo do Taleban.
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