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Diálogo na Bolívia começa hoje sob tensão
Camponeses pró-Morales fazem bloqueio a Santa Cruz, onde militantes opositores se recusam a desocupar prédios públicos
Apesar de pré-acordo, bases radicalizadas e interesses divergentes de La Paz e governadores jogam contra entendimento duradouro
Dado Galtieri/Associated Press
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Ativistas pró-Morales levam paus em marcha em Santa Cruz; eles dizem que manterão alerta até desocupação de prédios públicos
FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A LA PAZ
O presidente da Bolívia, Evo
Morales, e governadores oposicionistas terão hoje no departamento de Cochabamba (centro) o primeiro encontro desde
que acordaram uma agenda de
negociação, na terça-feira. Mas
o ambiente político ontem era
ainda de troca de farpas entre
os dois blocos e de desconfiança e ameaças por parte dos grupos civis aliados.
Contrariando o texto do documento-base do diálogo negociado entre o vice-presidente,
Álvaro García Linera, e o governador de Tarija, Mario Cossío,
representante da oposição, os
grupos de choque do governo
do departamento oposicionista
de Santa Cruz não aceitaram
deixar todos os prédios públicos federais que ocupam desde
a semana passada.
O Comitê Cívico de Santa
Cruz, que reúne a elite política
e empresarial da região, ameaça não devolver a sede regional
do INRA (Instituto Nacional de
Reforma Agrária). O governo
cruzenho diz que a liberação
será "paulatina".
Tampouco os movimentos
camponeses que apóiam o governo desistiram das medidas
de pressão contra Santa Cruz.
Há pelo menos seis pontos de
bloqueios nas estradas que levam à capital do departamento,
que na sexta-feira abre a feira
de negócios mais importante
do país. Os apoiadores de Morales dizem que só levantarão
as interrupções quando os cruzenhos devolverem as instalações nacionais a La Paz.
A anunciada marcha de camponeses -estimados em 20 mil
pessoas- à capital do departamento foi objeto de reportagens de TVs opositoras e jovens
do bairro periférico cruzenho
Plan 3000 anunciaram a criação de um "esquadrão" para se
contrapor aos da radical União
Juvenil Cruzenha (UJC).
Ontem, a UJC anunciou a
morte de seu integrante Edson
Ruiz, 26, ferido no domingo
num enfrentamento a 50 km de
Santa Cruz. Ruiz soma-se aos
pelo menos 15 mortos no massacre no departamento opositor de Pando, sob estado de sítio desde sexta-feira.
Retórica inflamada
Outro ponto de tensão ontem foi justamente o debate em
torno da legalidade da prisão do
governador pandino, Leopoldo
Fernández, acusado de desrespeitar o estado de sítio (leia texto à pág. A13).
Morales também não abandonou a retórica inflamada. Pela manhã, participou da assinatura de um pacto com a COB
(Central Operária Boliviana) e
a Conalcam (conglomerado de
movimentos sociais), que comprometeram-se a defender a
integridade do país ante a
"ameaça de golpe" dos governadores rebeldes.
O presidente boliviano questionou pontos do documento-base do diálogo. A reunião de
hoje, de acordo com o texto, deveria decidir o cronograma e a
metodologia da negociação, dividida em três mesas temáticas:
renda do gás, autonomias e nova Constituição (ainda pendente de referendos) e "pacto institucional", para a nomeação das
autoridades que faltam nos tribunais superiores e na Corte
Nacional Eleitoral.
Morales propôs que a negociação seja intensiva e que os
grupos só se desmobilizem
quando os acordos forem concluídos. A alteração preocupa
porque são previstos longos
embates em relação à nova Carta, que trata de temas como reforma agrária, reeleição presidencial (uma única vez) e autonomia indígena.
A governadora de Chuquisaca, Sabina Cuellar, opositora,
exige a inclusão de um ponto
também controverso: a discussão sobre o status de capital
plena do país para Sucre, sede
do departamento. Cuellar acusou os aliados de "traição" por
não incluir o tema.
Mediadores
Morales também criticou a
escolha da Igreja Católica como
um dos "facilitadores" da negociação. Criticou o cardeal Julio
Terrazas porque ele estava ao
lado de Cossío anteontem, durante o anúncio da assinatura
do pré-acordo. Acusou Terrazas de servir "mais aos imperialismo que ao povo", e anunciou
que as igrejas protestantes
também seriam facilitadoras.
O documento também prevê
a participação de facilitadores
internacionais, entre eles os
enviados pela Unasul (União de
Nações Sul-Americanas). O representante do Brasil será o
embaixador em La Paz, Frederico Araújo. Na segunda-feira, o
bloco regional foi aceito por
Morales com mediador na crise. Não fechou-se, porém, o número de facilitadores que a
Unasul terá. Um temor no meio
diplomático brasileiro é que a
designação de um facilitador
pela Venezuela contamine o
trabalho dos enviados.
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