São Paulo, domingo, 18 de setembro de 2011

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ANÁLISE

Líder budista busca na ética a convergência das religiões

ALDO PEREIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Na maioria dos credos budistas não há Deus único e criador do universo. Alguns também rejeitam a ideia de alma imortal, embora todos professem reencarnação, por continuidade ou transmigração. Não há, pois, como conciliar cristianismo e budismo no plano da metafísica.
O dalai-lama começou seu descontraído sermão de ontem com a reafirmação desses dois pontos em linguagem menos direta. A convergência das religiões precisa então ser buscada na ética.
Nessa linha, aludiu à teoria neurocientífica da plasticidade cerebral (alteração estrutural de neurônios e sinapses por efeito da atividade mental). Evidência, julga ele, de que a sabedoria pode conduzir à erradicação das "emoções destrutivas" comprometedoras da compaixão.
Além da compaixão, o dalai-lama parece interessado noutra convergência coesiva, o ecumenismo, defesa das religiões contra o secularismo.
Nessa linha, revelou ter repudiado filiação à seita dos Chapéus Amarelos. Surpresa, tendo em vista a história de conflito sangrento de Chapéus Amarelos contra Chapéus Pretos, Vermelhos etc.Talvez ainda lembre de um que viu no Tibete. Outra surpresa: o lama apontado como seu mais provável sucessor é Urgyen Trinlay Dorje, karmapa dos Chapéus Pretos.
Para demonstrar que não se esquiva a divergências filosóficas com outras religiões, o dalai-lama desconcertou os não iniciados com hermética digressão fenomenológica em tibetano, que um dos intérpretes traduziu para inglês e outro para português e que pouca gente pode ter entendido.
O tortuoso fluxo de ideias desembocou na conclusão de que só a sabedoria pode anular emoções destrutivas. As quais, presumivelmente, você deve superar para libertar-se da samsara, sucessão de reencarnações purgatórias.
E nesse ponto retornam as divergências. Budismo prega extinção mortificante de todos os desejos, projeto que não fascina espíritos empolgados pela aventura de viver.
Em cena de "Assim Falava Zaratustra" (Friederich Nietzsche, 1844-1900), a serpente e a águia, animais arquetípicos, vêm perguntar se, absorto na contemplação cismarenta do horizonte, o sábio almejava a felicidade.
"Que é felicidade para mim?", responde Zaratustra. "Há muito tempo deixei de almejar felicidade: almejo, sim, a minha obra."

ALDO PEREIRA é autor de "Brumas do Tibete" (Publifolha)
aldopereira.argumento@uol.com.br



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