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"Preservação cabe a ricos", diz Nobel
Para Rajendra Pachauri, presidente do IPCC, países desenvolvidos devem ter cota maior na proteção ambiental
Em entrevista para a Folha, cientista indiano rejeita críticas a pesquisas sobre mudança climática e frisa elos entre ambiente e paz
MARCELO NINIO
DE GENEBRA
Foi somente no dia 4 de outubro, oito dias antes do anúncio do prêmio, que o indiano
Rajendra Pachauri soube que o
painel sobre mudança climática da ONU (IPCC), que preside
desde 2002, era candidato ao
Nobel da Paz.
"Eu estava em Londres e um
jornalista me contou, mas não
acreditei", disse Pachauri ontem, durante breve passagem
por Genebra, onde está sediado
o painel da ONU.
"Quando voltei ao hotel, liguei o computador e vi no Google que era verdade, mas que
havia outras 180 nomeações.
Achei que era impossível que
ganhássemos."
A descrença começou a se
dissipar na manhã do anúncio,
na última sexta-feira, quando
dezenas de jornalistas se concentraram em frente ao Instituto de Energia e Recursos da
Índia, em Nova Déli, onde Pachauri vive e trabalha.
Desde então, Pachauri tem
sentido orgulho e um certo desconforto por ter se tornado,
junto com o ex-vice-presidente
americano Al Gore, com quem
o IPCC dividiu o Nobel, a "cara
da mudança climática".
"O problema é que a mudança climática é geralmente associada a catástrofes. Será que eu
tenho essa cara?", brincou o indiano de 67 anos -que aparenta bem menos- durante uma
homenagem que seus colegas
de IPCC lhe prestaram na sede
da Organização Meteorológica
Mundial (OMM).
Em entrevista à Folha numa
das salas da OMM -onde participou ontem do lançamento
do Fórum Humanitário Mundial, entidade encabeçada pelo
ex-secretário-geral da ONU
Kofi Annan-, Pachauri admitiu que a preservação do ambiente não pode ser uma prioridade para países em desenvolvimento e disse esperar que
o Nobel concedido ao IPCC
deixe clara de uma vez por todas a ligação entre as mudanças climáticas e as instabilidades políticas.
FOLHA - Que impacto o sr. espera
que o Nobel da Paz tenha na conscientização mundial sobre os riscos
das mudanças climáticas?
RAJENDRA PACHAURI - A grande
importância desse prêmio é
consolidar a ligação entre o ambiente e a paz. Cada vez mais
pessoas estão se dando conta
de que as conseqüências das
mudanças climáticas, como as
secas, têm um enorme impacto
na estabilidade de certas regiões do mundo, como em Darfur, no Sudão.
Por exemplo, se falta água em
uma determinada região, um
número maior de pessoas terá
que disputar os recursos de outras, e isso gera conflitos.
O valor do Nobel da Paz é ressaltar o esforço coletivo dos
cientistas do IPCC, que fazem
um trabalho sério para alertar
para os riscos das mudanças
climáticas, não só para a natureza, mas para as relações entre
as pessoas.
FOLHA - Há uma discussão entre os
países desenvolvidos e os emergentes sobre a responsabilidade de cada
um na preservação do ambiente.
Qual a sua opinião?
PACHAURI - A responsabilidade
não é a mesma. Países em desenvolvimento, como o Brasil e
a Índia, têm que cuidar de seus
interesses mais urgentes, como
o desenvolvimento e o combate
à pobreza, isso me parece lógico. Não é justo exigir desses
países a mesma responsabilidade na preservação do ambiente que dos países desenvolvidos, que estão em outro estágio de conforto e progresso.
A comunidade internacional
precisa entender que as responsabilidades não podem ser
divididas em partes iguais.
FOLHA - Como o sr. responde às críticas de que as previsões e análises
do IPCC são exageradas, em alguns
casos até alarmistas?
PACHAURI - Como podem chamar de exageradas análises feitas por acadêmicos respeitados, que foram divulgadas em
publicações de prestígio?
É uma irresponsabilidade
desacreditar essas previsões e
um perigo minimizar os riscos
das mudanças climáticas para o
futuro da humanidade.
FOLHA - O sr. já está pensando no
discurso que fará quando receber o
Nobel e como aproveitará a ocasião
para divulgar a mensagem do IPCC?
PACHAURI - [Risos] Nunca treino meus discursos com antecedência. Mas a mensagem será a
mesma que o prêmio quis ressaltar: preservar o ambiente é o
mesmo que preservar a paz.
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