São Paulo, quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Preservação cabe a ricos", diz Nobel

Para Rajendra Pachauri, presidente do IPCC, países desenvolvidos devem ter cota maior na proteção ambiental

Em entrevista para a Folha, cientista indiano rejeita críticas a pesquisas sobre mudança climática e frisa elos entre ambiente e paz

MARCELO NINIO
DE GENEBRA

Foi somente no dia 4 de outubro, oito dias antes do anúncio do prêmio, que o indiano Rajendra Pachauri soube que o painel sobre mudança climática da ONU (IPCC), que preside desde 2002, era candidato ao Nobel da Paz.
"Eu estava em Londres e um jornalista me contou, mas não acreditei", disse Pachauri ontem, durante breve passagem por Genebra, onde está sediado o painel da ONU.
"Quando voltei ao hotel, liguei o computador e vi no Google que era verdade, mas que havia outras 180 nomeações. Achei que era impossível que ganhássemos."
A descrença começou a se dissipar na manhã do anúncio, na última sexta-feira, quando dezenas de jornalistas se concentraram em frente ao Instituto de Energia e Recursos da Índia, em Nova Déli, onde Pachauri vive e trabalha. Desde então, Pachauri tem sentido orgulho e um certo desconforto por ter se tornado, junto com o ex-vice-presidente americano Al Gore, com quem o IPCC dividiu o Nobel, a "cara da mudança climática".
"O problema é que a mudança climática é geralmente associada a catástrofes. Será que eu tenho essa cara?", brincou o indiano de 67 anos -que aparenta bem menos- durante uma homenagem que seus colegas de IPCC lhe prestaram na sede da Organização Meteorológica Mundial (OMM).
Em entrevista à Folha numa das salas da OMM -onde participou ontem do lançamento do Fórum Humanitário Mundial, entidade encabeçada pelo ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan-, Pachauri admitiu que a preservação do ambiente não pode ser uma prioridade para países em desenvolvimento e disse esperar que o Nobel concedido ao IPCC deixe clara de uma vez por todas a ligação entre as mudanças climáticas e as instabilidades políticas.

 

FOLHA - Que impacto o sr. espera que o Nobel da Paz tenha na conscientização mundial sobre os riscos das mudanças climáticas?
RAJENDRA PACHAURI
- A grande importância desse prêmio é consolidar a ligação entre o ambiente e a paz. Cada vez mais pessoas estão se dando conta de que as conseqüências das mudanças climáticas, como as secas, têm um enorme impacto na estabilidade de certas regiões do mundo, como em Darfur, no Sudão. Por exemplo, se falta água em uma determinada região, um número maior de pessoas terá que disputar os recursos de outras, e isso gera conflitos. O valor do Nobel da Paz é ressaltar o esforço coletivo dos cientistas do IPCC, que fazem um trabalho sério para alertar para os riscos das mudanças climáticas, não só para a natureza, mas para as relações entre as pessoas.

FOLHA - Há uma discussão entre os países desenvolvidos e os emergentes sobre a responsabilidade de cada um na preservação do ambiente. Qual a sua opinião?
PACHAURI
- A responsabilidade não é a mesma. Países em desenvolvimento, como o Brasil e a Índia, têm que cuidar de seus interesses mais urgentes, como o desenvolvimento e o combate à pobreza, isso me parece lógico. Não é justo exigir desses países a mesma responsabilidade na preservação do ambiente que dos países desenvolvidos, que estão em outro estágio de conforto e progresso. A comunidade internacional precisa entender que as responsabilidades não podem ser divididas em partes iguais.

FOLHA - Como o sr. responde às críticas de que as previsões e análises do IPCC são exageradas, em alguns casos até alarmistas?
PACHAURI
- Como podem chamar de exageradas análises feitas por acadêmicos respeitados, que foram divulgadas em publicações de prestígio? É uma irresponsabilidade desacreditar essas previsões e um perigo minimizar os riscos das mudanças climáticas para o futuro da humanidade.

FOLHA - O sr. já está pensando no discurso que fará quando receber o Nobel e como aproveitará a ocasião para divulgar a mensagem do IPCC?
PACHAURI
- [Risos] Nunca treino meus discursos com antecedência. Mas a mensagem será a mesma que o prêmio quis ressaltar: preservar o ambiente é o mesmo que preservar a paz.


Texto Anterior: Homenagem: Bush condecora dalai-lama e faz apelo à China
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.