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América Latina traz renovação para a esquerda, crê Ramonet
Diretor do "Monde Diplomatique" diz que a reforma constitucional de Chávez dá poder à sociedade e defende observatórios para monitorar imprensa
CLAUDIA ANTUNES
EDITORA DE MUNDO
Diretor do "Monde Diplomatique", publicação mensal francesa lançada em 1954 que se
consagrou pela orientação de
esquerda, o espanhol Ignacio
Ramonet, 64, acaba de fazer
mais um périplo pela América
Latina. Esteve em Buenos Aires, Santiago, Salvador e São
Paulo, onde falou na última
quinta no Salão Nacional do
Jornalista Escritor, promovido
pela Associação Brasileira de
Imprensa, que termina hoje no
Memorial da América Latina.
Ramonet vem defendendo o
projeto de criação de observatórios destinados a monitorar a
mídia, segundo ele "o único poder que não tem um contrapoder". Em entrevista à Folha,
ele defendeu com veemência o
governo do venezuelano Hugo
Chávez. Disse também que
considera um alento o fato de
esquerdas "muito diferentes"
estarem surgindo na região,
frente ao esgotamento dessa
força ideológica no resto do
mundo. Leia trechos da entrevista, feita por telefone, na última segunda-feira.
FOLHA - Seu interesse pela América Latina cresceu nos últimos tempos, não?
IGNACIO RAMONET - Para minha
geração, nascida logo após a Segunda Guerra, o grande debate
político foi a descolonização, a
africana em particular, mas simultaneamente prestamos
muita atenção ao que acontecia
na América Latina com a Revolução Cubana, as guerrilhas, a
repressão. Hoje o interesse é
maior porque, quando todas as
esquerdas internacionais parecem esgotadas, aqui surgem esquerdas muito diferentes entre
si, mas com apoio popular forte
em quase todos os países em
que há eleições.
FOLHA - Muitos apontam que a
melhora econômica na região se deve à situação internacional e não a
políticas de esquerda.
RAMONET - É óbvio que uma
parte do crescimento latino-americano se deve à conjuntura econômica internacional.
Mas há agora uma situação especial na região, em razão da
sua pacificação geral, com exceção da Colômbia; da democracia, com regimes legítimos e legais; e do fato de governos de
esquerda estarem adotando
uma política mais ou menos intensa de redistribuição.
FOLHA - O senhor falou num ambiente de pacificação, mas esse não
é o quadro que se vê na Venezuela
ou na Bolívia, por exemplo...
RAMONET - Falei de pacificação
no sentido de que os governos
são legítimos e não há insurgências. Mas isso não quer dizer que não haja violência social. O Brasil e o Chile estão entre os países mais desiguais do
mundo. E há toda a tensão política em torno da Venezuela, em
razão da rapidez e da força da
transformação lá, que desestabiliza os poderes tradicionais.
FOLHA - O senhor tem estado muito próximo de Chávez, não?
RAMONET - Tenho a sorte de ter
acompanhado a experiência
venezuelana desde o início e de
ter podido conversar regularmente com o presidente Chávez. Me parece que até agora ele
manteve sua linha de respeito
absoluto ao funcionamento democrático e à economia de
mercado, por outro lado levando adiante a política de redistribuir os lucros do petróleo.
FOLHA - Há dois aspectos preocupantes na situação interna venezuelana: a reforma constitucional, que
concentra os poderes nas mãos do
presidente, e a pouca tolerância
com o debate. Chávez não radicalizou demais depois da reeleição?
RAMONET - Antes de introduzir
a proposta de reforma constitucional, Chávez já era objeto
de ataques muito violentos. O
argumento da Constituição
não é mais do que a continuação dessa política de desqualificação permanente. O fato é que
o presidente nunca disse que ia
impor a reforma da Carta, mas
propor e submetê-la à decisão
popular. Ninguém se escandaliza no mundo porque em 2000
o presidente [francês Jacques]
Chirac fez um referendo para
mudar a Constituição e permitir que o presidente pudesse ser
reeleito indefinidamente, sem
a limitação a dois mandatos.
FOLHA - Mas mesmo alguns dos
que apoiaram Chávez estão preocupados com a centralização do poder
na figura dele e na supressão do debate até dentro do governismo.
RAMONET - Chávez sabe desde
2002 que a personalização do
processo boliviariano o expõe
de maneira excessiva. Contrariamente a tudo o que se diz,
desde então ele está ampliando
o processo, tirando poder da
oligarquia e do sistema tradicional e transferindo-o maciçamente à sociedade. Dessa maneira, se o matam amanhã, o
que desgraçadamente é possível, a sociedade tem poder para
defender o processo.
FOLHA - Que balanço o senhor faz
da revolução das comunicações produzida pela internet?
RAMONET - A internet suscitou
uma grande ilusão, a de uma
comunicação democrática, relativamente barata, fácil de
conseguir e planetária. Hoje vivemos uma certa decepção. Em
geral os sites de internet mais
freqüentados, os dez primeiros
em cada país, já pertencem aos
meios dominantes desse país.
Resta a alternativa individual
de criar um site, um blog.
FOLHA - E o que o senhor propõe?
RAMONET - Acho que é preciso
estimular todos os meios públicos, criar um equilíbrio entre
meios privados e públicos, que
não existe na maioria dos países latino-americanos.
Eu propus a criação de observatórios. Hoje os meios de comunicação são o único poder
que não têm um contrapoder,
como têm os poderes político,
econômico. O poder midiático
não aceita um contrapoder, por
essa característica de se considerar o guardião da liberdade
de expressão e da democracia.
FOLHA - Qual é o limite entre a fiscalização e a censura?
RAMONET - Os observatórios
não têm o objetivo de censurar
ou corrigir, mas de submeter os
meios aos critérios de funcionamento jornalístico que eles
próprios definem. Publicariam
um informe sobre os desrespeitos aos objetivos expressos pelo
próprio meio e seriam formados por jornalistas, professores
de comunicação e leitores.
FOLHA - E como vai seu jornal?
RAMONET - Também passamos
dificuldades na difusão em papel. Nossa página na internet
tem crescimento regular, mas a
edição francesa teve queda de
5% neste ano. Temos 70 edições internacionais, que somam 2 milhões de exemplares.
NA INTERNET - Leia a íntegra da entrevista em
www.folha.com.br/073202
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