São Paulo, domingo, 18 de novembro de 2007

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Rica, Cingapura não pode crescer

Território restrito torna ilha-Estado do Sudeste da Ásia vítima de seu próprio sucesso econômico

Vizinhos vetam importação de areia para impedir que país amplie área de 700 km2; tigre asiático também sofre com queda nos nascimentos

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A CINGAPURA

Cingapura vive um paradoxo: tem dinheiro de sobra e país de menos. A ilha-Estado tem um PIB de US$ 134 bilhões, uma renda per capita de US$ 31 mil e um superávit comercial tão desproporcionalmente grande que é tratado como segredo de Estado. Em 2006, sua economia cresceu 7,8%, atrás apenas da China e da Índia. Nos últimos 12 meses, o índice de crescimento explodiu para 9,8%.
Tudo é superlativo no presente e no futuro próximo. O primeiro circuito de rua noturno de Fórmula 1 será aberto aqui em 2008, e por isso o centro histórico passa por uma reforma em que apenas o prédio central da corrida levará US$ 33 milhões. "O retorno será de US$ 68 milhões só no primeiro ano", disse à Folha Leong Yue Kheong, diretor do projeto.
A roda-gigante mais alta do mundo, com 165 metros, deve ser inaugurada até o fim deste ano na região turística de Marina Bay. É nesse lugar também que, em 2009, o Sands de Las Vegas abrirá seu maior cassino, num complexo de lazer de US$ 3,2 bilhões que levou o país a mudar suas leis para permitir o jogo. O primeiro exemplar do Airbus A380, o maior e mais caro avião do mundo, foi vendido à Singapore Airlines por US$ 300 milhões e fez seu vôo inaugural no fim de outubro.
Ao mesmo tempo, Cingapura pode não existir em 40 anos.

Campinas
Com uma área de 700 km2, ou o tamanho da cidade paulista de Campinas, o país não tem mais para onde crescer. Literalmente. Há a política pública de "reclamação de terras", que faz a ilha avançar atualmente 40 cm por ano no mar, segundo jornalistas locais (o número é contestado pelo governo, que cita a média anual de 2 cm).
Isso levou Indonésia e Malásia, os países mais afetados, a proibir temporariamente a importação de areia para Cingapura. A reação causa arrepios no governo, dominado pelo mesmo partido há 40 anos, pois a ilha vive uma relação simbiótica com os vizinhos -60% da água consumida vem da Malásia, por exemplo.
O assunto pode parecer pitoresco ao estrangeiro, mas é questão de sobrevivência para os locais, acostumados a viver num país tão pequeno que há cavalos apenas no zoológico central. Desde que se tornou independente da Malásia, nos anos 60, Cingapura expandiu-se dos 600 km2 originais para os atuais 700km2.
Uma idéia é crescer para cima, o que já acontece. Num país em que 80% das moradias pertencem ao governo, moradores estão sendo "convencidos" a deixar prédios mais baixos, que são demolidos e dão lugar a arranha-céus comerciais. Já o óleo recebido do mundo inteiro por um dos portos mais movimentados do planeta e redistribuído para a Ásia deve passar a ser armazenado em cavernas já em escavação.
Assim, o lugar hoje ocupado para armazenagem pode abrir caminho para mais casas. Resolvido esse problema, aparecerá o segundo: o crescimento populacional. Com 4,5 milhões de habitantes, ou metade de Manhattan, e a taxa de natalidade atual não haverá cingapurenses suficientes para os planos do governo de dobrar a população nos próximos anos.

Extinção
Os locais não querem depender demais do fluxo de imigrantes, que continua firme. "Será que Cingapura durará mais 100, 200 anos se os nativos virarem uma espécie em extinção?", pergunta-se retoricamente o ex-premiê Goh Chok Tong. Três etnias formam o país: chineses (75%), malasianos (14%) e hindus (9%).
Pois o índice de maternidade é menor justamente entre as mulheres chinesas. "Em 1957, primeiro dado disponível, havia 6,48 bebês por mulher de origem chinesa. Em 2006, esse índice caiu para 1,08. Se baixar mais, e há risco de isso acontecer, não conseguiremos repor nem mesmo a mãe da criança."
No ano passado, 35,5 mil bebês nasceram em Cingapura, ante 56 mil em 1965. O número de bebês por mulher foi de 1,24, ante 4,66 no ano da independência. "Isso é um problema num país em que não há outro recurso natural que não seus habitantes", disse Tong.
O jovem cingapurense deixa a casa dos pais cada vez mais tarde. Ao se casar, não tem filhos. São os chamados DINKs, sigla para "double income, no kids", (duplo rendimento, sem filhos). Nos últimos anos, estes têm encontrado mais e mais barreiras para comprar ou alugar apartamentos da agência de habitação governamental.
Casais com filhos, em compensação, têm toda sorte de incentivos e benefícios. Definido pelos críticos como "uma ditadura de partido único, o capitalismo", pela imensa abertura econômica de que goza, e pelo escritor William Gibson ("Neuromancer") como "Disneylândia com pena de morte", por suas leis restritas no que diz respeito a crimes e direitos civis, Cingapura vive outro paradoxo: na área social.
Tenta liberalizar os costumes aos poucos, para não afugentar jovens que vêem cada vez mais atrativos nos países vizinhos, sobretudo a China. Uma piada local diz que, informado da situação, o premiê Lee Hsien Loong teria dito: "Temos de resolver isso, pois diversão é um assunto sério".
Daí a liberação do cassino.
Ou placas em cabeleireiros que informam a prática do "boyzilian", a internacional depilação brasileira, só que para homens.


O jornalista SÉRGIO DÁVILA viajou a convite da Chancelaria de Cingapura


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