|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Rica, Cingapura não pode crescer
Território restrito torna ilha-Estado do Sudeste da Ásia vítima de seu próprio sucesso econômico
Vizinhos vetam importação de areia para impedir que país amplie área de 700 km2;
tigre asiático também sofre com queda nos nascimentos
SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A CINGAPURA
Cingapura vive um paradoxo:
tem dinheiro de sobra e país de
menos. A ilha-Estado tem um
PIB de US$ 134 bilhões, uma
renda per capita de US$ 31 mil e
um superávit comercial tão
desproporcionalmente grande
que é tratado como segredo de
Estado. Em 2006, sua economia cresceu 7,8%, atrás apenas
da China e da Índia. Nos últimos 12 meses, o índice de crescimento explodiu para 9,8%.
Tudo é superlativo no presente e no futuro próximo. O
primeiro circuito de rua noturno de Fórmula 1 será aberto
aqui em 2008, e por isso o centro histórico passa por uma reforma em que apenas o prédio
central da corrida levará US$
33 milhões. "O retorno será de
US$ 68 milhões só no primeiro
ano", disse à Folha Leong Yue
Kheong, diretor do projeto.
A roda-gigante mais alta do
mundo, com 165 metros, deve
ser inaugurada até o fim deste
ano na região turística de Marina Bay. É nesse lugar também
que, em 2009, o Sands de Las
Vegas abrirá seu maior cassino,
num complexo de lazer de US$
3,2 bilhões que levou o país a
mudar suas leis para permitir o
jogo. O primeiro exemplar do
Airbus A380, o maior e mais
caro avião do mundo, foi vendido à Singapore Airlines por
US$ 300 milhões e fez seu vôo
inaugural no fim de outubro.
Ao mesmo tempo, Cingapura
pode não existir em 40 anos.
Campinas
Com uma área de 700 km2,
ou o tamanho da cidade paulista de Campinas, o país não tem
mais para onde crescer. Literalmente. Há a política pública
de "reclamação de terras", que
faz a ilha avançar atualmente
40 cm por ano no mar, segundo
jornalistas locais (o número é
contestado pelo governo, que
cita a média anual de 2 cm).
Isso levou Indonésia e Malásia, os países mais afetados, a
proibir temporariamente a importação de areia para Cingapura. A reação causa arrepios
no governo, dominado pelo
mesmo partido há 40 anos,
pois a ilha vive uma relação
simbiótica com os vizinhos
-60% da água consumida vem
da Malásia, por exemplo.
O assunto pode parecer pitoresco ao estrangeiro, mas é
questão de sobrevivência para
os locais, acostumados a viver
num país tão pequeno que há
cavalos apenas no zoológico
central. Desde que se tornou
independente da Malásia, nos
anos 60, Cingapura expandiu-se dos 600 km2 originais para
os atuais 700km2.
Uma idéia é crescer para cima, o que já acontece. Num
país em que 80% das moradias
pertencem ao governo, moradores estão sendo "convencidos" a deixar prédios mais baixos, que são demolidos e dão
lugar a arranha-céus comerciais. Já o óleo recebido do
mundo inteiro por um dos portos mais movimentados do planeta e redistribuído para a Ásia
deve passar a ser armazenado
em cavernas já em escavação.
Assim, o lugar hoje ocupado
para armazenagem pode abrir
caminho para mais casas. Resolvido esse problema, aparecerá o segundo: o crescimento
populacional. Com 4,5 milhões
de habitantes, ou metade de
Manhattan, e a taxa de natalidade atual não haverá cingapurenses suficientes para os planos do governo de dobrar a população nos próximos anos.
Extinção
Os locais não querem depender demais do fluxo de imigrantes, que continua firme. "Será
que Cingapura durará mais
100, 200 anos se os nativos virarem uma espécie em extinção?", pergunta-se retoricamente o ex-premiê Goh Chok Tong. Três etnias formam o
país: chineses (75%), malasianos (14%) e hindus (9%).
Pois o índice de maternidade
é menor justamente entre as
mulheres chinesas. "Em 1957,
primeiro dado disponível, havia 6,48 bebês por mulher de
origem chinesa. Em 2006, esse
índice caiu para 1,08. Se baixar
mais, e há risco de isso acontecer, não conseguiremos repor
nem mesmo a mãe da criança."
No ano passado, 35,5 mil bebês nasceram em Cingapura,
ante 56 mil em 1965. O número
de bebês por mulher foi de 1,24,
ante 4,66 no ano da independência. "Isso é um problema
num país em que não há outro
recurso natural que não seus
habitantes", disse Tong.
O jovem cingapurense deixa
a casa dos pais cada vez mais
tarde. Ao se casar, não tem filhos. São os chamados DINKs,
sigla para "double income, no
kids", (duplo rendimento, sem
filhos). Nos últimos anos, estes
têm encontrado mais e mais
barreiras para comprar ou alugar apartamentos da agência de
habitação governamental.
Casais com filhos, em compensação, têm toda sorte de incentivos e benefícios.
Definido pelos críticos como
"uma ditadura de partido único, o capitalismo", pela imensa
abertura econômica de que goza, e pelo escritor William Gibson ("Neuromancer") como
"Disneylândia com pena de
morte", por suas leis restritas
no que diz respeito a crimes e
direitos civis, Cingapura vive
outro paradoxo: na área social.
Tenta liberalizar os costumes aos poucos, para não afugentar jovens que vêem cada
vez mais atrativos nos países vizinhos, sobretudo a China.
Uma piada local diz que, informado da situação, o premiê
Lee Hsien Loong teria dito:
"Temos de resolver isso, pois
diversão é um assunto sério".
Daí a liberação do cassino.
Ou placas em cabeleireiros que
informam a prática do "boyzilian", a internacional depilação
brasileira, só que para homens.
O jornalista SÉRGIO DÁVILA viajou a convite da
Chancelaria de Cingapura
Texto Anterior: Foco: Semelhança com símbolo gay faz Província peruana querer mudar bandeira Próximo Texto: Artigo: EUA precisam ver o mundo real na TV Índice
|