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São Paulo, quinta-feira, 18 de dezembro de 2003

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GUERRA SEM LIMITES

"A Livre" promete jornalismo de qualidade, busca melhorar imagem dos EUA e deve transmitir já em janeiro

EUA lançam TV árabe para Oriente Médio

JIM RUTENBERG
DO "NEW YORK TIMES"

A próxima grande esperança dos EUA para a conquista dos corações e mentes árabes se esconde num prédio de dois andares situado num parque industrial em Springfield, Virgínia. O único indício do que possivelmente acontece lá dentro é um letreiro na porta dizendo: "Notícias".
No interior do prédio, operários trabalham sete dias por semana para completar o estúdio do mais ambicioso projeto de mídia internacional patrocinado pelo governo americano desde que a rádio Voz da América deu início a suas transmissões, em 1942.
O projeto se chamará Al Hurra e será uma rede de TV de entretenimento e jornalismo em língua árabe. A programação será transmitida via satélite de um subúrbio de Washington para o Oriente Médio. O nome da rede pode ser traduzido como "A Livre".
A idéia é que a Al Hurra seja a resposta dos EUA a redes como a Al Jazira, do Qatar, que a Casa Branca acusa de incentivar o antiamericanismo no Golfo Pérsico.
A rede pode começar a transmitir já em janeiro. Mas já enfrenta ceticismo, mesmo por parte de um especialista em Oriente Médio indicado pelo secretário de Estado, Colin Powell, para rever os esforços de relações públicas dos EUA no mundo árabe.
Muitos estudiosos do Oriente Médio questionam se o público-alvo da nova rede, que desconfia de tudo o que vem dos EUA, algum dia poderá aceitá-la, especialmente pelo fato de seu centro de transmissão principal ficar na Virgínia. Mesmo que ela venha a ser aceita, alguns especialistas dizem duvidar que uma rede de TV isolada exerça impacto suficiente para justificar os US$ 62 milhões previstos para os custos de seu primeiro ano em operação.
A equipe responsável pela Al Hurra, uma mistura estranha de executivos de mídia americanos e jornalistas árabes veteranos, disse que a emissora terá independência editorial, seguindo o exemplo de outras organizações do tipo, como a Voz da América e a Rádio Europa Livre.
Reconhecendo os desafios, eles disseram que a nova rede vai reproduzir os melhores valores do jornalismo americano e representar a melhor oportunidade vista até agora de aprofundar a compreensão que se tem dos EUA no Oriente Médio. "Enfrentamos um ambiente de mídia que inclui discursos de ódio na rádio e na TV", disse Norman J. Pattiz, que chefia o comitê de Oriente Médio do organismo americano que financia e supervisiona o projeto, além da Voz da América e vários outros. "É dentro desse ambiente que os árabes comuns recebem sua visão de nossa política, nossa cultura, nossa sociedade. Não podemos ignorar a mídia local", disse ele, acrescentando que a Al Hurra poderá ser vista em todo lugar no Oriente Médio que tem acesso à Al Jazira.
De acordo com Pattiz, nos próximos meses a rede já contará com uma sucursal e estúdios no Iraque, pagos por uma verba de US$ 40 milhões incluída no pacote presidencial de US$ 87 bilhões em assistência financeira ao Iraque e ao Afeganistão. Outras sucursais serão abertas na região.
Ao lado de uma rádio em língua árabe que foi aberta há quase dois anos, a rádio Sawa, o projeto da Al Hurra começou a ter sua implementação acelerada depois dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, quando o governo americano reconheceu a necessidade de fazer frente ao sentimento antiamericano na mídia árabe.
Outros projetos nascidos na época fracassaram ou vêm fraquejando, sendo motivo de frustração e desapontamento consideráveis nos círculos diplomáticos americanos.
Os responsáveis pelo Al Hurra disseram que o projeto atual é mais bem pensado e foi montado com a ajuda das técnicas de marketing e produção americanas. Mas eles esperam que a rede tenha uma sensibilidade árabe, que se prevê seja garantida por seu diretor de jornalismo, o libanês Mouafac Harb, antigo diretor da sucursal de Washington do jornal diário árabe "Al Hayat", de Londres. Harb está contratando uma equipe de mais de 200 pessoas, boa parte delas árabe.
O presidente da rede, Bert Kleinman, disse que pessoas no Egito e no Bahrein que participaram de grupos de consumidores que avaliam novos produtos reagiram positivamente a uma descrição da Al Hurra. Mas reconheceu: "Quando perguntamos se uma rede justa e equilibrada poderia ser americana, alguns disseram "de jeito nenhum" ".
Executivos responsáveis pelo projeto da TV disseram ter ficado animados com o fato de a Rádio Sawa, uma estação voltada ao público jovem que mistura pop ocidental e oriental e que também era vista como fadada ao fracasso, ter criado um público de pelo menos 15 milhões de ouvintes em todo o Oriente Médio.
O símbolo que identifica a Al Hurra é um cavalo árabe que vai aparecer trotando sobre a tela durante os intervalos na programação.
Os responsáveis pela nova rede reconhecem que um de seus maiores desafios será convencer as pessoas a assistirem à sua programação. Mas eles dizem que ela deve se destacar no ambiente televisivo de cerca de 150 canais porque terá os mais altos valores de produção da região.
Mas, de acordo com Harb, sua qualidade distintiva mais importante será sua abordagem jornalística. "Em todos os jornais árabes, a seção de editoriais e artigos de opinião fica na primeira página", disse ele. "Isso deu lugar a uma cultura na qual não é possível saber a diferença entre notícia e opinião", afirmou.
"Precisamos divulgar notícias objetivas e balanceadas. No Ocidente, isso pode soar como o que existe de mais básico em jornalismo, mas, no mercado árabe, será um fator que vai diferenciar nossa emissora da concorrência."


Tradução de Clara Allain

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