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São Paulo, quinta-feira, 18 de dezembro de 2003

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Questão do véu é supervalorizada, afirma Morin

DO "LE MONDE"

Os conflitos entre alunos de escolas públicas da França não têm origem no uso de símbolos religiosos, mas no fato de as crianças e os adolescentes se conhecerem como judeus ou muçulmanos.
A afirmação é do sociólogo francês Edgar Morin, um dos pioneiros do estudo da cultura e dos meios de comunicação. Autor de "Autocrítica" e de "A Indústria Cultural", ele foi diretor do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França.
Leia a seguir trechos de sua entrevista.
 

Pergunta - O sr. considera perigosa a adoção de uma lei para proibir o uso de símbolos religiosos?
Edgar Morin -
Um texto legal é supérfluo. Seria necessário parar de se preocupar com o que é secundário, enquanto o essencial é esquecido: ultrapassar a oposição entre comunidade e homogeneização para encontrar uma fórmula adaptada às especificidades da situação francesa. Não devemos destruir as diferenças, mas integrá-las.
Demos à questão dos véus islâmicos uma importância desmesurada em relação a outros problemas sociopolíticos. E acabamos reacendendo as disputas religiosas ao tentar resolver o problema.

Pergunta - Redefinir a laicidade deveria ser uma prioridade na França atual?
Morin -
A laicidade foi instituída pela França republicana do início do século 20, separando a igreja do Estado e expulsando a igreja das escolas públicas.
O conflito entre o governo e uma igreja que, à época, era bastante reacionária foi muito duro. É por isso que a laicidade escolar francesa tem um caráter radical. Desde então, a igreja se abriu, e a situação atual não é mais a que existia em 1900.

Pergunta - O uso dos véus islâmicos não é hoje uma questão de ordem pública?
Morin -
A questão do véu foi extraordinariamente supervalorizada. Os casos ainda são pouco numerosos, e sou favorável à manutenção das meninas na escola para permitir que elas evoluam. Utilizamos uma marreta para quebrar um ovo. Passamos insensivelmente do problema dos véus islâmicos ao dos símbolos de todas as religiões. Compreendo que coloquemos o estudo do fenômeno religioso nas escolas, mas repugno a obsessão pela religião.

Pergunta - A idéia de inserir feriados religiosos não-cristãos no calendário escolar não buscava adaptar a laicidade à situação atual?
Morin -
A idéia de inserir feriados muçulmanos ou judaicos no calendário escolar corresponde à preocupação compreensível com o reconhecimento de uma França de várias etnias e religiões. Mas ela acabaria dando um toque religioso a identidades que não são necessariamente religiosas.
Os judeus eram em grande parte pensadores livres, como são hoje várias pessoas de origem magrebina [norte da África]. Atá-los a uma religião seria o mesmo que definir a maioria dos franceses como cristãos. O judaísmo, que está integrado há muito tempo, nunca reivindicou uma medida desse gênero.


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