Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Questão do véu é
supervalorizada,
afirma Morin
DO "LE MONDE"
Os conflitos entre alunos de escolas públicas da França não têm
origem no uso de símbolos religiosos, mas no fato de as crianças
e os adolescentes se conhecerem
como judeus ou muçulmanos.
A afirmação é do sociólogo
francês Edgar Morin, um dos pioneiros do estudo da cultura e dos
meios de comunicação. Autor de
"Autocrítica" e de "A Indústria
Cultural", ele foi diretor do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França.
Leia a seguir trechos de sua entrevista.
Pergunta - O sr. considera perigosa a adoção de uma lei para proibir
o uso de símbolos religiosos?
Edgar Morin - Um texto legal é
supérfluo. Seria necessário parar
de se preocupar com o que é secundário, enquanto o essencial é
esquecido: ultrapassar a oposição
entre comunidade e homogeneização para encontrar uma fórmula adaptada às especificidades da
situação francesa. Não devemos
destruir as diferenças, mas integrá-las.
Demos à questão dos véus islâmicos uma importância desmesurada em relação a outros problemas sociopolíticos. E acabamos reacendendo as disputas religiosas ao tentar resolver o problema.
Pergunta - Redefinir a laicidade
deveria ser uma prioridade na
França atual?
Morin - A laicidade foi instituída
pela França republicana do início
do século 20, separando a igreja
do Estado e expulsando a igreja
das escolas públicas.
O conflito entre o governo e
uma igreja que, à época, era bastante reacionária foi muito duro.
É por isso que a laicidade escolar
francesa tem um caráter radical.
Desde então, a igreja se abriu, e a
situação atual não é mais a que
existia em 1900.
Pergunta - O uso dos véus islâmicos não é hoje uma questão de ordem pública?
Morin - A questão do véu foi extraordinariamente supervalorizada. Os casos ainda são pouco numerosos, e sou favorável à manutenção das meninas na escola para permitir que elas evoluam. Utilizamos uma marreta para quebrar um ovo. Passamos insensivelmente do problema dos véus
islâmicos ao dos símbolos de todas as religiões. Compreendo que
coloquemos o estudo do fenômeno religioso nas escolas, mas repugno a obsessão pela religião.
Pergunta - A idéia de inserir feriados religiosos não-cristãos no calendário escolar não buscava adaptar a laicidade à situação atual?
Morin - A idéia de inserir feriados muçulmanos ou judaicos no
calendário escolar corresponde à
preocupação compreensível com
o reconhecimento de uma França
de várias etnias e religiões. Mas ela
acabaria dando um toque religioso a identidades que não são necessariamente religiosas.
Os judeus eram em grande parte pensadores livres, como são
hoje várias pessoas de origem magrebina [norte da África]. Atá-los
a uma religião seria o mesmo que
definir a maioria dos franceses como cristãos. O judaísmo, que está
integrado há muito tempo, nunca
reivindicou uma medida desse
gênero.
Texto Anterior: França: Chirac defende lei contra véu na escola Próximo Texto: Saúde: Caso de Sars em Taiwan leva medo à Ásia Índice
|