São Paulo, terça-feira, 18 de dezembro de 2007

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Eleição racha Congresso Nacional Africano

Partido que derrubou apartheid e desde então governa África do Sul abandona a escolha consensual de seu presidente

Jacob Zuma, apoiado por sindicatos, desafia liderança do presidente do país, Thabo Mbeki; escolha hoje determina sucessão de 2009

Siphiwe Sibeko/Reuters
Partidários de Zuma cantam e dançam na Conferência Nacional do CNA em apoio à candidatura do vice-presidente da legenda

DA REDAÇÃO

Pela primeira vez em 58 anos, o Congresso Nacional Africano (CNA) -que derrubou o apartheid e governa a África do Sul desde o fim do regime segregacionista-quebrou o consenso na escolha de seu líder. Reunidos na 52ª Conferência Nacional do partido, em Polokwane (cidadezinha vizinha a Pretória), os cerca de 4.000 delegados escolherão hoje entre o atual líder e presidente do país, Thabo Mbeki, e Jacob Zuma, vice-presidente da legenda.
Com ostensivo apoio dos sindicatos e de parte significativa da base do CNA, Zuma é o favorito. Caso seja escolhido, ele terá enormes chances de ser eleito presidente em 2009, quando seu antigo aliado e atual rival na disputa pela maioria partidária deixa o cargo.
Seu nome, porém, acirra divisões. Sobre ele pesam acusações de corrupção -que culminaram, em 2005, com seu afastamento da Vice-Presidência do país. Zuma foi absolvido, no ano passado, de uma acusação de estupro, num julgamento descrito como "um dos piores momentos da democracia sul-africana" pelo influente Desmond Tutu, antigo arcebispo da Cidade do Cabo e um dos principais líderes da luta contra o apartheid.
Tutu tentou, sem sucesso, convencer o CNA a optar por um terceiro nome, consensual. Ele afirma que a maioria dos cidadãos se "envergonharia" de ter Zuma como líder. "Os líderes religiosos deveriam rezar pelas pessoas, não condená-las", rebateu Zuma.
"É triste ver e ouvir sobre a natureza das atuais divergências na organização", afirma o ícone da luta antiapartheid e primeiro presidente negro do país, Nelson Mandela, em mensagem entregue ontem por delegados do partido. Aos 89 anos, Mandela não foi à conferência por razões de saúde.

Vaias
Apoiado pelos comunistas, que atuam como grupo interno no CNA, Zuma emerge como uma alternativa ao centralizador Mbeki, cuja popularidade declina dentro e fora do partido. À vontade diante de multidões, o político que nunca freqüentou salas de aula contrasta com o pouco expansivo -e, segundo os críticos, "excessivamente conservador"- Mbeki.
No domingo, Mbeki foi vaiado quando discursava. Os delegados pró-Zuma levantaram-se e, desafiantes, entoaram "Awulethe umshini wami" ("Tragam minha metralhadora", canção antiapartheid que é símbolo de Zuma). "Quando chegamos aqui, pensamos que haveria disciplina, mas a intimidação começa a afetar nosso povo", criticou o vice-ministro da Defesa, Mluleki George, pró-Mbeki. Os delegados foram ameaçados com sanções disciplinares caso não "moderassem" seu comportamento.
Como Zuma fala em nacionalização das minas (a África do Sul é o maior produtor mundial de ouro e diamantes), o mercado mundial acompanha atentamente o desenrolar da conferência. "Tudo indica que Zuma será nomeado e isso é uma preocupação real para a África do Sul", disse Carlin Doyle, da administradora de serviços financeiros State Street Global. A preferência dos investidores é uma vantagem dúbia para Mbeki, que pode prejudicá-lo mais do que ajudá-lo hoje.

Desigualdade e Aids
Eleito presidente em 1999, dois anos após tornar-se líder do CNA -com decisiva aprovação de Nelson Mandela-, e reeleito em 2004, Mbeki enfrenta um racha sem precedentes na história recente do partido, alimentado pela desigualdade.
As ações afirmativas adotadas por seu governo levaram à ascensão de uma parcela dos negros, mas falharam em distribuir a riqueza.
A população da maior economia da África tem uma expectativa de vida de meros 42 anos -comparável à de nações vizinhas, mas aparentemente contraditória com PIB per capita de US$ 13.300, um dos maiores da África. Em grande medida, a alta mortandade está associada à incidência da Aids no país: 21,5% dos adultos sul-africanos são soropositivos.
Contrariando cientistas, Mbeki não acredita que o vírus HIV seja responsável pelo desenvolvimento da Aids. Ele também critica os medicamentos anti-retrovirais -tratamento padrão para a doença-, que só foram adotados recentemente no país. As crenças heterodoxas são, aparentemente, compartilhadas por seu rival. Quando acusado pelo estupro de uma mulher que sabia ser soropositiva, Zuma disse ter tomado banho para minimizar os riscos de transmissão.


Com "Independent", "Financial Times" e agências internacionais


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