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SOB NOVA DIREÇÃO / TEMPOS DIFÍCEIS
Da vitória à posse, economia degringolou
Presidente assume diante da mais grave e intricada crise da atual geração e diz que situação vai piorar antes de melhorar
Desemprego é o maior em 16 anos; bolha imobiliária deixou 2 milhões sem casa, e rombo em bancos pode chegar a US$ 2 trilhões
FERNANDO CANZIAN
EM WASHINGTON
Só na semana passada, e em
apenas três empresas, a economia norte-americana perdeu o
equivalente a quase 10% de todas as vagas de trabalho decepadas em dezembro. No último
mês de 2008, o desemprego nos
EUA saltou para 7,2%, o maior
percentual em 16 anos.
General Eletric, Hertz e a
Circuit City, gigante de eletrônicos que entrou em concordata em novembro e que agora
quebrou de vez, anunciaram
cortes de quase 50 mil pessoas
entre a quinta e a sexta-feira.
Foi um início tenebroso para
2009 e para o presidente eleito
dos EUA, Barack Obama, que
assume a Casa Branca amanhã.
Entre a vitória de novembro e
agora, infelizmente a economia
americana só piorou.
"Mesmo com as medidas que
vamos tomar, as coisas primeiro vão ficar piores antes de começarem a melhorar. Quero
que todos sejam realistas em
relação a isso", afirmou Obama
antes de embarcar em uma viagem simbólica de trem para
Washington no fim de semana.
Milhares de empresas nos
EUA estão sofrendo as consequências da mais grave e intrincada crise da atual geração.
Uma crise na principal turbina
da maior economia do mundo:
o crédito ao consumo.
Nos últimos cinco anos, os
EUA cresceram com força, sustentados por uma forte e irresponsável expansão do crédito.
Ele foi largamente concedido a
bons e maus pagadores, mas
sem que os bancos exigissem
garantias reais suficientes de
quem tomava os empréstimos.
Nesse período, os bancos ampliaram o endividamento dos
americanos para algo equivalente a cerca de 150% do PIB
(Produto Interno Bruto), ou
mais de US$ 20 trilhões. Como
comparação, o crédito no Brasil
representa 40% do PIB.
Essa "bolha" de crédito estourou inicialmente no setor
imobiliário, fazendo o valor das
casas despencar juntamente
com o poder de saldar as dívidas de quem as estava comprando. Quase 6 milhões de famílias perderam seus imóveis
no país nos últimos três anos.
Com o aprofundamento da
crise imobiliária no ano passado, 2009 começa com várias
outras "bolhas" explodindo.
Nos setores de crédito para veículos, nos cartões de crédito e
nas lojas que financiam seus
produtos aos consumidores.
Com essa avalanche de não-pagamentos de dívidas, reforçada por uma perda superior a
40% no dinheiro que os americanos tinham nas Bolsas, a inadimplência explodiu, abrindo
imensos rombos nos bancos.
Tapando buracos
O governo de George W.
Bush tentou tapar vários desses
buracos arrancando uma linha
oficial de US$ 350 bilhões do
Congresso. Até agora, 257 bancos em 42 Estados receberam
quase US$ 200 bilhões em injeções de dinheiro público. Cerca
de 60% do dinheiro foi para sete gigantes, como Citigroup e
Bank of America.
Não deu para o começo, e os
bancos continuam ampliando
seus rombos, que podem chegar a US$ 2 trilhões, o dobro do
reconhecido até aqui. Só o Citigroup, um dos mais afetados
por dívidas, já reconheceu perdas de US$ 90 bilhões.
Isso só reforça o ciclo vicioso
dessa crise: os bancos deixaram
de emprestar, as pessoas pararam de gastar e as empresas
vendem menos. Com isso, passaram a demitir, levando as
pessoas a gastar cada vez menos e a ter problemas para consumir e pagar dívidas -aumentando os rombos nos bancos.
"O que temos hoje é uma economia e um setor financeiro
em deterioração se alimentando mutuamente e de maneira
negativa", afirma Raghuram
Rajan, ex-economista-chefe do
FMI (Fundo Monetário Internacional). "Isso pode ter um
gosto amargo, mas será necessário colocar ainda mais dinheiro [público] nos bancos."
Esse parece ser exatamente o
novo passo de Obama. Enquanto na semana passada a liderança de seu partido, o Democrata,
vazou detalhes de um plano de
US$ 825 bilhões aspirando
manter e criar até 4 milhões de
empregos, sua equipe financeira começou a alinhavar algo
completamente inusitado: a
criação de um banco estatal que
poderá absorver todas as dívidas problemáticas dos bancos.
A expectativa é que, limpando as carteiras desses bancos
das dívidas "tóxicas", eles voltem a emprestar dinheiro a empresas e consumidores, oxigenando a economia.
A conta desse trilionário socorro ao setor financeiro e do
pacote de US$ 825 bilhões virá
de uma ampliação do déficit
público dos EUA. Antes das novas medidas, ele já estava projetado para atingir US$ 1,2 trilhão (ou 8,2% do PIB), o maior
desde a Segunda Guerra.
Um dos principais assessores
de Obama, o ex-secretário do
Tesouro Lawrence Summers,
afirmou recentemente que
"nessa crise, fazer pouco representa um risco muito maior do
que fazer demais".
Como reconhece Obama, a
crise parece estar muito mais
perto do começo do que do fim.
Mas a grande dúvida é se mesmo "demais" será o suficiente.
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