São Paulo, segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

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ARTIGO

Unilateralismo é prenúncio de novo embate

RAMI G. KHOURI

ASSIM COMO a retirada israelense unilateral de Gaza, em 2005, desencadeou uma série tumultuada de fatos políticos que levaram palestinos e israelenses a esta guerra, o cessar-fogo israelense unilateral em Gaza será seguido por mudanças políticas profundas que vão transformar a região por anos futuros.
As mudanças históricas já estão em curso em três arenas: na sociedade palestina, entre Palestina e Israel, e entre o Oriente Médio e as potências ocidentais. Todas as três estiveram em evidência nesta semana, com quatro cúpulas árabes diferentes ocorrendo em quatro cidades -onde a batalha militar entre Gaza e Israel continua sob a forma de batalhas políticas de implicações regionais e globais.
Uma luta ideológica começou nos anos 70: foi quando o nacionalismo pan-árabe dos anos 50 e 60 morreu, grupos guerrilheiros palestinos desafiaram Israel e alguns regimes árabes, e nacionalistas islâmicos iranianos derrubaram o xá do Irã. Os últimos 30 anos no Oriente Médio testemunharam um cabo-de-guerra entre aqueles que querem ancorar seu nacionalismo e desenvolvimento em suas identidades árabe-islâmicas, iraniano-islâmicas ou turco-islâmicas e aqueles que preferem vincular seu destino aos incentivos materiais e militares da aceitação dos interesses americanos e israelenses, como vassalos.
A batalha por Gaza capta todos esses elementos simultaneamente de uma maneira que nunca foi tão clara. Por um lado, Israel depende do apoio americano, europeu e de alguns países árabes em sua tentativa de forçar os palestinos de Gaza a se submeterem, à custa da força e da fome, e procura substituir o Hamas, em ascensão, pelo cansado e desacreditado presidente Mahmoud Abbas.
Por outro lado, meia dúzia de importantes atores árabes, iranianos e turcos, além de uma maioria crescente da opinião pública mundial, apoiam os direitos dos palestinos. Esse apoio às vezes se reflete em apoio explícito ao Hamas, mas se reflete sobretudo em solidariedade com os civis palestinos.
O cessar-fogo israelense unilateral vai enfatizar e agravar essas tendências e preparar o palco para um embate político.
A questão-chave é o equilíbrio entre o desejo israelense de controle e hegemonia unilateral versus a determinação dos palestinos em conquistar a libertação do cerco de Gaza liderado por Israel e EUA e seu desejo de legitimidade política explícita, por meio de um engajamento diplomático formal.
O problema central, no curto prazo, tem sido o desejo israelense de tomar decisões unilaterais que afirmem seu controle da situação, sem dialogar com o poder crescente do Hamas e dos islâmicos e nacionalistas palestinos aliados a ele.
Israel ocupou Gaza em 1967, colonizou-a unilateralmente, brutalizou-a unilateralmente, depauperou-a unilateralmente, retirou-se dela unilateralmente, cercou-a unilateralmente e agora a atacou e declarou cessar-fogo unilateralmente. Cada ação dessas de Israel falhou em alcançar suas metas -o mesmo deve ocorrer agora.
A lição que Israel parece frenético ou obstinado demais para aprender é que resolver o conflito palestino-israelense subjacente requer um acordo negociado entre dois lados. A importância histórica do Hamas se deve ao fato de ele desafiar o pendor unilateralista de Israel como movimentos palestinos anteriores -sobretudo o Fatah de Iasser Arafat- não puderam ou não ousaram fazer.
Ambos os lados dirão que alcançaram seus objetivos. Mas, na esteira dos combates, o Hamas será o vencedor político maior. Ele agora terá que usar seu capital político para operar de modo mais sutil em fóruns domésticos, regionais e globais, onde gozará de mais credibilidade, legitimidade e impacto.


RAMI G. KHOURI é editor do "The Daily Star" e diretor do Instituto Issam Fares de Política Pública e Assuntos Internacionais da Universidade Americana em Beirute. Este artigo foi distribuído pela Agence Global

Tradução de CLARA ALLAIN


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