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INTERNET
Sandmonkey oferece visão crítica de dentro de ditadura
Sarcasmo com política árabe faz de blogueiro egípcio sucesso na rede
LUCIANA COELHO
DA REDAÇÃO
Abaixo do banner que brada
"compre produtos dinamarqueses", um botão pede dinheiro. Para atrair potenciais doadores para
seu "fundo emergencial de fuga",
o autor não titubeia: "Ajude a
conspiração neoconservadora
americana cristã-sionista imperialista no Oriente Médio". Não, o
blog não é americano -nem da
Dinamarca, lugar onde começou
o entrevero com as charges do
profeta Muhammad. É egípcio.
Árabe e muçulmano.
Sandmonkey (http://egyptian
sandmonkey.blogspot.com)
conquistou a cibercelebridade há
pouco mais de uma semana,
quando um post seu denunciando a publicação das charges polêmicas por um jornal egípcio três
meses antes de os protestos violentos estourarem passou a ser citado por outros blogs e a rodar
caixas de e-mail pelo mundo.
Doações financeiras, até agora,
ele não conseguiu. Já fãs... "Recebo minha quota diária de xingamentos e comentários ofensivos,
mas ela é superada de longe pelos
comentários positivos", escreveu
à Folha em entrevista por e-mail.
A dose de atenção voltada para
seu blog é justificável. Não são
muitas as chances de leitores e internautas ocidentais entrarem em
contato com uma opinião crítica e
acurada de alguém que tenha nascido e ainda viva no lado islâmico
do mundo, sob uma ditadura. O
fato de ser uma pessoa comum só
torna tudo mais interessantes.
A empreitada começou no fim
de 2004, por pura "frustração",
diz ele. "Havia tantas idéias sendo
disseminadas sem nenhum contraponto entre meus compatriotas precisando ser debatidas, especialmente essa história da conspiração-judaica-que-vai-dominar-o-mundo que enche a cabeça
da maioria dos egípcios", conta.
Diariamente, são duas ou três horas dedicadas ao site, constantemente atualizado. "Queria dar ao
mundo uma perspectiva diferente
do Egito. Sabe, nem todo mundo
odeia os EUA, culpa os judeus por
tudo e é contra a guerra do Iraque,
como vocês são levados a crer."
De fato, em seu site (e na entrevista à Folha) não há comiseração
por líderes islâmicos, a imprensa
ou qualquer governo da região.
Mas tampouco há arroubos
quanto ao Ocidente, embora o autor se declare, ironicamente, "um
libertário secular pró-EUA irritante e rabugento". O que há é isso: doses colossais de cinismo e
sarcasmo, mesmo autodirigido.
Medo de aparecer
Sandmonkey -ao pé da letra,
"macaco de areia", alusão pejorativa aos árabes em inglês - não
revela sua identidade. Com alguma insistência, contou à reportagem que vive no Cairo, tem 25
anos e trabalha no setor financeiro. No blog, diz ser muçulmano.
O desejo de anonimato é compreensível. "Escrever aqui do Egito me deixa aterrorizado às vezes,
pois você nunca sabe o que faz os
agentes do governo virem atrás de
você", afirma, citando o caso do
estudante de direito Abdel-Karim
Suleiman, preso em 2004 supostamente por conta de seu blog.
Com essa sensação no ar, a blogosfera egípcia acaba restrita. "Ela
está sadia e cresce, mas ainda é
meio monótona. É raro aparecer
alguém com idéias diferentes",
pondera. "Mas os veteranos têm
conseguido fazer diferença, organizando manifestações, defendendo causas e trazendo à luz
problemas que de outra forma
nunca seriam mencionados", diz.
Ainda assim, o cenário é animador num país onde a imprensa teme que a pouca liberdade que tem
lhe seja tirada repentinamente
("acho que é por isso que os jornais de oposição não atacam muito o governo. E os jornais do governo são inúteis, as pessoas só
compram pelo obituário", diz).
No caso das charges dinamarquesas, Sandmonkey foi contra a
maré local e defendeu veementemente a liberdade de imprensa,
mesmo achando que as charges
desrespeitavam sua religião.
"Boicotem o Egito", diz no post
sobre o jornal "Al Fagr", do Cairo,
que publicou as charges em outubro -um mês após a publicação
original, pelo dinamarquês
"Jyllands-Posten" e três antes da
eclosão dos protestos que já deixaram mais de 20 mortos. "Eles fizeram para denunciar o jornal dinamarquês, mas o ponto é que o
motivo dos protestos foi ter retratado Muhammad, algo proibido
no islã, e não fazer graça com a religião", escreveu, após receber 30
mil visitas e quase 400 comentários em poucas horas. "Por que
ninguém reclamou na época, só
depois?" Para ele, os protestos foram politicamente manipulados.
Com a imprensa ocidental tampouco há leniência ("muitas vezes
acho que omitem informações intencionalmente"), nem com as
políticas do governo americano
na região. "São políticas de desespero", diz, lembrando que os
EUA apóiam "governos tiranos"
na região -a começar do egípcio.
Mas ele simpatiza com a bandeira do "espalhar a democracia a
qualquer custo" de George W.
Bush. Se o blogueiro acha que os
países árabes estão preparados
para uma democracia à americana? "Seriam necessárias algumas
adaptações. Antes de tudo é preciso construir a confiança no voto."
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