São Paulo, domingo, 19 de fevereiro de 2006

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INTERNET

Sandmonkey oferece visão crítica de dentro de ditadura

Sarcasmo com política árabe faz de blogueiro egípcio sucesso na rede

LUCIANA COELHO
DA REDAÇÃO

Abaixo do banner que brada "compre produtos dinamarqueses", um botão pede dinheiro. Para atrair potenciais doadores para seu "fundo emergencial de fuga", o autor não titubeia: "Ajude a conspiração neoconservadora americana cristã-sionista imperialista no Oriente Médio". Não, o blog não é americano -nem da Dinamarca, lugar onde começou o entrevero com as charges do profeta Muhammad. É egípcio. Árabe e muçulmano.
Sandmonkey (http://egyptian sandmonkey.blogspot.com) conquistou a cibercelebridade há pouco mais de uma semana, quando um post seu denunciando a publicação das charges polêmicas por um jornal egípcio três meses antes de os protestos violentos estourarem passou a ser citado por outros blogs e a rodar caixas de e-mail pelo mundo.
Doações financeiras, até agora, ele não conseguiu. Já fãs... "Recebo minha quota diária de xingamentos e comentários ofensivos, mas ela é superada de longe pelos comentários positivos", escreveu à Folha em entrevista por e-mail.
A dose de atenção voltada para seu blog é justificável. Não são muitas as chances de leitores e internautas ocidentais entrarem em contato com uma opinião crítica e acurada de alguém que tenha nascido e ainda viva no lado islâmico do mundo, sob uma ditadura. O fato de ser uma pessoa comum só torna tudo mais interessantes.
A empreitada começou no fim de 2004, por pura "frustração", diz ele. "Havia tantas idéias sendo disseminadas sem nenhum contraponto entre meus compatriotas precisando ser debatidas, especialmente essa história da conspiração-judaica-que-vai-dominar-o-mundo que enche a cabeça da maioria dos egípcios", conta. Diariamente, são duas ou três horas dedicadas ao site, constantemente atualizado. "Queria dar ao mundo uma perspectiva diferente do Egito. Sabe, nem todo mundo odeia os EUA, culpa os judeus por tudo e é contra a guerra do Iraque, como vocês são levados a crer."
De fato, em seu site (e na entrevista à Folha) não há comiseração por líderes islâmicos, a imprensa ou qualquer governo da região. Mas tampouco há arroubos quanto ao Ocidente, embora o autor se declare, ironicamente, "um libertário secular pró-EUA irritante e rabugento". O que há é isso: doses colossais de cinismo e sarcasmo, mesmo autodirigido.

Medo de aparecer
Sandmonkey -ao pé da letra, "macaco de areia", alusão pejorativa aos árabes em inglês - não revela sua identidade. Com alguma insistência, contou à reportagem que vive no Cairo, tem 25 anos e trabalha no setor financeiro. No blog, diz ser muçulmano.
O desejo de anonimato é compreensível. "Escrever aqui do Egito me deixa aterrorizado às vezes, pois você nunca sabe o que faz os agentes do governo virem atrás de você", afirma, citando o caso do estudante de direito Abdel-Karim Suleiman, preso em 2004 supostamente por conta de seu blog.
Com essa sensação no ar, a blogosfera egípcia acaba restrita. "Ela está sadia e cresce, mas ainda é meio monótona. É raro aparecer alguém com idéias diferentes", pondera. "Mas os veteranos têm conseguido fazer diferença, organizando manifestações, defendendo causas e trazendo à luz problemas que de outra forma nunca seriam mencionados", diz.
Ainda assim, o cenário é animador num país onde a imprensa teme que a pouca liberdade que tem lhe seja tirada repentinamente ("acho que é por isso que os jornais de oposição não atacam muito o governo. E os jornais do governo são inúteis, as pessoas só compram pelo obituário", diz).
No caso das charges dinamarquesas, Sandmonkey foi contra a maré local e defendeu veementemente a liberdade de imprensa, mesmo achando que as charges desrespeitavam sua religião.
"Boicotem o Egito", diz no post sobre o jornal "Al Fagr", do Cairo, que publicou as charges em outubro -um mês após a publicação original, pelo dinamarquês "Jyllands-Posten" e três antes da eclosão dos protestos que já deixaram mais de 20 mortos. "Eles fizeram para denunciar o jornal dinamarquês, mas o ponto é que o motivo dos protestos foi ter retratado Muhammad, algo proibido no islã, e não fazer graça com a religião", escreveu, após receber 30 mil visitas e quase 400 comentários em poucas horas. "Por que ninguém reclamou na época, só depois?" Para ele, os protestos foram politicamente manipulados.
Com a imprensa ocidental tampouco há leniência ("muitas vezes acho que omitem informações intencionalmente"), nem com as políticas do governo americano na região. "São políticas de desespero", diz, lembrando que os EUA apóiam "governos tiranos" na região -a começar do egípcio.
Mas ele simpatiza com a bandeira do "espalhar a democracia a qualquer custo" de George W. Bush. Se o blogueiro acha que os países árabes estão preparados para uma democracia à americana? "Seriam necessárias algumas adaptações. Antes de tudo é preciso construir a confiança no voto."


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