São Paulo, segunda-feira, 19 de março de 2007

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ENTREVISTA/ ÁLVARO URIBE

Uribe defende linha dura e programa social ambicioso contra o tráfico

Colombiano diz que esquerda não cumpre mais padrões tradicionais da ideologia

RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL A BOGOTÁ

ÁLVARO Uribe, 54, presidente da Colômbia, tornou-se uma raridade na região. É de direita, aliado incondicional do americano George Bush e ainda tem popularidade de 72% com cinco anos no poder.
Mas, apesar da queda de homicídios e seqüestros, ele não conseguiu reduzir o narcotráfico. Sob críticas de senadores americanos democratas de só priorizar o combate militar, Uribe vai aumentar investimentos sociais e diz que não é um neoliberal. Leia a entrevista que ele concedeu à Folha no palácio da Presidência.

FOLHA - Nesta semana, o senhor tem um encontro com o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, em Medellín. Como a Colômbia reduziu a criminalidade, que conselhos o senhor daria a ele?
URIBE
- É muito difícil dar conselhos. Mas nossa decisão aqui é derrotar o narcotráfico e, para isso, é necessária determinação política. Combinar ações, prender responsáveis. Também fazemos uma extradição severa; 530 narcotraficantes foram extraditados, 480 deles para os EUA. E confiscamos bens adquiridos ilegalmente dos narcotraficantes. Na cidade de Medellín havia uma série de favelas dominadas pela guerrilha e pelos paramilitares. Ambos grupos financiados pela coca. Colocamos o Exército e a polícia nas favelas com toda a determinação. E prendemos quem estava nesses grupos. Fizemos uma campanha para quem quisesse se desmobilizar. Mais de 40 mil pessoas entregaram as armas

FOLHA - Já se tentou diálogo, zona desmilitarizada, enfrentamento militar, e ninguém consegue derrotar ou chegar a um acordo de paz com as Farc. Por quê?
URIBE
- O governo colombiano está sempre pronto para o diálogo. Mas o que temos em mente é derrotar militarmente as Farc. Enquanto eles não quiserem o diálogo, nosso objetivo será derrotar militarmente o terrorismo. Mas isso leva tempo. É necessária uma política de longo prazo. Sempre tivemos tentativas e planos curtos, abandonados.

FOLHA - Por que é tão difícil derrotá-los?
URIBE
- Quando analiso por que os movimentos insurgentes terminaram suas operações no resto da América Latina e não na Colômbia, vejo que em algumas partes da América Latina eles foram derrotados apelando a procedimentos que violam os direitos humanos. A maneira como nós os combatemos é uma maneira transparente e institucional.
Na Colômbia, durante muitos anos, eles não foram combatidos. Achava-se que com o diálogo eles parariam suas atividades violentas. Cinco anos de persistência em uma política de segurança já deu grandes resultados. Quando começou nosso governo, havia 3.000 seqüestros ao ano. Em 2006, foram 280. Não se pode esquecer que este país tem 1,164 milhão Km2, 578 mil dos quais de selva. Aqui há muitos lugares onde se esconder.

FOLHA - O negócio da droga é muito rentável, graças ao alto consumo nos EUA. O senhor não acha que não adianta erradicar plantações enquanto for tão lucrativo plantar tudo de novo?
URIBE
- O consumo é um grande problema, mas também temos 1 milhão de consumidores aqui. A legislação colombiana não castiga o consumo, é muito permissiva. Não bastam políticas de prevenção e educação, sem ter sanções.

FOLHA - Os senadores democratas dos EUA têm criticado o Plano Colômbia por enfatizar muito o aspecto militar e pouco a área social. Falta um combate à pobreza?
URIBE
- Temos um programa social muito ambicioso. Buscamos plena cobertura em educação básica, além de aumentar o acesso à educação média e universitária. Temos um programa parecido com o Bolsa-Escola, com o qual atendemos 1,5 milhão de "famílias educativas", que recebem subsídio do Estado para ajudar a educação dos filhinhos. E temos um programa muito extenso de microcréditos. Concedemos 1,8 milhão de empréstimos no primeiro governo e queremos chegar a 5 milhões de microcréditos agora.

FOLHA - Mas não falta mais investimento social dentro da verba do Plano Colômbia?
URIBE - Nós temos no Plano Colômbia três políticas. A consolidação da segurança, o estímulo e a confiança a investidores no país e a política social. Estão inter-relacionadas. A segurança permite que haja confiança dos investidores. Com mais investimentos, permite-se mais política social. Com ela, a economia também cresce, porque vinculam-se à economia setores excluídos. Se a economia cresce, a segurança se torna mais sustentável.

FOLHA - Os avanços não são muito lentos?
URIBE
- Temos que entender e colocar tudo isso no contexto do país que encontramos. A Colômbia tinha perdido a viabilidade financeira. O país ainda não tem grau de investimento. A economia estava em colapso devido à violência.
A guerrilha colombiana é de origem marxista. Ela tinha o objetivo da reivindicação social. Mas ela conseguiu o contrário. Conseguiu mais pobreza, fuga de capitais, desemprego, os refugiados internos. E engendrou os paramilitares.

FOLHA - Uma explicação para a onda de governos de esquerda na América Latina é que os governos conservadores na região durante os anos 90 fizeram reformas de abertura e privatizações, que não renderam bons resultados sociais. O senhor quer ser diferente dos governos de direita que o precederam?
URIBE
- O que é direita?

FOLHA - Na região, é quem defende o livre mercado, a menor presença do Estado, promove privatizações, não quer gastar muito em programas sociais...
URIBE
- Nós não participamos do desmonte do Estado dos anos 90 nem do estatismo. Não acreditamos no estatismo nem no desmantelamento. Creio no Estado que garanta investimento privado e responsabilidade social. O Estado tem que servir à sociedade, não às corruptelas políticas nem aos excessos sindicais. Monopólios estatais ineficientes eram uma carga para a comunidade. Mas também são um fardo as empresas de capitalismo selvagem sem responsabilidade social.

FOLHA - O senhor não se sente isolado, por ser o único presidente assumidamente de direita na América do Sul?
URIBE
- Se nós aplicássemos os "standards" da esquerda européia tradicional, os governos que se autointitulam de esquerda na América Latina não poderiam ser chamados de esquerda; não teriam a nota suficiente. Não vou dizer quem é de esquerda ou de direita; deixo isso para você. Antes a segurança era tema de direita, hoje é de esquerda. Direita e esquerda já defenderam liberdades. A esquerda defendia a coesão social, mas a direita precisa dela também.
Ambas precisam de Estado transparente. Se estão comprometidas com a democracia, precisam defender instituições independentes. O que eu quero é uma democracia moderna. Com segurança democrática, respeito às liberdades, coesão social, instituições independentes e transparência.

FOLHA - Nada de enxugar o Estado?
URIBE
- Em vez de desmantelar o Estado, eu defendo um Estado eficiente, que não obstrua a iniciativa privada, mas que exija investimento social. Em vez de capitalismo selvagem, eu falo de responsabilidade social. Prefiro um Estado comunitário, em que a comunidade participe mais das decisões, da execução delas e de sua supervisão. Nossas relações trabalhistas não são regidas pelo estatismo, que cria relações de trabalho a serviço dos amigos do governo de turno. Nem regidas pelo ódio entre classes, que impulsionaram as guerrilhas marxistas na Colômbia, nem pela exploração do trabalho no capitalismo selvagem.

FOLHA - Como se explica que tantos políticos tenham vínculos com paramilitares?
URIBE
- Do mesmo jeito que se aproximaram da guerrilha. Em muitas regiões do país faltou a presença do Estado. O Estado foi derrotado pela guerrilha e pelos militares, perdeu o controle territorial. Habitantes desprotegidos e submetidos a guerrilheiros e paramilitares. Eles precisavam de "proteção". Os juízes têm que olhar quem se aliou por coação, por necessidade, ou para delinqüir, fazer negócios com eles.

FOLHA - O senhor imaginava que fossem tão extensas essas ligações?
URIBE
- Não me surpreende. Conheço bem o interior do país. O Estado perdeu o controle em regiões por décadas. As pessoas se submetiam e buscavam proteção de um dos bandos. Vamos superando isso agora.

FOLHA - Na sua coligação foram descobertos políticos mantendo relações com paramilitares. O que o senhor vai fazer com seus aliados?
URIBE - Quem tiver responsabilidades que vá para a cadeia.

FOLHA - O senhor tem promovido os cultivos substitutivos da coca. Mas como um camponês vai abandonar a coca, que dá muito mais dinheiro, para plantar produtos que mal dão para a subsistência?
URIBE
- Temos um problema comum. Nossa floresta amazônica é destruída para que se plante coca; a do Brasil é destruída para que se plante soja. Temos contratado camponeses para atuar como guardas da floresta, para cuidarem de projetos de reflorestamento. E também plantações de cacau e café orgânico. Já somos o segundo país em biocombustíveis na região, depois do Brasil.
É verdade que com a coca ganham mais dinheiro. Temos que combinar oportunidades econômicas com ação militar. Se fosse só competir por dinheiro, eles escolheriam a coca. Por que escolheriam a outra? Porque temem a ação militar, o peso da lei.

FOLHA - Mas ainda há muita pobreza, que é a raiz do problema.
URIBE
- O crescimento econômico ajuda. Em dois anos, a Colômbia teve o segundo maior índice de investimento estrangeiro per capita, depois da Costa Rica. O que oferecemos? Aqui não há dúvidas de ambiente favorável a investimentos com responsabilidade social. Melhoramos na segurança, no manejo econômico, no sistema tributário; acabamos de aprovar estímulos ao investimento. Não estimulamos os juros, queremos atrair investimento, produção.
De cada US$ 100 investidos, o Estado coloca US$ 12,8 em isenções fiscais, estímulos tributários. Há estímulos específicos. Cultivos de combustíveis biológicos isentos de IVA (ICMS local) e de impostos indiretos no consumo. Quem constrói um hotel novo no país tem 30 anos de isenção tributaria, assim como empresas de turismo ecológico têm permanente isenção.

FOLHA - As empresas brasileiras já descobriram a Colômbia?
URIBE - Novos investimentos vão chegando. A Petrobrás investe muito aqui; a Gerdau é uma empresa brasileira que vai participar do leilão da maior siderúrgica do país -36% das ações estão nas mãos dos próprios funcionários [Na sexta-feira, 52% da Paz del Río foi comprada pela Votorantim por US$ 486 milhões].

FOLHA - Como é sua relação com o presidente Lula?
URIBE
- Minha relação com o presidente Lula é muito boa.

FOLHA - Independentemente das ideologias?
URIBE
- Eu não noto as diferenças. Não vejo. São mais de percepções pela trajetória política que de realidade.


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