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ENTREVISTA/ ÁLVARO URIBE
Uribe defende linha dura e programa social ambicioso contra o tráfico
Colombiano diz que esquerda não cumpre mais padrões tradicionais da ideologia
RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL A BOGOTÁ
ÁLVARO Uribe, 54, presidente da Colômbia,
tornou-se uma raridade na região. É de direita, aliado incondicional do americano
George Bush e ainda tem popularidade de
72% com cinco anos no poder.
Mas, apesar da queda de homicídios e seqüestros,
ele não conseguiu reduzir o narcotráfico. Sob críticas
de senadores americanos democratas de só priorizar
o combate militar, Uribe vai aumentar investimentos
sociais e diz que não é um neoliberal. Leia a entrevista
que ele concedeu à Folha no palácio da Presidência.
FOLHA - Nesta semana, o senhor
tem um encontro com o governador
do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, em
Medellín. Como a Colômbia reduziu
a criminalidade, que conselhos o senhor daria a ele?
URIBE - É muito difícil dar conselhos. Mas nossa decisão aqui
é derrotar o narcotráfico e, para
isso, é necessária determinação
política. Combinar ações, prender responsáveis.
Também fazemos uma extradição severa; 530 narcotraficantes foram extraditados, 480
deles para os EUA. E confiscamos bens adquiridos ilegalmente dos narcotraficantes.
Na cidade de Medellín havia
uma série de favelas dominadas
pela guerrilha e pelos paramilitares. Ambos grupos financiados pela coca. Colocamos o
Exército e a polícia nas favelas
com toda a determinação. E
prendemos quem estava nesses
grupos.
Fizemos uma campanha para quem quisesse se desmobilizar. Mais de 40 mil pessoas entregaram as armas
FOLHA - Já se tentou diálogo, zona
desmilitarizada, enfrentamento militar, e ninguém consegue derrotar
ou chegar a um acordo de paz com
as Farc. Por quê?
URIBE - O governo colombiano
está sempre pronto para o diálogo. Mas o que temos em mente é derrotar militarmente as
Farc. Enquanto eles não quiserem o diálogo, nosso objetivo
será derrotar militarmente o
terrorismo. Mas isso leva tempo. É necessária uma política
de longo prazo. Sempre tivemos tentativas e planos curtos,
abandonados.
FOLHA - Por que é tão difícil derrotá-los?
URIBE - Quando analiso por que
os movimentos insurgentes
terminaram suas operações no
resto da América Latina e não
na Colômbia, vejo que em algumas partes da América Latina
eles foram derrotados apelando a procedimentos que violam
os direitos humanos. A maneira como nós os combatemos é
uma maneira transparente e
institucional.
Na Colômbia, durante muitos anos, eles não foram combatidos. Achava-se que com o
diálogo eles parariam suas atividades violentas.
Cinco anos de persistência
em uma política de segurança
já deu grandes resultados.
Quando começou nosso governo, havia 3.000 seqüestros ao
ano. Em 2006, foram 280.
Não se pode esquecer que este país tem 1,164 milhão Km2,
578 mil dos quais de selva. Aqui
há muitos lugares onde se esconder.
FOLHA - O negócio da droga é muito rentável, graças ao alto consumo
nos EUA. O senhor não acha que não
adianta erradicar plantações enquanto for tão lucrativo plantar tudo de novo?
URIBE - O consumo é um grande problema, mas também temos 1 milhão de consumidores
aqui. A legislação colombiana
não castiga o consumo, é muito
permissiva. Não bastam políticas de prevenção e educação,
sem ter sanções.
FOLHA - Os senadores democratas
dos EUA têm criticado o Plano Colômbia por enfatizar muito o aspecto militar e pouco a área social. Falta
um combate à pobreza?
URIBE - Temos um programa
social muito ambicioso. Buscamos plena cobertura em educação básica, além de aumentar o
acesso à educação média e universitária. Temos um programa parecido com o Bolsa-Escola, com o qual atendemos 1,5
milhão de "famílias educativas", que recebem subsídio do
Estado para ajudar a educação
dos filhinhos.
E temos um programa muito
extenso de microcréditos. Concedemos 1,8 milhão de empréstimos no primeiro governo e
queremos chegar a 5 milhões
de microcréditos agora.
FOLHA - Mas não falta mais investimento social dentro da verba do Plano Colômbia?
URIBE - Nós temos no Plano
Colômbia três políticas. A consolidação da segurança, o estímulo e a confiança a investidores no país e a política social.
Estão inter-relacionadas.
A segurança permite que haja confiança dos investidores.
Com mais investimentos, permite-se mais política social.
Com ela, a economia também
cresce, porque vinculam-se à
economia setores excluídos. Se
a economia cresce, a segurança
se torna mais sustentável.
FOLHA - Os avanços não são muito
lentos?
URIBE - Temos que entender e
colocar tudo isso no contexto
do país que encontramos. A Colômbia tinha perdido a viabilidade financeira. O país ainda
não tem grau de investimento.
A economia estava em colapso
devido à violência.
A guerrilha colombiana é de
origem marxista. Ela tinha o
objetivo da reivindicação social. Mas ela conseguiu o contrário. Conseguiu mais pobreza, fuga de capitais, desemprego, os refugiados internos. E
engendrou os paramilitares.
FOLHA - Uma explicação para a onda de governos de esquerda na
América Latina é que os governos
conservadores na região durante os
anos 90 fizeram reformas de abertura e privatizações, que não renderam bons resultados sociais. O senhor quer ser diferente dos governos de direita que o precederam?
URIBE - O que é direita?
FOLHA - Na região, é quem defende
o livre mercado, a menor presença
do Estado, promove privatizações,
não quer gastar muito em programas sociais...
URIBE - Nós não participamos
do desmonte do Estado dos
anos 90 nem do estatismo. Não
acreditamos no estatismo nem
no desmantelamento. Creio no
Estado que garanta investimento privado e responsabilidade social.
O Estado tem que servir à sociedade, não às corruptelas políticas nem aos excessos sindicais. Monopólios estatais ineficientes eram uma carga para a
comunidade. Mas também são
um fardo as empresas de capitalismo selvagem sem responsabilidade social.
FOLHA - O senhor não se sente isolado, por ser o único presidente assumidamente de direita na América
do Sul?
URIBE - Se nós aplicássemos os
"standards" da esquerda européia tradicional, os governos
que se autointitulam de esquerda na América Latina não
poderiam ser chamados de esquerda; não teriam a nota suficiente.
Não vou dizer quem é de esquerda ou de direita; deixo isso
para você. Antes a segurança
era tema de direita, hoje é de
esquerda. Direita e esquerda já
defenderam liberdades. A esquerda defendia a coesão social, mas a direita precisa dela
também.
Ambas precisam de Estado
transparente. Se estão comprometidas com a democracia,
precisam defender instituições
independentes. O que eu quero
é uma democracia moderna.
Com segurança democrática,
respeito às liberdades, coesão
social, instituições independentes e transparência.
FOLHA - Nada de enxugar o Estado?
URIBE - Em vez de desmantelar
o Estado, eu defendo um Estado eficiente, que não obstrua a
iniciativa privada, mas que exija investimento social. Em vez
de capitalismo selvagem, eu falo de responsabilidade social.
Prefiro um Estado comunitário, em que a comunidade participe mais das decisões, da
execução delas e de sua supervisão. Nossas relações trabalhistas não são regidas pelo estatismo, que cria relações de
trabalho a serviço dos amigos
do governo de turno. Nem regidas pelo ódio entre classes, que
impulsionaram as guerrilhas
marxistas na Colômbia, nem
pela exploração do trabalho no
capitalismo selvagem.
FOLHA - Como se explica que tantos políticos tenham vínculos com
paramilitares?
URIBE - Do mesmo jeito que se
aproximaram da guerrilha. Em
muitas regiões do país faltou a
presença do Estado. O Estado
foi derrotado pela guerrilha e
pelos militares, perdeu o controle territorial. Habitantes
desprotegidos e submetidos a
guerrilheiros e paramilitares.
Eles precisavam de "proteção".
Os juízes têm que olhar quem
se aliou por coação, por necessidade, ou para delinqüir, fazer
negócios com eles.
FOLHA - O senhor imaginava que
fossem tão extensas essas ligações?
URIBE - Não me surpreende.
Conheço bem o interior do
país. O Estado perdeu o controle em regiões por décadas. As
pessoas se submetiam e buscavam proteção de um dos bandos. Vamos superando isso
agora.
FOLHA - Na sua coligação foram
descobertos políticos mantendo relações com paramilitares. O que o
senhor vai fazer com seus aliados?
URIBE - Quem tiver responsabilidades que vá para a cadeia.
FOLHA - O senhor tem promovido
os cultivos substitutivos da coca.
Mas como um camponês vai abandonar a coca, que dá muito mais dinheiro, para plantar produtos que
mal dão para a subsistência?
URIBE - Temos um problema
comum. Nossa floresta amazônica é destruída para que se
plante coca; a do Brasil é destruída para que se plante soja.
Temos contratado camponeses para atuar como guardas da
floresta, para cuidarem de projetos de reflorestamento. E
também plantações de cacau e
café orgânico. Já somos o segundo país em biocombustíveis
na região, depois do Brasil.
É verdade que com a coca ganham mais dinheiro. Temos
que combinar oportunidades
econômicas com ação militar.
Se fosse só competir por dinheiro, eles escolheriam a coca.
Por que escolheriam a outra?
Porque temem a ação militar, o
peso da lei.
FOLHA - Mas ainda há muita pobreza, que é a raiz do problema.
URIBE - O crescimento econômico ajuda. Em dois anos, a Colômbia teve o segundo maior
índice de investimento estrangeiro per capita, depois da Costa Rica.
O que oferecemos? Aqui não
há dúvidas de ambiente favorável a investimentos com responsabilidade social. Melhoramos na segurança, no manejo
econômico, no sistema tributário; acabamos de aprovar estímulos ao investimento. Não estimulamos os juros, queremos
atrair investimento, produção.
De cada US$ 100 investidos, o
Estado coloca US$ 12,8 em
isenções fiscais, estímulos tributários.
Há estímulos específicos.
Cultivos de combustíveis biológicos isentos de IVA (ICMS local) e de impostos indiretos no
consumo. Quem constrói um
hotel novo no país tem 30 anos
de isenção tributaria, assim como empresas de turismo ecológico têm permanente isenção.
FOLHA - As empresas brasileiras já
descobriram a Colômbia?
URIBE - Novos investimentos
vão chegando. A Petrobrás investe muito aqui; a Gerdau é
uma empresa brasileira que vai
participar do leilão da maior siderúrgica do país -36% das
ações estão nas mãos dos próprios funcionários [Na sexta-feira, 52% da Paz del Río foi
comprada pela Votorantim por
US$ 486 milhões].
FOLHA - Como é sua relação com o
presidente Lula?
URIBE - Minha relação com o
presidente Lula é muito boa.
FOLHA - Independentemente das
ideologias?
URIBE - Eu não noto as diferenças. Não vejo. São mais de percepções pela trajetória política
que de realidade.
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