São Paulo, sábado, 19 de março de 2011

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ANÁLISE

No primeiro ato, é o velho ditador quem dá as cartas

IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Muammar Gaddafi colocou o Ocidente em uma sinuca de bico. De "cachorro louco do Oriente Médio" a parceiro de negócios confiável, o líder líbio parece ter aprendido direitinho as lições de hipocrisia de seus adversários.
Sua reação imediata à resolução do Conselho de Segurança da ONU foi impecável, do ponto de vista tático. Se o será estrategicamente, esta é outra história ainda a ser contada.
Enquanto era cozinhada a decisão política na Organização das Nações Unidas, Gaddafi intensificou seus ataques aos rebeldes, cortando suas linhas de suprimento.
Na prática, estão encurralados em Benghazi, e parece ser difícil para eles ameaçar Trípoli sem assistência mais objetiva externa, como fornecimento de armas.
No meio-tempo, britânicos e franceses desenharam um plano para instalar uma zona de exclusão aérea -o que enseja bombardeios.
O cronograma favoreceu o ditador líbio. Independentemente do que vai acontecer, especialmente se fala a verdade, o primeiro movimento do jogo foi dele.
Ao dizer "Ok, ONU, eu aceito o cessar-fogo", Muammar Gaddafi esteriliza diplomaticamente os ataques e ganha tempo.
A secretária de Estado Hillary Clinton pode afirmar o que quiser, mas resolução da ONU não diz nada sobre remover o sujeito do poder.
E mesmo que as bombas estejam a cair durante essa leitura ou antes, e Gaddafi venha a ser apeado, novamente ficará a impressão de que o Ocidente manipula as regras a gosto.
Isso porque a resolução da ONU fala em proteção a civis. Não faz sentido achar que a população estará salva caso a Líbia esteja partida em dois, mas nem por isso há provisões para a eventualidade de o ditador resolver fazer o serviço lentamente.
Se o Ocidente atacar, por meio da França e do Reino Unido, a resolução terá sido interpretada a seu contento e só. Não que isso seja exatamente inédito.
Se decisões da ONU fossem levadas a sério, hoje haveria dois Estados na antiga Palestina sem oposição árabe e o Iraque nunca teria sido invadido pelos EUA.
Não é o caso de esquecer agendas domésticas: Paris quer se livrar da associação com o dinheiro líbio que teria financiado a campanha de Sarkozy, e Londres prefere esquecer que soltou o terrorista que ajudou a explodir um Jumbo em 1988 sobre seu território a troco de negócios petrolíferos.
Assim, o filme segue, mas a primeira cena acabou roubada pelo velho ditador.


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