São Paulo, quinta-feira, 19 de abril de 2007

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Em vídeo, autor de massacre se diz acuado

Entre assassinar suas duas primeiras vítimas e matar as 30 demais, Cho enviou a rede de TV um "manifesto multimídia"

Polícia do campus revela que estudante sul-coreano tinha histórico de assédio e que foi levado a instituto psiquiátrico, mas liberado

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A BLACKSBURG

"Vocês tiveram bilhões de chances e formas de evitar hoje. Mas vocês me acuaram e só me deram uma opção." Quem diz isso de modo frio e compassado, num tom monocórdico, é um rapaz de camiseta preta e cabelo curto. Ele lê um texto de 1.800 palavras. É Cho Seung-hui, o estudante sul-coreano de 23 anos acusado de matar 32 pessoas e depois se matar no que é considerado o maior massacre a tiros dos EUA.
O vídeo, mais 43 fotos, 27 clipes e um texto, foi colocado no posto de correio do Instituto Politécnico da Virgínia (Virginia Tech) às 9h01 locais de segunda-feira (10h01 no Brasil), entre as duas primeiras mortes, às 7h15, e o resto do massacre -que aconteceria menos de uma hora depois do horário marcado pelo funcionário postal. O destinatário era a emissora de TV NBC, em Nova York.
Como remetente, apenas um nome: Ishmael, possível referência ao personagem citado na primeira linha do clássico "Moby Dick". No que o âncora da NBC, Brian Williams, chamou de "manifesto multimídia" ao apresentar parte do conteúdo no jornal da emissora ontem, às 18h30 locais, Cho ainda faria referência aos autores do massacre na escola Columbine, no Colorado, em 1999. Numa das fotos, aparece com duas armas, colete e boné ao contrário, em pose que lembra cena do filme "Matrix".
"Ele expressa o mesmo tipo de atitude de "eu contra o resto do mundo" dos meninos de Columbine", disse Pete Williams, correspondente da emissora em Washington. Em uma entrada ao vivo, um ex-perfilador do FBI disse que Cho é como "alguém nos puxando pelo pescoço da cova para que prestemos atenção nele".
O vídeo pode ser uma prova de que o massacre de segunda-feira foi premeditado, não só pelo horário em que foi entregue no correio mas porque especialistas acreditam que o material todo deve ter levado pelo menos seis dias para ser feito.

"Doença mental"
Ontem ainda, a polícia do campus revelou que o estudante sul-coreano foi interrogado duas vezes no fim de 2005, depois de duas alunas reclamarem do assédio dele, e que foi hospitalizado após um colega dizer que tinha idéias suicidas. Cho passou a noite de 13 de dezembro daquele ano num hospital psiquiátrico em Christiansburg, perto do campus.
Depois de um médico do hospital dizer a um juizado especial do Estado da Virgínia que cuida de casos do tipo que Cho havia negado ter tido pensamentos suicidas, o juiz Paul Barnett determinou que ele fosse liberado. As duas estudantes, que reclamaram à polícia em ocasiões diferentes, decidiram não prestar queixas, e esse foi o último contato do sistema legal da Virgínia com Cho.
Na ordem judicial, na opção "apresenta um risco iminente a si próprio como resultado de doença mental", o juiz Barnett colocou um "xis", mas deixou em branco a que diz "hospitalização involuntária é necessária". Se tivesse preenchido essa opção também, o nome de Cho entraria no sistema criminal, e o estudante teria sido impedido de comprar as duas armas achadas após o ataque.
A revelação elevou o tom das críticas à universidade pela maneira com que lidou com o estudante problemático antes do massacre. Nas últimas horas, três professores vieram a público reclamar do comportamento de Cho em suas aulas. Uma delas, Lucinda Roy, afirma ter avisado seus superiores.
Outra, a poeta Nikki Giovanni, afirmou ter pedido que ele mudasse o tipo de poema que escrevia, considerado "mórbido demais" por ela e por boa parte dos alunos, que ameaçou boicotar a aula a seu lado. Giovanni pediu também que Cho parasse de tirar fotos de colegas sem autorização.
Segundo a direção da universidade, as professoras disseram que nenhum dos escritos trazia referência a atividades criminais ou intenção de cometê-las, daí a decisão de não fazer nada.
Colegas de quarto de Cho afirmaram também que ele tinha uma namorada imaginária, uma top model a quem chamava de "Jelly" (geléia) e que o chamava de "Spanky" (espancadorzinho).
O estudante sul-coreano chegou aos EUA com a família em 1992 e tinha status de residente. Desde o massacre, seus pais não foram vistos nem se pronunciaram. O casal vive em Centreville (a quatro horas de Blacksburg), onde é dono de uma tinturaria.


NA INTERNET - Veja o vídeo de Cho (em inglês) em http://www.msnbc.msn.com/id/18169776/


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