São Paulo, sábado, 19 de abril de 2008

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Medo de fraude ronda eleição no Paraguai

Histórico de corrupção e denúncias de manipulações alimentam insegurança popular em pleito presidencial de amanhã

População já conta com trapaças eleitorais, que não estão restritas ao governo; observador internacional nega denúncia concreta


Reuters
A governista Blanca Ovelar, que se irritou com menção a denúncia de fraudes, é rodeada por simpatizantes em Assunção

FÁBIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL A ASSUNÇÃO

"Trampa", que em espanhol significa fraude, trapaça, é uma das palavras mais ouvidas nos últimos dias nas ruas de Assunção. Denúncias de manipulações diversas e um histórico de corrupção e uso ostensivo da máquina pública em favor do Partido Colorado sustentam a desconfiança geral da população sobre a legitimidade das eleições de amanhã para a Presidência do Paraguai.
Os principais candidatos são o ex-bispo católico Fernando Lugo, que lidera as pesquisas, a governista Blanca Ovelar, ex-ministra da Educação, e o general reformado Lino Oviedo, libertado no ano passado após cumprir metade da pena de dez anos a que foi condenado por tentativa de golpe em 1996.
"Blanca", responde o taxista Albino Guzmán à pergunta sobre quem vence. "Não sei se ganhará para valer, mas [o presidente] Nicanor [Duarte] não vai entregar se for outro o resultado. Vai fraudar para não perder. Todo mundo sabe que Castiglioni ganhou as internas, mas fraudaram, pois Blanca é candidata do Nicanor."
Embora boa parte dos paraguaios se mostre revoltada com o espectro da fraude, a resignação do taxista é um sentimento ainda muito comum no país. A suposta manipulação de dados nas primárias coloradas a que se refere o taxista -que fez o derrotado, Luis Castiglioni, afastar-se da campanha de Blanca-, não é nem exclusividade dos governistas.
As internas do PLRA (Partido Liberal Radical Autêntico), principal sigla de oposição, que integra a coalizão de Lugo, foram igualmente marcadas por acusações de manipulação para beneficiar Federico Franco, que venceu Carlos Mateo Balmelli por estreita diferença na disputa pelo posto de vice da aliança -quando pesquisas, supostamente manipuladas, davam larga vantagem a Franco.
Nos últimos dias, os principais jornais do país, especialmente o "ABC Color" (líder em circulação), que praticamente faz campanha para Lugo, têm denunciado fatos que prenunciariam fraude armada pelos colorados. Um deles é o "cachito" (pedacinho): consiste em mudar o local de votação de pequenos grupos de eleitores, de modo a não chamar a atenção. Assim, eleitores chegam a uma seção e descobrem, na hora de votar, que seu registro foi mudado para uma zona distante.
Outra artimanha é a da "calesita" (carrossel), pela qual o fraudador entrega ao eleitor cooptado cédulas de votação preenchidas antecipadamente. Ao chegar à seção, o votante pega outra cédula, em branco, põe na urna a que levou de casa e entrega a não preenchida ao partido fraudador, que a preenche e dá a outro eleitor para que faça o mesmo.
Há ainda o "voto defunto", que, graças à manutenção de mortos na lista de votação, permite que outros votem por eles.

De volta ao papel
Ao contrário da eleição de 2003, na qual foram usadas urnas eletrônicas brasileiras, desta vez as cédulas serão de papel, o que em tese facilita as fraudes. Depois de a Justiça eleitoral solicitar ao TSE a cessão de novas urnas (o tribunal brasileiro já assentira em emprestar 10 mil delas), no último momento voltou atrás. O mais curioso é que a desistência se deveu não a pressão do governo, mas da oposição paraguaia.
"Foi um erro abrir mão do sistema eletrônico, que é bem mais seguro. A fraude sempre foi uma preocupação no Paraguai e continua a ser, porque o tribunal eleitoral foi gradativamente se deteriorando", diz o senador (sem partido) e cientista político José Nicolás Morinigo, professor da Universidade Católica de Assunção.
Morinigo é autor do livro "Democracia Tramparente" (trocadilho com "trampa"), sobre fraudes nas primárias coloradas e nas eleições gerais de 1993, as quais Juan Carlos Wasmosy venceu.
Os três membros do Tribunal Eleitoral paraguaio têm de ser aprovados pelo Congresso, o que permite sua partidarização. Observadores da OEA (Organização do Estados Americanos) e da Ifes (Fundação Internacional para Sistemas Eleitorais, na sigla em inglês) estão em Assunção para acompanhar a eleição. Segundo o ex-presidente colombiano Andrés Pastrana, que lidera a missão da Ifes, ainda não há denúncia concreta de irregularidades.


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