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Desigualdade entre negros aumenta na África do Sul
Beneficiada por plano de ação afirmativa, nova classe média se distancia da metade da população abaixo da linha de pobreza
"É a hora dos mais pobres", promete porta-voz do CNA, partido antiapartheid que deve manter maioria na eleição da próxima quarta
FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A JOHANESBURGO
O recém-inaugurado shopping Maponya, num subúrbio
de maioria negra de Johanesburgo, tem lojas de grife, fontes,
arquitetura modernista e, como um lembrete de que está na
África do Sul, enormes estátuas
de elefante na entrada. Pelos
corredores, fala-se xhosa e zulu, línguas tradicionais africanas, e quase nenhum inglês ou
africâner (dialeto do holandês),
idiomas "brancos".
Na saída, uma misteriosa fila
de carros se forma. Seguranças
enfiam a cabeça sem cerimônia
dentro do veículo para checar
se a chave está mesmo no contato ou se foi feita uma ligação
direta -o que indicaria que o
carro acabou de ser furtado.
"Acontece muito roubo por
aqui", diz um motorista.
Há 15 anos, o apartheid acabou oficialmente, mas a desigualdade de renda na África do
Sul continua alimentando a criminalidade. Como prova o controle estrito do shopping, a diferença é que ela hoje não assusta apenas brancos, mas também a emergente classe média
negra, grande parte beneficiária das políticas de ação afirmativa do governo.
"Caminhamos um pouco
nesses anos para que a África
do Sul seja uma sociedade capitalista normal, em que o componente mais importante é o de
classe, não de raça", diz Justin
Sylvester, do Instituto para a
Democracia na África do Sul.
Mas a etnia, como o próprio
analista admite, ainda domina
a política sul-africana, como
evidenciam as peças de propaganda da eleição geral marcada
para a próxima quarta-feira,
em que o partido dominante, o
Congresso Nacional Africano
(CNA), enfrenta pela primeira
vez oposição negra. Mesmo assim, é favorito para manter hegemonia no Parlamento e eleger indiretamente seu candidato, Jacob Zuma, presidente.
Desde 1994, a economia sul-africana teve crescimento real
(descontada a inflação) em todos os anos. Chegou a 5% entre
2003 e 2007. Mesmo com a crise mundial, o PIB deve subir
1,3% em 2009.
A mortalidade infantil e o
analfabetismo caíram, mas
também a expectativa de vida,
puxada pela Aids e a violência
urbana. A desigualdade social
aumentou, e o país despencou
no Índice de Desenvolvimento
Humano, medido pela ONU.
O governo tem resposta
pronta para isso, uma promessa que se repete a cada eleição.
"Até aqui, nossa democracia foi
sentida pelos que têm condições de aproveitá-la. Agora, é a
hora dos mais pobres", diz Lindiwe Zulu, porta-voz do CNA e
ex-embaixadora no Brasil.
Fortalecimento
Os negros são quase 80% da
população, metade abaixo da linha da pobreza. Do restante,
grande parte se beneficiou do
ambicioso BEE, uma sigla que
hoje é tão presente no dia a dia
dos sul-africanos quanto os jogos de rúgbi.
Trata-se do acrônimo em inglês para Black Economic Empowerment, ou "fortalecimento econômico negro", a principal estratégia oficial do pós-apartheid para incluir o grupo
outrora perseguido.
Empresas são julgadas não
apenas pela qualidade do serviço ou menor preço, mas também segundo sete critérios de
inclusão racial, incluindo quantidade de negros proprietários
da empresa, parcela de executivos negros e compromisso com
treinamento profissional. Baseado nesses critérios, é estabelecida uma nota, determinante
na hora de obter um contrato
público, por exemplo.
Nos últimos anos, uma indústria de consultoria especializada em BEE floresceu na
África do Sul. Gavin Levenstein
montou a sua em 2005, a EconoBEE, e fatura com sessões de
treinamento para executivos
que querem tirar boas notas no
teste do governo. Ele ensina a
melhor maneira de cumprir os
rigorosos critérios de ação afirmativa.
"Meus clientes são desde empresas que limpam vidraças até
multinacionais", diz ele, que
emprega oito funcionários e
tem planos de se expandir. Como a sua, há 15 outras consultorias especializadas nesse ramo
atuando em Johanesburgo.
O processo de certificação é
uma oportunidade única para
funcionários corruptos de órgãos públicos levarem vantagem, como o próprio governo
admite. E o fato de vários cardeais do CNA terem ficado
multimilionários após o apartheid, atuando como consultores em BEE para conglomerados, também não ajuda a dissipar a percepção de que o esquema é falho.
Mas todos os candidatos à
eleição de quarta, conscientes
de que o BEE veio para ficar,
prometem mantê-lo, após uma
revisão completa e critérios
mais rígidos de avaliação.
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