São Paulo, sexta-feira, 19 de maio de 2006

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HISTÓRIA

Documentos aos quais apenas a Cruz Vermelha teve acesso mostram como funcionava a máquina de extermínio nazista

Arquivo recém-aberto detalha Holocausto

TONY PATERSON
DO "INDEPENDENT", EM BERLIM

Na tranqüila cidade de Bad Arolsen, na Alemanha, um antigo quartel da SS contém o que é provavelmente o mais extenso registro de horror humano jamais mantido. Os detalhes, que podem ser encontrados em mais de 47 milhões de arquivos que cobrem 26 quilômetros de estantes, estão contidos em cadernos comuns, de capa dura, do tipo que poderia ser encontrado em qualquer escola.
Está registrado minuciosamente no "Totenbuch", ou "Livro da Morte", compilado no campo de concentração de Mauthausen, na Áustria, o "presente" que o comandante do campo preparou para Adolf Hitler na ocasião do aniversário do Führer em 20 de abril de 1942. Para comemorar o dia, 300 prisioneiros russos foram selecionados para execução.
A lista de morte revela como cada prisioneiro foi submetido a um chamado "Genickschuss", ou tiro na nuca -apenas uma bala disparada de uma pistola apertada contra a base do crânio.
Os nomes, números, datas e locais de nascimento de cada preso são cuidadosamente registrados linha a linha. A matança começou às 11h20, quando a palavra "Genickschuss" aparece pela primeira vez, e se repetiu a partir disso a cada dois minutos, por 299 vezes.
Nesta semana foram divulgadas publicamente, pela primeira vez, arquivos contendo detalhes sobre cerca de 17 milhões de vítimas do sistema nazista de campos de extermínio e de trabalho escravo.
Nas últimas seis décadas esses arquivos foram utilizados exclusivamente pelo Serviço Internacional de Rastreamento da Cruz Vermelha para averiguar o destino de milhões de pessoas desaparecidas sob o domínio nazista.
Os arquivos foram mantidos fora do alcance do público em grande parte graças a objeções feitas pela Alemanha, alegando a necessidade de proteger a privacidade das vítimas.
Mas, na última terça-feira, a comissão de 11 países que controla o arquivo -EUA, Reino Unido, França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda, Grécia, Israel, Polônia e Luxemburgo- finalmente concordou em abri-lo aos historiadores, pela primeira vez.

Revelações
As informações que virão à tona vão fornecer novos dados sobre o funcionamento da máquina nazista de extermínio e de trabalho escravo.
O historiador Ulrich Herbert, da Universidade de Freiburg, declarou: "São relatos pavorosos de uma época terrível. É frustrante, até mesmo assustador, que esses registros tenham sido mantidos fora do alcance dos pesquisadores por tanto tempo".
Os arquivos retratam a barbárie do domínio nazista imposto a milhões de pessoas, em detalhes sumários, mas reveladores. Um arquivo registra a situação de Katrina, uma francesa detida pela Gestapo por "reclamar de ter sido involuntariamente esterilizada pelas autoridades depois de dar à luz um bastardo de cor".
Outro arquivo registra o que aconteceu com um banqueiro alemão enviado ao campo de concentração de Buchenwald, em 1937, depois de um informante tê-lo ouvido fazendo críticas ao regime nazista. Em 1944, ele levou "25 chicotadas por preguiça" e, depois de ter sido submetido a interrogatório, "perdeu todos os dentes da boca".
Há, também, a história de uma enfermeira de 31 anos forçada a usar a "estrela de Davi" preta e amarela que declarava sua condição de "maculada pela raça judaica". Seu arquivo ressalta: "A mulher é metade judia e vive com o namorado ariano. Ela admite que eles já tiveram relações sexuais". A mulher desapareceu depois de ser enviada ao campo de concentração de Ravensbrück.
Desde 1945, a Cruz Vermelha vem utilizando os arquivos de Bad Arolsen para responder a mais de 11 milhões de pedidos de informação, vindos de 62 países, sobre o paradeiro de pessoas desaparecidas sob o governo nazista. Apenas no ano passado foram mais de 150 mil solicitações de informação.
Mais recentemente, os registros foram usados para ajudar as vítimas do trabalho escravo a pedir indenização. Alguns conseguiram registrar esses pedidos apenas porque os registros dos prisioneiros submetidos a tratamento antipiolhos nos campos possibilitaram sua identificação.
Além de fornecer detalhes históricos tenebrosos sobre o período nazista, grupos judaicos dizem que os arquivos vão fornecer um antídoto poderoso à ação dos setores que negam que o Holocausto tenha acontecido.
Israel Singer, do Conselho Judaico Mundial, declarou: "Os milhões de documentos escritos que comprovam o massacre nazista dos judeus estarão abertos aos pesquisadores. É um golpe contra os que negam o Holocausto".


Tradução de Clara Allain


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