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Reação negativa dos EUA preocupa Brasil
Resistência a acordo começou antes mesmo de assinatura, com telefonemas de Obama a anfitriões de Lula na Rússia e no Qatar
Brasil diz estranhar ofensiva de presidente dos EUA, já que acordo fechado com Irã atenderia a linhas definidas por carta de americano a Lula
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI
Sem se manifestar desde que
deixou o Irã na segunda-feira, o
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva pediu ontem tempo para
"amadurecer as reações" em
torno do acordo com os iranianos (e os turcos) antes de se
pronunciar.
O presidente tem dito a seus
assessores mais próximos que
sabe perfeitamente o alto teor
de polêmica contido no acordo
Irã/Brasil/Turquia. Por isso,
qualquer pronunciamento
acrescentaria gasolina ao incêndio, o que não interessa ao
governo brasileiro.
O eixo das preocupações do
Palácio do Planalto passou a
ser, surpreendentemente, os
Estados Unidos e sua reação.
O presidente dos EUA, Barack Obama, exerceu uma pressão "excepcional", na versão
ouvida pela Folha na delegação
brasileira que foi ao Irã, para
que fracassasse a missão do
presidente brasileiro em busca
de um acordo.
Obama ficou uma hora e
meia ao telefone com o presidente russo, Dmitri Medvedev,
na véspera da chegada de Lula
a Moscou. Em seguida, telefonou também para o premiê do
Qatar, etapa seguinte da viagem da comitiva brasileira.
O presidente estranhou a
ofensiva, na medida em que o
acordo que estava sendo negociado com o Irã (e a Turquia)
seguia estritamente as linhas
de carta que Obama enviara
três semanas antes a Lula.
Ou seja, sugeria que a negociação deveria passar pela troca
de urânio pobremente enriquecido do Irã por urânio enriquecido a 20%, suficiente para
fins civis, mas insuficiente para
fabricar a bomba.
Essa troca fora proposta originalmente pela Agência Internacional de Energia Atômica,
ao se reiniciar, em outubro, a
negociação entre o Irã e o P5+1
(os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança
da ONU -EUA, Rússia, China,
França e Reino Unido- mais a
Alemanha).
A carta também insistia em
que o Irã deveria comprometer-se a obedecer rigorosamente o TNP (Tratado de Não Proliferação Nuclear).
O documento final emitido
anteontem em Teerã contém
essas linhas, mas nem assim a
pressão cessou.
Acordo atrasado
Lula comenta também com
seus auxiliares mais diretos que
percebeu já em meados do ano
passado, durante a Assembleia
Geral da ONU, que nenhum
dos membros permanentes do
Conselho de Segurança estava
conversando com o Irã.
Ele próprio teve, na ocasião,
um encontro com o presidente
iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, no qual sentiu que havia
espaço para uma negociação.
Intuitivo como é e convencido de que sua experiência de
negociador no movimento sindical lhe daria uma boa chance
de intervir no caso levou-o ao
intenso trabalho que culminou
na segunda-feira.
A reação dos EUA fez a diplomacia brasileira entender que
os princípios valiam para um
acordo que fosse fechado seis
meses atrás, não agora. Em outubro do ano passado, aconteceu a primeira rodada de negociações entre o P5+1 e o Irã, que
não foi a lugar algum.
É possível que a resistência
americana, agora, se deva ao
cálculo que se faz nos EUA de
que o Irã aumentou o seu estoque de urânio, o que tornaria a
quantia acertada no acordo de
segunda insuficiente para impedir o país de continuar com o
programa que os ocidentais
acreditam ser de fins militares.
O Brasil considera de todo
modo que, apesar do avanço
ontem no Conselho de Segurança da ONU, a hipótese de
sanções tornou-se inviável.
"Eles [os EUA] vão se dar mal,
se tentarem o caminho das sanções", disse o assessor presidencial Marco Aurélio Garcia.
Acrescentou: "Seria moral e politicamente inaceitável".
Ele diz, também, que o dueto
proposto pela secretária de Estado Hillary Clinton (negociações mas também sanções) é
impraticável: "Se houver sanções, não haverá negociação. O
Irã é um país muito importante
para se submeter".
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