São Paulo, quarta-feira, 19 de maio de 2010

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Reação negativa dos EUA preocupa Brasil

Resistência a acordo começou antes mesmo de assinatura, com telefonemas de Obama a anfitriões de Lula na Rússia e no Qatar

Brasil diz estranhar ofensiva de presidente dos EUA, já que acordo fechado com Irã atenderia a linhas definidas por carta de americano a Lula


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

Sem se manifestar desde que deixou o Irã na segunda-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu ontem tempo para "amadurecer as reações" em torno do acordo com os iranianos (e os turcos) antes de se pronunciar.
O presidente tem dito a seus assessores mais próximos que sabe perfeitamente o alto teor de polêmica contido no acordo Irã/Brasil/Turquia. Por isso, qualquer pronunciamento acrescentaria gasolina ao incêndio, o que não interessa ao governo brasileiro.
O eixo das preocupações do Palácio do Planalto passou a ser, surpreendentemente, os Estados Unidos e sua reação.
O presidente dos EUA, Barack Obama, exerceu uma pressão "excepcional", na versão ouvida pela Folha na delegação brasileira que foi ao Irã, para que fracassasse a missão do presidente brasileiro em busca de um acordo.
Obama ficou uma hora e meia ao telefone com o presidente russo, Dmitri Medvedev, na véspera da chegada de Lula a Moscou. Em seguida, telefonou também para o premiê do Qatar, etapa seguinte da viagem da comitiva brasileira.
O presidente estranhou a ofensiva, na medida em que o acordo que estava sendo negociado com o Irã (e a Turquia) seguia estritamente as linhas de carta que Obama enviara três semanas antes a Lula.
Ou seja, sugeria que a negociação deveria passar pela troca de urânio pobremente enriquecido do Irã por urânio enriquecido a 20%, suficiente para fins civis, mas insuficiente para fabricar a bomba.
Essa troca fora proposta originalmente pela Agência Internacional de Energia Atômica, ao se reiniciar, em outubro, a negociação entre o Irã e o P5+1 (os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU -EUA, Rússia, China, França e Reino Unido- mais a Alemanha).
A carta também insistia em que o Irã deveria comprometer-se a obedecer rigorosamente o TNP (Tratado de Não Proliferação Nuclear).
O documento final emitido anteontem em Teerã contém essas linhas, mas nem assim a pressão cessou.

Acordo atrasado
Lula comenta também com seus auxiliares mais diretos que percebeu já em meados do ano passado, durante a Assembleia Geral da ONU, que nenhum dos membros permanentes do Conselho de Segurança estava conversando com o Irã.
Ele próprio teve, na ocasião, um encontro com o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, no qual sentiu que havia espaço para uma negociação.
Intuitivo como é e convencido de que sua experiência de negociador no movimento sindical lhe daria uma boa chance de intervir no caso levou-o ao intenso trabalho que culminou na segunda-feira.
A reação dos EUA fez a diplomacia brasileira entender que os princípios valiam para um acordo que fosse fechado seis meses atrás, não agora. Em outubro do ano passado, aconteceu a primeira rodada de negociações entre o P5+1 e o Irã, que não foi a lugar algum.
É possível que a resistência americana, agora, se deva ao cálculo que se faz nos EUA de que o Irã aumentou o seu estoque de urânio, o que tornaria a quantia acertada no acordo de segunda insuficiente para impedir o país de continuar com o programa que os ocidentais acreditam ser de fins militares.
O Brasil considera de todo modo que, apesar do avanço ontem no Conselho de Segurança da ONU, a hipótese de sanções tornou-se inviável. "Eles [os EUA] vão se dar mal, se tentarem o caminho das sanções", disse o assessor presidencial Marco Aurélio Garcia. Acrescentou: "Seria moral e politicamente inaceitável".
Ele diz, também, que o dueto proposto pela secretária de Estado Hillary Clinton (negociações mas também sanções) é impraticável: "Se houver sanções, não haverá negociação. O Irã é um país muito importante para se submeter".


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