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CHINA
Afirmação é de Mo Shaoping, que atuou em alguns dos casos de violação de direitos humanos de maior repercussão internacional
Poucos réus têm advogado, diz ativista chinês
Associated Press - 20.jun.2004
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Policiais chineses treinam execução de condenados com tiro na nuca; China responde por quase dois terços das execuções globais |
CLÁUDIA TREVISAN
DE PEQUIM
A China abriu sua economia ao
mundo e incluiu na sua Constituição o respeito aos direitos humanos. Apesar disso, o país continua
a negar a seus cidadãos garantias
mínimas de qualquer Estado de
Direito, como o direito à defesa e a
julgamento por um Poder Judiciário independente.
De cada 100 acusados de cometer crimes no país, 70 são julgados
sem a intervenção de um advogado, segundo Mo Shaoping, que já
atuou como defensor em alguns
dos casos de violação de direitos
humanos na China de maior repercussão internacional.
Depois de servir como soldado
do Exército no fim dos anos 70,
Mo prestou exame para a faculdade de direito em 1980 e hoje dirige
um escritório no qual atuam 30
advogados e que também trata de
questões empresariais e tributárias. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida à
Folha em Pequim.
Folha - Quando e por que o sr. começou a atuar como advogado especializado na defesa de acusados
de crimes políticos?
Mo Shaoping - Eu comecei a trabalhar como defensor de acusados de crimes políticos há dez
anos. O meu primeiro caso foi o
de Liu Nianqing, irmão de Liu
Qin, que é o presidente da Associação em Defesa da Democracia
da China nos Estados Unidos.
Os dois foram acusados pelos
eventos de 4 de junho [maneira
como os chineses se referem ao
massacre da praça Tiananmen,
em 1989]. O irmão, Liu Qin, conseguiu fugir para os EUA e o restante da família ficou na China.
Aceitei o processo porque muitos advogados chineses tinham
medo de defender os acusados.
Acredito que todas as pessoas
têm o direito de ser defendidas.
Por isso, eu me tornei advogado
de Liu Nianqing. Ele foi condenado à prisão, mas cumpriu apenas
parte da pena e também se mudou para os Estados Unidos.
Folha - Quantos acusados o sr.
conseguiu absolver?
Mo - Na China, não existe a absolvição como nos países estrangeiros, mas o governo chinês costuma libertar os condenados por
crimes políticos após um certo
período, por causa da pressão internacional. Normalmente, o governo diz ao público que essas
pessoas precisam de tratamento
médico fora da prisão.
Folha - Que tipo de garantias os
advogados chineses têm no exercício da profissão?
Mo - Nessa área, o assunto mais
discutido no país hoje é a imunidade profissional para os advogados. Segundo o artigo 306 do Código Penal, os advogados podem
ser presos se forem suspeitos de
falsificar provas [o que pode ocorrer se eles derrubarem evidências
apresentadas pela Promotoria ou
conseguirem modificar depoimentos de testemunhas].
Folha - É arriscado ser advogado
na China?
Mo - Os advogados podem ser
divididos em vários grupos. Há
advogados que trabalham para as
empresas, entidades ou que se dedicam a causas civis e de família.
Nesses, casos, não há problemas.
Os advogados que trabalham
com questões criminais enfrentam um risco maior. Um dado
ilustra bem essa situação: na China, o número de casos criminais
com presença de defensores é menor do que 30%. Isso quer dizer
que de cada 100 acusados, 70 não
têm defensores.
Folha - E eles podem ser julgados
mesmo assim?
Mo - A China não tem a mesma
legislação que os países ocidentais, nos quais as causas instruídas
sem defensor são ilegais. Na China, acusados que não têm advogado podem se autodefender. Só
acusados com menos de 18 anos,
os cegos e mudos e os que podem
ser condenados à morte têm direito a um defensor nomeado.
Folha - A relação entre o advogado e seu cliente é protegida pela legislação chinesa?
Mo - Quando uma pessoa é presa, ela tem o direito de pedir um
advogado e encontrá-lo dentro de
48 horas. Durante a etapa de investigação, a polícia pode estar
presente durante as conversas entre o suspeito e o defensor, ouvindo o que eles falam e podendo interromper a conversa. Quando a
causa é entregue ao Ministério
Público e ao tribunal, a polícia
não pode mais ter acesso às conversas, mas elas são gravadas por
câmeras de vídeo.
Folha - Qual o grau de independência do Judiciário chinês?
Mo - Segundo a lei, o tribunal
exerce sua atividade independentemente de qualquer órgão administrativo, entidade ou indivíduo.
Mas a situação da China ainda é
bem diferente da de outros países.
Às vezes o juiz não tem a decisão
final. Dependendo do caso, ela será dada por uma comissão composta pelo diretor, o vice-diretor e
altos funcionários do tribunal.
Além disso, não há previsão legal que impeça a interferência do
Partido Comunista na administração da Justiça. Em todas as regiões existe um Comitê Político-Legal do Partido Comunista, que
pode apresentar a opinião do partido em casos em que isso seja
considerado necessário. E a decisão do partido é a última decisão.
Folha - A situação dos direitos humanos na China melhorou ou piorou desde que o sr. começou a
atuar como advogado?
Mo - Em um curto período após
a fundação da República Popular
da China [em 1949], os advogados
puderam exercer sua profissão,
mas algum tempo depois essa atividade deixou de existir. Só em 79
o sistema jurídico da China restaurou o exercício da profissão.
Em março deste ano, o governo
chinês reviu a Constituição do
país e incluiu no texto o respeito
aos direitos humanos. Portanto, a
situação na China está melhor.
Em 1954, nós só tínhamos dois
textos legais: a Constituição e Lei
do Casamento. Agora, já há centenas de leis, cerca de 100 mil advogados e 10 mil escritórios.
Mas se for comparado com o de
outros países, o sistema jurídico
na China ainda é muito atrasado,
principalmente em relação à liberdade de imprensa, à liberdade
de expressão, à severidade das penas e aos direitos dos advogados
no exercício da profissão.
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