São Paulo, segunda-feira, 19 de julho de 2004

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CHINA

Afirmação é de Mo Shaoping, que atuou em alguns dos casos de violação de direitos humanos de maior repercussão internacional

Poucos réus têm advogado, diz ativista chinês

Associated Press - 20.jun.2004
Policiais chineses treinam execução de condenados com tiro na nuca; China responde por quase dois terços das execuções globais


CLÁUDIA TREVISAN
DE PEQUIM

A China abriu sua economia ao mundo e incluiu na sua Constituição o respeito aos direitos humanos. Apesar disso, o país continua a negar a seus cidadãos garantias mínimas de qualquer Estado de Direito, como o direito à defesa e a julgamento por um Poder Judiciário independente.
De cada 100 acusados de cometer crimes no país, 70 são julgados sem a intervenção de um advogado, segundo Mo Shaoping, que já atuou como defensor em alguns dos casos de violação de direitos humanos na China de maior repercussão internacional.
Depois de servir como soldado do Exército no fim dos anos 70, Mo prestou exame para a faculdade de direito em 1980 e hoje dirige um escritório no qual atuam 30 advogados e que também trata de questões empresariais e tributárias. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida à Folha em Pequim.
 

Folha - Quando e por que o sr. começou a atuar como advogado especializado na defesa de acusados de crimes políticos?
Mo Shaoping -
Eu comecei a trabalhar como defensor de acusados de crimes políticos há dez anos. O meu primeiro caso foi o de Liu Nianqing, irmão de Liu Qin, que é o presidente da Associação em Defesa da Democracia da China nos Estados Unidos.
Os dois foram acusados pelos eventos de 4 de junho [maneira como os chineses se referem ao massacre da praça Tiananmen, em 1989]. O irmão, Liu Qin, conseguiu fugir para os EUA e o restante da família ficou na China.
Aceitei o processo porque muitos advogados chineses tinham medo de defender os acusados.
Acredito que todas as pessoas têm o direito de ser defendidas. Por isso, eu me tornei advogado de Liu Nianqing. Ele foi condenado à prisão, mas cumpriu apenas parte da pena e também se mudou para os Estados Unidos.

Folha - Quantos acusados o sr. conseguiu absolver?
Mo -
Na China, não existe a absolvição como nos países estrangeiros, mas o governo chinês costuma libertar os condenados por crimes políticos após um certo período, por causa da pressão internacional. Normalmente, o governo diz ao público que essas pessoas precisam de tratamento médico fora da prisão.

Folha - Que tipo de garantias os advogados chineses têm no exercício da profissão?
Mo -
Nessa área, o assunto mais discutido no país hoje é a imunidade profissional para os advogados. Segundo o artigo 306 do Código Penal, os advogados podem ser presos se forem suspeitos de falsificar provas [o que pode ocorrer se eles derrubarem evidências apresentadas pela Promotoria ou conseguirem modificar depoimentos de testemunhas].

Folha - É arriscado ser advogado na China?
Mo -
Os advogados podem ser divididos em vários grupos. Há advogados que trabalham para as empresas, entidades ou que se dedicam a causas civis e de família. Nesses, casos, não há problemas.
Os advogados que trabalham com questões criminais enfrentam um risco maior. Um dado ilustra bem essa situação: na China, o número de casos criminais com presença de defensores é menor do que 30%. Isso quer dizer que de cada 100 acusados, 70 não têm defensores.

Folha - E eles podem ser julgados mesmo assim?
Mo -
A China não tem a mesma legislação que os países ocidentais, nos quais as causas instruídas sem defensor são ilegais. Na China, acusados que não têm advogado podem se autodefender. Só acusados com menos de 18 anos, os cegos e mudos e os que podem ser condenados à morte têm direito a um defensor nomeado.

Folha - A relação entre o advogado e seu cliente é protegida pela legislação chinesa?
Mo -
Quando uma pessoa é presa, ela tem o direito de pedir um advogado e encontrá-lo dentro de 48 horas. Durante a etapa de investigação, a polícia pode estar presente durante as conversas entre o suspeito e o defensor, ouvindo o que eles falam e podendo interromper a conversa. Quando a causa é entregue ao Ministério Público e ao tribunal, a polícia não pode mais ter acesso às conversas, mas elas são gravadas por câmeras de vídeo.

Folha - Qual o grau de independência do Judiciário chinês?
Mo - Segundo a lei, o tribunal exerce sua atividade independentemente de qualquer órgão administrativo, entidade ou indivíduo. Mas a situação da China ainda é bem diferente da de outros países. Às vezes o juiz não tem a decisão final. Dependendo do caso, ela será dada por uma comissão composta pelo diretor, o vice-diretor e altos funcionários do tribunal.
Além disso, não há previsão legal que impeça a interferência do Partido Comunista na administração da Justiça. Em todas as regiões existe um Comitê Político-Legal do Partido Comunista, que pode apresentar a opinião do partido em casos em que isso seja considerado necessário. E a decisão do partido é a última decisão.

Folha - A situação dos direitos humanos na China melhorou ou piorou desde que o sr. começou a atuar como advogado?
Mo -
Em um curto período após a fundação da República Popular da China [em 1949], os advogados puderam exercer sua profissão, mas algum tempo depois essa atividade deixou de existir. Só em 79 o sistema jurídico da China restaurou o exercício da profissão.
Em março deste ano, o governo chinês reviu a Constituição do país e incluiu no texto o respeito aos direitos humanos. Portanto, a situação na China está melhor. Em 1954, nós só tínhamos dois textos legais: a Constituição e Lei do Casamento. Agora, já há centenas de leis, cerca de 100 mil advogados e 10 mil escritórios.
Mas se for comparado com o de outros países, o sistema jurídico na China ainda é muito atrasado, principalmente em relação à liberdade de imprensa, à liberdade de expressão, à severidade das penas e aos direitos dos advogados no exercício da profissão.


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