São Paulo, sábado, 19 de julho de 2008

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Cristina revoga aumento de imposto que detonou crise

Decisão acontece após Senado rejeitar proposta em disputa desempatada por vice

Alta da alíquota sobre a exportação de grãos levou a quatro meses de protestos de ruralistas e queda da popularidade da presidente


Natacha Pisarenko/Associated Press
Cristina recebe presidente lituano;
recuo do governo é inédito


ADRIANA KÜCHLER
DE BUENOS AIRES

Depois de 129 dias de conflito com o setor agropecuário, a presidente argentina, Cristina Kirchner, assinou ontem um decreto anulando o aumento de impostos sobre as exportações de grãos instituído em março, que gerou uma crise que ainda se arrasta com o campo.
O anúncio, que, na teoria, acaba com a guerra, foi feito um dia depois de o Senado, com o voto de Minerva do vice-presidente Julio Cobos, ter derrubado o projeto de lei que tratava do tema -no que foi considerada a maior derrota política de Cristina e de seu marido e antecessor Néstor Kirchner.
A criação em 11 de março dos chamados impostos móveis, que variam conforme o preço dos produtos no mercado internacional, gerou quatro locautes ruralistas, bloqueios de estradas, desabastecimento e aumento da inflação.
Diante da posição intransigente do governo, a classe média, a oposição e parte da base governista se uniram ao campo. Com a anulação, os impostos voltam a ser os de 10 de março.
Ao anunciar a decisão em nome da presidente, o chefe-de-gabinete, Alberto Fernández, mostrou a insatisfação do governo. "A resolução foi pretexto para um violento locaute que iniciou uma escalada de bloqueios de estradas, desabastecimento, ações verbais e físicas", disse Fernández. "Ficará sem efeito para que seja tratada em outro âmbito, sem pressões nem agressões."
A anulação da chamada "resolução 125", a principal exigência dos ruralistas, foi comemorada com moderação por líderes agropecuários e pela oposição, que buscam discutir outras questões com o governo.
Sem comentar diretamente a derrota no Senado, a presidente recebeu ontem na residência oficial os parlamentares que votaram com o governo para parabenizá-los.

Efeitos
A conseqüência imediata do fim dos impostos móveis, do ponto de vista econômico, deve ser um forte aumento das exportações de soja do país, que estariam estocadas à espera de uma decisão sobre a manutenção do aumento de impostos.
Sob a perspectiva política, a anulação da medida é apenas o ápice de uma longa crise. "O resultado no Senado e o fim da resolução não aconteceram de um dia para o outro", diz o analista político Ricardo Rouvier. "Foi como culminou um processo contraditório em que o governo foi perdendo consensos, a opinião pública e suas vantagens no Congresso."
Durante os quatro meses de crise, Cristina fez várias alterações no projeto para tentar acalmar os ânimos dos produtores rurais e da oposição.
Ainda em março, anunciou medidas que beneficiariam os pequenos produtores. Em abril, decidiu-se que esses receberiam a restituição do aumento. Em maio, anunciou tetos mais baixos para as alíquotas.
Mas, desde o início, ninguém entendia para que serviam os impostos. Então Cristina anunciou, em junho, que seriam aplicados na construção de hospitais e casas populares. Nenhuma das técnicas funcionou e, há um mês, a presidente enviou o projeto ao Congresso, com a esperança de vê-lo aprovado e se livrar do problema, já que o governo tinha maioria nas duas Casas antes da crise.
A lei passou com uma vitória apertada na Câmara de Deputados e acabou derrubada pelo Senado e pelo próprio vice-presidente, Julio Cobos. Era a primeira derrota dos Kirchner.


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