São Paulo, domingo, 19 de agosto de 2007

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Miséria multiplica danos de abalo no Peru

Presidente admite que o país não dá conta de atender a todas as vítimas do terremoto; mortos podem passar de 510
Equipes dão prioridade a traslado de feridos a Lima, por falta de hospitais locais; resgate e distribuição de donativos são precários

RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL A PISCO (PERU)

Nos quase dez quilômetros caminhados entre a ponte destruída de San Clemente e o centro da cidade de Pisco, uma das mais afetadas pelo terremoto no Peru, a reportagem da Folha não viu nenhum bombeiro, policial ou soldado em ação. Pior: não viu nem um médico, apesar das centenas de desabrigados famintos, dormindo sob uma temperatura de 9º C, sem água potável ou luz.
A pobreza do Peru só amplificou o potencial destrutivo do grave terremoto (8 pontos na escala Richter) da última quarta-feira. Sob críticas quanto ao caos na distribuição de donativos, o presidente Alan García reconheceu que a prioridade era "levar os feridos a hospitais de Lima e Callao" e recuperar os mortos. Mais de 500 feridos tiveram que ser levados de avião, pois a região não conta com bons hospitais.
García, que se instalou em Pisco, a 290 km de Lima, logo após o terremoto e dirige pessoalmente a ação governamental, acabou assumindo com a declaração que o país não tem como levar feridos e distribuir donativos ao mesmo tempo.
Em mais de vinte quarteirões de Pisco -reduzidos a escombros- a reportagem só viu duas equipes de resgate em ação, uma delas com bombeiros estrangeiros que foram para o país como voluntários. Dezenas de casas destruídas estavam intocadas, 38 horas após o terremoto, segundo relato de moradores, que ainda não sabem se o número de mortos (de 510) vai se multiplicar.

Casas de barro
A maioria das casas da região é feita em barro - no Peru o índice de chuvas é baixíssimo - e não tem a menor resistência a um maior tremor. Destruídas, parecem de papelão. Já em Lima, na capital, os prédios nos bairros mais caros têm até áreas sinalizadas como "protegidas de abalos sísmicos".
Com 700 mil habitantes, Ica, onde estão as três cidades mais destruídas, é um dos departamentos (Estados) mais ricos do Peru, o que demonstra bem a miséria local. A renda per capita do país é 40% inferior à brasileira. Estimativas dizem que 60% dos peruanos vivem na pobreza -e ficam curtas no diagnóstico.
Ica vive da pesca e da agricultura, principalmente de algodão, aspargos e uva, base para o pisco, licor nacional peruano. O boom exportador dessas culturas atraiu milhares de camponeses do interior ainda mais pobre do país.
Entre os desabrigados que contaram sua história à Folha, nenhum têm emprego registrado. Todos são temporários ou autônomos, vivendo de bicos ora na agricultura, ora na pesca ou na construção civil. Os que ganham mais têm renda mensal de US$ 130, segundo conta Marcos Arata, 26. O salário mínimo não chega a US$ 100. "Hoje em dia é um luxo pedir o mínimo, nós nos contentamos com menos para conseguir trabalhar", diz.
O aluguel de um casebre de barro vale US$ 60. É normal ver avós, seus filhos casados e netos dividirem a mesma pequena casa, sem emancipação das gerações mais jovens.
A distribuição de água é precária, apesar do boom agrícola. Um reservatório, que agüentou em pé o terremoto, jorrava água por uma rachadura, enquanto uma pequena multidão com garrafas de água e baldinhos tentava capturar o que era desperdiçado.
Obras incompletas do governo são acompanhadas por outdoors colocados antes da entrega da obra. Montes de lixo pré-terremoto se misturam com escombros pós-tragédia. A Igreja Universal, com o mesmo logotipo usado no Brasil, faz campanha pelas vítimas. No Peru, a igreja tem outro nome: chama-se Igreja Pare de Sofrer.


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