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Miséria multiplica danos de abalo no Peru
Presidente admite que o país não dá conta de atender a todas as vítimas do terremoto; mortos podem passar de 510
Equipes dão prioridade a
traslado de feridos a Lima,
por falta de hospitais locais;
resgate e distribuição de
donativos são precários
RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL A PISCO (PERU)
Nos quase dez quilômetros
caminhados entre a ponte destruída de San Clemente e o centro da cidade de Pisco, uma das
mais afetadas pelo terremoto
no Peru, a reportagem da Folha não viu nenhum bombeiro,
policial ou soldado em ação.
Pior: não viu nem um médico,
apesar das centenas de desabrigados famintos, dormindo sob
uma temperatura de 9º C, sem
água potável ou luz.
A pobreza do Peru só amplificou o potencial destrutivo do
grave terremoto (8 pontos na
escala Richter) da última quarta-feira. Sob críticas quanto ao
caos na distribuição de donativos, o presidente Alan García
reconheceu que a prioridade
era "levar os feridos a hospitais
de Lima e Callao" e recuperar
os mortos. Mais de 500 feridos
tiveram que ser levados de
avião, pois a região não conta
com bons hospitais.
García, que se instalou em
Pisco, a 290 km de Lima, logo
após o terremoto e dirige pessoalmente a ação governamental, acabou assumindo com a
declaração que o país não tem
como levar feridos e distribuir
donativos ao mesmo tempo.
Em mais de vinte quarteirões
de Pisco -reduzidos a escombros- a reportagem só viu duas
equipes de resgate em ação,
uma delas com bombeiros estrangeiros que foram para o
país como voluntários. Dezenas de casas destruídas estavam intocadas, 38 horas após o
terremoto, segundo relato de
moradores, que ainda não sabem se o número de mortos (de
510) vai se multiplicar.
Casas de barro
A maioria das casas da região
é feita em barro - no Peru o índice de chuvas é baixíssimo - e
não tem a menor resistência a
um maior tremor. Destruídas,
parecem de papelão. Já em Lima, na capital, os prédios nos
bairros mais caros têm até
áreas sinalizadas como "protegidas de abalos sísmicos".
Com 700 mil habitantes, Ica,
onde estão as três cidades mais
destruídas, é um dos departamentos (Estados) mais ricos do
Peru, o que demonstra bem a
miséria local. A renda per capita do país é 40% inferior à brasileira. Estimativas dizem que
60% dos peruanos vivem na pobreza -e ficam curtas no diagnóstico.
Ica vive da pesca e da agricultura, principalmente de algodão, aspargos e uva, base para o
pisco, licor nacional peruano. O
boom exportador dessas culturas atraiu milhares de camponeses do interior ainda mais
pobre do país.
Entre os desabrigados que
contaram sua história à Folha,
nenhum têm emprego registrado. Todos são temporários
ou autônomos, vivendo de bicos ora na agricultura, ora na
pesca ou na construção civil.
Os que ganham mais têm renda
mensal de US$ 130, segundo
conta Marcos Arata, 26. O salário mínimo não chega a US$
100. "Hoje em dia é um luxo
pedir o mínimo, nós nos contentamos com menos para
conseguir trabalhar", diz.
O aluguel de um casebre de
barro vale US$ 60. É normal
ver avós, seus filhos casados e
netos dividirem a mesma pequena casa, sem emancipação
das gerações mais jovens.
A distribuição de água é precária, apesar do boom agrícola.
Um reservatório, que agüentou
em pé o terremoto, jorrava
água por uma rachadura, enquanto uma pequena multidão
com garrafas de água e baldinhos tentava capturar o que
era desperdiçado.
Obras incompletas do governo são acompanhadas por outdoors colocados antes da entrega da obra. Montes de lixo
pré-terremoto se misturam
com escombros pós-tragédia. A
Igreja Universal, com o mesmo
logotipo usado no Brasil, faz
campanha pelas vítimas. No
Peru, a igreja tem outro nome:
chama-se Igreja Pare de Sofrer.
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